A Indisciplina na Escola e na Educação Física: Significados e Causas
Por Fábio Tomio Fuzii (Autor).
Em X EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Introdução
Um dos problemas que vem chamando a atenção de educadores é o aumento do número de reclamações quanto ao comportamento dos alunos e das alunas. Em pesquisa realizada por Gaspari et al. (2006) foi detectado que uma das maiores dificuldades dos professores de Educação Física refere-se à indisciplina dos alunos. Comumente esse é um problema levantado pelos professores como um impedimento para a implantação de novas propostas educacionais.
Será que esse é um problema que também aflige os estagiários de Educação Física? Como esses estudantes compreendem o significado da indisciplina na escola? Atribuem as causas exclusivamente ao indivíduo? Quais as causas atribuem à indisciplina na escola? Essas são as questões que essa pesquisa buscou analisar dando voz aos estagiários de um curso de Licenciatura de Educação Física de uma universidade pública. Espera-se que os levantamentos desses dados permitam aos professores universitários, especialmente os responsáveis pela disciplina de prática de ensino, condições de compreender e desvelar aspectos da formação profissional dos seus alunos, sobretudo no que diz respeito ao relacionamento professor-aluno.
Assim, especificamente o objetivo dessa pesquisa foi investigar se os estagiários reconhecem a indisciplina como uma de suas dificuldades no encaminhamento das práticas pedagógicas e o que entendem sobre os significados e as causas da indisciplina no interior da escola.
Revisao bibliográfica
Embora seja um problema que vem sendo mencionado constantemente, atingindo, às vezes, níveis alarmantes, a indisciplina no sistema escolar não possui um diagnóstico simples e as propostas de solução não chegam a um consenso. Dentre tantos problemas no trabalho escolar a indisciplina discente destaca-se como uma queixa predominante entre os profissionais.
La Taille (1996) define primeiramente a disciplina como comportamentos regidos por um conjunto de normas, desta maneira, traduz a indisciplina de duas formas, sendo a primeira a revolta contra estas normas e a segunda o desconhecimento delas. No primeiro caso a indisciplina traduz-se em uma forma de desobediência insolente; no segundo caso, pelo caos dos comportamentos, pela desorganização das relações. Isto estaria sendo traduzido nas aulas como bagunça, tumulto, faltas de limites, maus comportamentos, desrespeito a figuras de autoridades etc.
Considerando a complexidade do tema, temos que considerar que os comportamentos anteriormente citados são indesejáveis no processo de aprendizagem, procurando sempre uma sala disciplinada. Porém, a que preço? A disciplina em sala de aula pode ser fruto apenas da boa educação, ou seja, possuir alguns modos de comportamento que permitam o convívio pacífico. Isto, portanto, resume apenas a pura aparência, o aluno bem comportado pode ser por medo do castigo ou por conformismo. Isto é desejável?
Good e Bruphy et al. (1978) diferenciaram, no ensino geral, quatro tipos de classe: A classe sempre caótica, a classe ruidosa, classe tranqüila e bem disciplinada, e a classe que parece funcionar por si só. Para os autores a classe sempre caótica é fruto da indisciplina, onde o professor emprega sempre parte do tempo para estabelecer ou retomar o controle sobre a classe e um ambiente calmo e não dura mais que alguns minutos, e as orientações dadas pelo professor não são cumpridas nunca, sucedendo-se as ameaças, porém sem produzir qualquer efeito já que os alunos não fazem o menor caso.
Estas tantas questões nos levam, a considerar indisciplina como um fenômeno mais amplo, não estritamente escolar, mas que surte no interior da relação educativa. Ou seja, ela não existiria por si própria, um evento pedagógico particular, e no caso, antinatural ou desviante do trabalho escolar.
Segundo Marrach (2006), a reforma educacional ao longo dos anos resultou na queda de qualidade de ensino e da educação em geral, além disso, os baixos salários e a desvalorização da profissão acarretam na desmotivação do profissional e na perda de respeito dos alunos. A autora ainda acrescenta que, os conflitos sociais estão refletidos na escola, isso significa que a violência, o preconceito, o nivelamento de classes, o uso de drogas, entre outros aspectos influenciam diretamente no comportamento dos alunos.
Para Guimarães (2006), outro fator importante para a ocorrência da indisciplina é a frustração do aluno perante os requisitos impostos pela "sociedade informatizada", que exclui aqueles denominados "perdedores" favorecendo a perda da própria dignidade e prejudicando a dignidade dos outros.
Fante (2006) ainda sugere que alunos inseguros e carentes sentem necessidade de chamar atenção para si e pertencer a um grupo, utilizando como meio comportamentos considerados inadequados ou indisciplinados.
De acordo com Alves (2002), o aluno não pode ser o único culpado pelo acontecimento da indisciplina, pois as questões sociais referentes à família, à instituição escolar, à política, à religiosidade ou a qualquer outro âmbito social também são fatores que contribuem para a ocorrência da mesma. A autora considera o professor um grande responsável pelo acontecimento da indisciplina na sala de aula. Se as propostas curriculares estabelecidas, a metodologia utilizada e a postura adotada pelo professor forem inadequadas ao contexto em que se insere, a possibilidade de surgir o comportamento indisciplinado será maior.
De La Taille (1998, p.22 apud ALVES, 2002, p.4) afirma que: "A indisciplina em sala de aula não se deve essencialmente a "falhas"psicopedagógicas, pois está em jogo o lugar que a escola ocupa hoje na sociedade, o lugar que a criança e o jovem ocupam, o lugar que a moral ocupa."
Sendo assim, a indisciplina é causada pela soma de diversas razões distribuídas igualmente entre a escola, família, ausência de limites, desigualdade social, aluno e professor.
Metodologia
A metodologia que utilizamos é de natureza qualitativa e do tipo descritiva. Através dessa abordagem procuramos registrar, descrever, analisar e interpretar o discurso dos estagiários entrevistados.
Na análise de Triviños (1987) as pesquisas com enfoque qualitativo surgem em contraposição à atitude tradicional positivista de aplicar aos estudos das ciências humanas os mesmos princípios e métodos das ciências naturais.
Na visão de Ludke e André (1986), com a evolução dos estudos na área educacional, percebeu-se que poucos fenômenos nessa área podem ser submetidos à abordagem analítica típica das pesquisas experimentais, pois em educação as coisas acontecem de maneira inextrincável e não é possível isolar as variáveis envolvidas.
A entrevista foi a estratégia utilizada para a coleta dos dados descritivos na linguagem dos estagiários, permitindo aos investigadores desenvolver uma idéia sobre a maneira como esses interpretam aspectos do mundo.
Entrevistas semi-estruturadas permitiram aos investigadores partirem de questionários básicos, apoiados em teorias e hipóteses, e com o decorrer da entrevista aprofundar as interrogativas.
Os participantes da pesquisa foram 16 alunos do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual Paulista
(UNESP)-Campus Rio Claro, que estão tendo suas primeiras experiências como professores na Educação Básica, na disciplina de Prática de Ensino. Para tal, foi elaborado um roteiro de perguntas que serviu como referência aos entrevistadores.
- Quais são as dificuldades que você enfrenta na prática de ensino?
- Dentre as dificuldades citadas, qual é a maior em sua opinião?
- Você tem problemas de indisciplina? Quais? Dê exemplos.
- O que é indisciplina?
- Por que você acha que os alunos são indisciplinados?
Resultados e discussão
A análise da questão 1 indagava aos estagiários quais eram os problemas enfrentados por eles durante a prática de ensino. Os resultados apontaram vários, com um total de 22 distintos, sendo a indisciplina, a falta de interesse dos alunos e a resistência aos novos conteúdos os mais citados. Esses resultados corroboram aqueles identificados anteriormente por Gaspari et al. (2006), em pesquisa realizada com professores de Educação Física na escola. Ou seja, as dificuldades dos estagiários parecem ser as mesmas enfrentadas por professores.
A agitação dos alunos, somados a citação explícita do termo indisciplina e mais as questões relacionadas à falta de respeito, obediência, falta de silêncio, dificuldade de atenção dos alunos receberam um total de 15 citações. Ou seja, se constitui na maior dificuldade dos estagiários.
-"A principal dificuldade muitas vezes é que eles são muito agitados, então, é difícil estar acalmando". (estagiário 14)
Outro grupo de citações, no total apareceu 7 vezes, com proximidade de sentido é representado pelos problemas da falta de interesse dos alunos (2 vezes), a pouca participação destes na aula (1 vez), a falta de atenção dos alunos durante as aulas (1 vez), o descaso dos alunos (1 vez), a falta de motivação pela prática de Educação Física (1 vez) e a falta de adesão as aulas (1 vez). Representando o grupo a frase abaixo:
-"...o que eu acho que complica lá é com relação ao interesse do pessoal, é bom porque eles ficam em silêncio, mas, ao mesmo tempo parece que você está falando com as paredes" (estagiário 1).
A resistência aos novos conteúdos foi apontada 6 vezes, sendo explicada de várias maneiras, mas, principalmente pela vontade dos alunos em só jogar futebol e pela prática difundida pelos professores que deixam os alunos fazerem o que querem, dando apenas o material necessário (rola-bola).
-"tenho dificuldade com uma turma porque eles são mal acostumados pelo professor, que chegava na quadra e jogava a bola". (estagiário 11)
A questão 2 dá continuidade a questão 1, mas com o objetivo de identificar a principal dificuldade encontrada na prática de ensino, sendo as mais citadas são: resistência dos alunos frente aos novos conteúdos, sua participação nas aulas e as questões relacionadas à indisciplina.
- "É a falta de interesse. Porque o futsal é o esporte que a maioria pratica... Eles não querem fazer as atividades básicas que os outros vão fazer..." (sujeito10)
Outro ponto relevante é que há entre os estagiários a percepção de que no Ensino Médio a adesão é o maior problema e no Ensino Fundamental, o mais difícil são os aspectos relacionados às atitudes.
-"Eles chegam, pulam, dispersam pela quadra, pelo espaço; na sala de aula também conversam muito e fica difícil controlá-los, mesmo dentro da sala, quando tem aula teórica".(sujeito 16)
Isto vem concordar com Marrach (2006) quando afirma que os conflitos sociais estão refletidos na escola, isso significa que a violência, o preconceito, o nivelamento de classes, o uso de drogas, entre outros aspectos influenciam diretamente no comportamento dos alunos.
A questão 3 solicitava aos estagiários que apontassem a presença e descrevessem as formas de manifestação da indisciplina nas aulas de Educação Física.
Dentre os exemplos, o ato de xingar foi o mais lembrado, sendo citado por 8 dos 16 participantes, como nos depoimentos a seguir:
- "Os alunos batem nos coleguinhas, xingam, ofendem, você pede pra sentar e não senta. Falta de educação mesmo". (estagiário 7)
Em segundo lugar, 5 dos 16 entrevistados citaram as brigas entre os alunos, a falta de obediência dos mesmos e a falta de respeito tanto com colegas quanto com professores. Nesse último bloco podemos incluir as seguintes situações citadas pelos estagiários: agressão verbal, já mencionada acima; a gozação de colegas; o preconceito e a agressão física (brigas). Dessa forma, esses itens se fundem formando um único bloco de respostas, como aparece nas respostas dadas:
- "(...) Mas, o que mais vejo é a indisciplina aluno/aluno, xingamentos, empurrões mais agressivos, nesse sentido". (estagiário 15)
Os exemplos citados são algumas situações deparadas pelos estagiários durante suas aulas. Como relatado por Darido (2005) o comportamento e valores dos alunos vêm se modificado com o decorrer dos anos e, hoje, não respeitam nem suas próprias regras. Os problemas de indisciplina são as maiores dificuldades encontradas pelos professores no processo de ensino - aprendizagem e atinge, ás vezes, níveis alarmantes.
Ao responder a pergunta 4 os estagiários citaram ações presentes ou ausentes no comportamento dos alunos que, segundo eles, indicam um comportamento indisciplinado. Nenhum dos estagiários chegou a citar claramente uma definição sobre indisciplina. Todos ficaram restritos a exemplos de comportamentos indisciplinados. Um dos estagiários não respondeu pergunta, pois pensa que a indisciplina não é mais que os valores morais dos próprios professores do que a intenção da criança em ofendê-lo ou não.
La Taille (1996) define a disciplina como comportamentos regidos por um conjunto de normas, desta maneira traduz a indisciplina de duas formas, sendo a primeira a revolta contra estas normas e a segunda o desconhecimento delas.
O comportamento mais citado (onze vezes) relacionado à indisciplina foi o fato dos alunos não seguirem regras pré-determinadas.
- "Quando uma pessoa não segue o que está sendo proposto, o decidido em grupo, ou pelo professor" (Estagiário 2).
Em seguida, ‘Falta de respeito’ foi citada dez vezes pelos entrevistados. Foi ainda citada especificamente como: ‘falta de respeito com o professor’ (três vezes), ‘não respeitam os outros colegas’ (duas vezes), ‘falta de respeito com os estagiários’ (uma vez):
-"Posso considerar como uma falta de respeito para com os outros colegas e para com o professor da classe, ou no momento com o estagiário". (Estagiário 14)
A questão 5 teve o intuito de verificar a opinião dos entrevistados sobre os possíveis causas da indisciplina. Nesta pergunta obtivemos respostas no contexto geral da escola e mais específica da Educação Física
Para 8 dos 16 entrevistados, a indisciplina dos alunos é devido à educação que receberam dentro de casa, na família. Esse grupo acredita que a base familiar está afetada, que a figura dos pais não representa respeito e autoridade, e a educação dos seus filhos é livre demais, com conseqüências aparecendo no desrespeito na escola.
- "É uma serie de fatores que influenciam, um é a educação em casa, se ele não respeita o pai, não é na figura do professor que ele vai respeitar.". (estagiário 4)
Nessa linha de pensamento, segundo Zagury (2000) os pais de hoje, abalados por uma crise ética, não impõe limites às crianças e não ensinam o que é certo e errado.
"Os pais de hoje trabalham mais e passam menos tempo com os filhos. A mãe, que antes ficava em casa e transmitia valores morais, agora trabalha fora e, em 27% dos casos é arrimo de família. Quando chegam do trabalho, ambos estão cheios de culpa pela ausência e, para minimizar esse sentimento, tornam-se muito permissivos, deixam de estabelecer limites e de ensinar o que é certo e errado. Por trás de tudo isso há uma insegurança grande, em parte fruto da crise ética institucional que estamos vivendo no Brasil. No passado, a família tinha um papel de formação ética do individuo."
Um olhar psicológico, a questão da indisciplina estaria associada à idéia de uma carência psíquica do aluno. Essa carência de uma infra-estrutura psicológica, moral mais precisamente, vem antes da escolarização. Aquino (1996) afirma que esta estrutura psíquica é de responsabilidade da família, primordialmente, no entanto, a estruturação escolar não poderá ser pensada separada da familiar. Em verdade, são elas as duas instituições responsáveis pelo que se denomina educação num sentido mais amplo.
Outro aspecto que chama a atenção foram às 5 citações que apontaram que um dos motivos dos alunos serem indisciplinados é porque eles permanecem por um longo período de tempo parados, sentados na carteira e é nas aulas de Educação Física que encontram mais liberdade.
- "(...) creio que as outras disciplinas colaboram para manter os alunos quieto e sentado e você passa o dia em uma escola que você não conversa. Então quando chega na aula de Educação Física que eles têm uma visão diferente da nossa, que para eles é gritar, correr sem intervenção do professor". (estagiário 5)
Houve também 4 respostas que acreditam que a indisciplina é fruto da falta de identificação da escola pelo aluno, ocorrendo um distanciamento escola/aluno. Na opinião dos respondentes a escola não consegue atingir as necessidades dos alunos impossibilitando-o de traçar qualquer perspectiva de vida dentro da escola, gerando uma falta de interesse do mesmo.
- "Para ele (aluno) o conteúdo não faz diferença. Não atinge ele, então para ele tanto faz. Porque o conteúdo está distante da realidade dele". (estagiário 2)
Um outro grupo de respostas tem 4 citações que trata diretamente da prática de ensino, momento que são estagiários no comando da aula não apresentando a mesma figura e autoridade do professor titular.
-"Na prática de ensino o principal motivo é porque você não é o professor efetivo. Você como estagiário o pessoal vai falar, ah estagiário beleza a aula é nossa". (estagiário 4)
Considerações finais
O objetivo dessa pesquisa foi investigar se os estagiários reconhecem a indisciplina como uma de suas dificuldades no encaminhando das práticas pedagógicas e o que entendem sobre os significados e as causas da indisciplina no interior da escola.
Os resultados apontaram que a indisciplina é de fato um problema que aflige os estagiários, e que além dele são dificuldades a resistência dos alunos frente aos novos conteúdos e a falta de interesse/motivação dos alunos, sobretudo os que estudam no Ensino Médio.
Referente às causas da indisciplina não é possível supor a escola como uma instituição independente ou autônoma em relação às outras instituições, é inocente acreditar que o que ocorre no seu interior não tenha articulação aos movimentos exteriores a ela.
A manifestação do comportamento indisciplinado é conseqüência de diversos fatores que variam desde aspectos históricos até a prática pedagógica adotada pelo professor. O conhecimento das suas origens pode auxiliar o professor a intervir de forma mais eficaz no processo educacional.
Obs. Os autores profs. Fábio Tomio Fuzii (fbtm@rc.unesp.br), Cíntia Cristina de Castro Mello (cccm@rc.unesp.br), Ricardo Simões de Oliveira (ricardoervilha@yahoo.com.br), Patrícia Linhares (patylinha@yahoo.com.br) e foram orientados pela prof. Dr. Suraya Cristina Darido (surayacd@rc.unesp.br) sendo todos do LETPEF da UNESP/Rio Claro
Referência bibliográfica
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