A Experiência Docente na Educação Física Escolar
Por Paulo Henrique Leal (Autor).
Em X EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Sobre a experiência docente
A superação das pesquisas do tipo processo-produto marca o início de novas reflexões nos estudos da educação, ou seja, a preocupação exclusiva centrada na ação do professor - como organizador de comportamentos - com relação à aprendizagem eficaz dos alunos cede lugar aos olhares voltados para os saberes que esse professor possui e constrói ao longo de sua ação profissional.
Neste sentido, em meados da década de 1980, outros tipos de pesquisas começaram a aparecer. Nomenclaturas e estruturas diversas de pesquisas foram se constituindo e se interpenetrando, dando origem a diversos enfoques como: psico-cognitivos, subjetivo-interpretativo, curricular e profissional, por exemplo (Borges e Tardif, 2001).
Com base nos escritos de Marcelo-Garcia (1998), podemos destacar que uma referência importante para esse novo momento metodológico e temático das pesquisas sobre a formação de professores diz respeito à consolidação de um novo paradigma denominado "pensamento do professor".
É nesse paradigma que surgem propostas metodológicas apoiadas na concepção do professor como profissional reflexivo.
Tal conceito surge com Schön (1983), ainda como uma referência profissional para diversos campos de atuação. Logo, tais reflexões são transportadas, pelo próprio autor e por vários outros que começaram a constituir esse novo enfoque de análise, para os professores.
O cerne da idéia do professor reflexivo concentra-se na superação do professor como técnico, simples executor de tarefas, atribuindo-lhe autonomia e vendo-o como um profissional que constrói e reconstrói saberes. Saberes estes que são mobilizados cotidianamente na sua prática profissional que é incerta, complexa e singular.
Nas palavras de Pérez-Gómez (1992),
"Os problemas da prática social não podem ser reduzidos a problemas meramente instrumentais, em que a tarefa profissional se resume a uma acertada escolha e aplicação de meios e de procedimentos. De um modo geral, na prática não existem problemas, mas sim situações problemáticas, que se apresentam freqüentemente como casos únicos que não se enquadram nas categorias genéricas identificadas pela técnica e pela teoria existente. Por essa razão, o profissional prático não pode tratar essas situações como se fossem meros problemas instrumentais, susceptíveis de resolução através da aplicação de regras armazenadas no seu próprio conhecimento científico-técnico". (p.100)
O que ocorre neste novo contexto é uma revalorização da prática profissional e é a partir dessa leitura que a experiência passa a ganhar destaque.
Segundo Pimenta (2002), mobilizar os conhecimentos de experiências anteriores é o ponto de partida para uma melhor atuação profissional. Contudo, ainda sabemos muito pouco sobre o que exatamente esse conceito de experiência significa e como o professor pode fazer uso desse conhecimento, tornando sua prática profissional de melhor qualidade.
Etimologicamente, Ferreira (1977) salienta que experiência é "(...) habilidade ou perícia resultante do exercício contínuo duma profissão, arte ou ofício" (p.210). Esta definição do termo na língua portuguesa nos incita a ver o tempo de trabalho associado à constituição da experiência profissional. Contudo, será que apenas os anos de profissão são suficientes para o surgimento de um perito?
O termo experiência origina-se do latim experiri, que significa provar, experimentar (Bondía, 2002). Mas sabemos que a experiência vai além desta definição, principalmente quando denota uma qualidade a um sujeito.
Quando se usa, por exemplo, o termo professor experiente o que se quer dizer é que tal sujeito "(...) conhece as
manhas da profissão, ele sabe controlar os alunos, porque desenvolveu, com o tempo e o costume, certas estratégias e rotinas que ajudam a resolver os problemas típicos, (...) ele possui um repertório eficaz de soluções adquiridas durante uma longa prática do ofício (...)" (Tardif e Lessard, 2005, p.51).
Há ainda um outro conceito de experiência que não se caracteriza efetivamente pelo tempo, mas pela significação pessoal, ou seja, não é um processo continuado de ações que constitui o quadro de saber docente, mas o impacto de uma situação vivida que muda a existência da pessoa profundamente. Podemos entender este tipo de experiência como um incidente crítico.
Com bases nestes prismas, a experiência pode ser apontada, segundo Bondía (2002) como algo que nos ocorre em cada momento, que nos passa e nos toca a todo instante, divergindo, portanto, dos acontecimentos que se passam, que ocorrem a cada momento, e, consequentemente, não nos tocam (grifos meus).
Assim, o professor possui "(...) uma especial responsabilidade sobre a sua actuação pelo que o conhecimento de si mesmo no que é, no que faz, no que pensa e no que diz, ou auto-conhecimento (...)" (Alarcão, 2005, p.63). Em contrapartida, como destacam Batista e Costa (2005), não basta, ao professor, viver alguma eventual transformação sem ter compreendido tal vivência. Cabe aos professores, a partir de cada experiência, a construção e transformação de seus saberes-fazeres docentes (Pimenta, 2002).
Nas definições acima, tanto as construções temporais quanto incidentais na consolidação da experiência nos apontam para uma perspectiva individual desse conceito, o que parece contribuir com a redução do seu sentido.
Experiência também é social e, desta forma, ela pode ser entendida como estruturas sociais que são interiorizadas sob a forma de habitus (Bourdieu citado por Tardif e Lessard, 2005). Destacam Tardif e Lessard (2005): "(...) se a experiência de cada docente que encontramos é bem própria, ela não deixa de ser também a de uma coletividade que partilha o mesmo universo de trabalho, com todos os seus desafios e suas condições" (p.53).
Para complementar os apontamentos anteriores, Tardif e Lessard (2005) também citam que ao se questionar os docentes sobre suas próprias capacidades profissionais, freqüentemente obtêm-se respostas voltadas à perspectiva de que a habilidade de saber ensinar está vinculada com suas experiências durante a prática do ofício, o que, de certa forma, aponta para uma oposição entre os conhecimentos teóricos e práticos.
Embora a literatura apresente referências positivas acerca do conceito de experiência no âmbito do desenvolvimento profissional docente, nas escolas brasileiras não é isto o que freqüentemente constatamos, ou seja, os vários anos de trabalho ou os incidentes críticos não, necessariamente, se traduzem em um profissional habilidoso. Neste caso, parece que nem sempre a experiência conduz o professor a decisões acertadas. Muitas vezes, pelas tarefas rotineiras e ausência de elementos que estimulem a reflexão sobre o dia-a-dia das aulas, a prática profissional torna-se repetitiva, cristalizando-se ao longo do tempo.
Esta prática profissional rotineira faz com que a atuação docente seja mecânica e automática, dando a impressão de que tais professores agem sem pensar no motivo ou na razão de tal execução.
Neste sentido, ser experiente na docência, não significa, necessariamente, ser melhor professor. Além disso, a experiência docente não se fundamenta simplesmente no volume das situações vividas durante o período desse ofício: a diversidade e a dinamicidade apresentadas pelo professor ao enfrentar tais circunstâncias são o que determinarão o quão qualificado é o docente. É claro que "(...) a experiência torna o professor mais flexível e mais apto para adaptar os programas as suas necessidades" (Tardif e Lessard, 2005, p.214).
Tais indicadores nos levam a refletir que não basta ser experiente na profissão, isto é, ter um longo tempo de trabalho ou ter vivído inúmeros incidentes críticos durante o processo de atuação docente, é preciso mais do que ser experiente: transformar essa construção num tipo de saber que se reverta numa melhor atuação profissional.
Ao refletir sobre sua prática, o docente adquire experiências construtivas, positivas e formativas, o que culmina numa experiência qualitativa e não quantitativa. De acordo com Giovanni (2000), os docentes possuem liberdade para refletirem sobre suas propostas e atitudes, de forma que isto lhes permita constituírem melhores atributos à prática desta profissão.
Todavia, reflexão e experiência não possuem uma relação direta: neste caso não prepondera o de reflexão efetuado, mas sim, a qualidade de tal processo. Para tanto, podemos recorrer às profundas palavras de Gandin (1995), o qual alude que "a experiência não vem de se ter vivido muito, mas de se ter refletido intensamente sobre o que se fez e sobre as coisas que aconteceram" (p.91).
Este saber construído da relação reflexão-experiência, segundo Brasil (1999), não pode escusar o conhecimento teórico e nem se estabelecer sem conexão com ele. Pelo contrário: os docentes devem utilizar os referenciais teóricos para refletir sobre sua experiência, de forma a decodificá-la e conferir-lhe um sentido ou significado. "Trata-se de aprender a agir e a refletir sobre o contexto situacional em que se atua, sobre o que se faz e o que resulta dessa ação, levando em conta sua intencionalidade, o contexto em que ocorre e os sujeitos envolvidos" (Brasil, 1999, p.103).
Em conformidade, Pereira e Fernandez (2005) descrevem que ampla parte dos professores se distancia da reflexão sobre sua prórpia prática docente, sendo que "muitos não entendem sequer o valor da teoria, de tão apegados que estão à sua própria prática" (Pereira e Fernandez, 2005, p.12).
Desta maneira, podemos deduzir que a boa qualidade da reflexão empreendida sobre a experiência vivenciada pelo professor é o que lhe dará as condições imprescindíveis para executar seu ofício com competência e consciência.
Metodologia
A pesquisa em questão se caracteriza por um estudo exploratório de natureza qualitativa. Para tanto, aplicou-se uma entrevista semi-estruturada aos 03 professores participantes (P1, P2 e P3), com a seguinte indagação: "Na sua concepção, o que é um professor experiente?"
Apresentação e análise dos resultados
Sobre o conceito de experiência os professores destacaram que as vivências diferenciadas, a aprendizagem com os alunos no processo educativo, a prática reflexiva sobre suas aulas - de modo a não ficar sempre na mesmice -, a constante inovação e atualização - tanto literária quanto vivencial - são características que irão apontar para um docente experiente. Além disto, é unânime entre os participantes que a experiência não está relacionada ao tempo de atuação. Tal descrição confirma o que se encontra na literatura. Ao citarmos, por exemplo, Gandin (1995), que apresenta a experiência como sendo fruto de uma intensa reflexão sobre suas atitudes, procedimentos e acontecimentos, e não de um longo caminho por ele percorrido, observamos tal emparelhamento.
Há uma forte presença do termo vivência nas respostas dos professores: "experiente é aquele que teve varias vivências..." (P3); "...vive experiências..." (P2); "...vive e vivencia situações diferenciadas" (P1). Podemos nos reportar aos estudos de Bondía (2002), quando este afirma que
"(...) o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida" (p.27).
Desta forma, pressupõe-se que esta vida existente nos eventos ocorridos aos, ou melhor, nos professores, é, de fato, muito significativa para cada um deles, porque são apontados aspectos atinentes à história de vida ao longo de suas práticas: O P3, por exemplo, relata que "...há um processo de crescimento... um enriquecimento pessoal". Diz também que ele é "fruto de uma história de vida... que a experiência de vida auxilia...".
É importante ressaltar que ao refletir sobre sua prática, na tentativa de reconstruir suas experiências de maneira inovadora e atualizada, toda sua história não pode ser renegada ou desconsiderada. Ao lado disto, os participantes relatam que também é necessário interagir com as experiências que os alunos também trazem consigo em sua bagagem. Desta maneira, além de se ensinar, aprende-se com os alunos em meio a tal processo pedagógico de ensino, cujo qual, segundo eles, deve possibilitar que o aluno tenha uma visão mais crítica sobre os conteúdos, que seja mais participativo e ativo, não só para com as aulas, mas para a vida.
Contudo, constata-se que todos os professores participantes dão grande relevância à questão literária existente na área durante suas respectivas práticas pedagógicas. Eles consideram que a pesquisa, a leitura, o embasamento teórico é essencial para o êxito de suas ações, destacando que não se pode deixar pender demais a uma vertente científica, cabendo a eles, consequentemente, buscarem o que melhor lhes convém para cada situação vivenciada, uma vez que, uma Educação Física mais consistente é almejada pelos três docentes.
Portanto, recorrendo a Tardif e Lessard (2005), relembramos que ser experiente na docência, não significa, via de regra, ser melhor professor. O que lhe tornará qualificado como docente será a diversidade e a dinamicidade apresentadas por ele em meio as circunstâncias proporcionadas em seu ofício. Eis a essencialidade da reflexão.
Considerações finais
Os resultados sublinham mudanças, ao longo do tempo de profissão, nas concepções dos sujeitos, assim como suas atitudes, metodologias e procedimentos de ensino. Tais fatos são oriundos da incessante busca por melhorias em suas práticas pedagógicas e nas relações com os alunos. Concluiu-se que, para se ser experiente, ao longo de seu ofício, o docente deve: a) possuir vivências diversificadas, independentes, imperativamente, do tempo de atuação do mesmo; b) atualizar-se e inovar-se constantemente, abandonando a mesmice; c) aprender com o aluno; e d) realizar, continuamente, o processo de reflexão sobre sua prática.
Obs. Os autores, Paulo Henrique Leal ( paulinho_unesp@yahoo.com.br) é estudante e a professora Lílian Aparecida Ferreira (lilibau@fc.unesp.br) são da UNESP / Bauru
Referências
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