Resumo

Discutir atualmente a China e sua cultura parece algo bastante útil, principalmente em decorrência da sua posição econômica, que exerce uma impactante influência mundial. Para buscar trazer alguma luz sobre a China, fizemos uso de um marcante e elucidativo elemento de sua cultura, a sua arte marcial. Mais ainda, buscamos avançar neste processo tratando não do Kung Fu em seu berço de origem, mas sim, olhando-o em sua vertente contemporânea, oriunda do processo de disseminação deste em nosso país iniciado em fins da década de 1950. As dificuldades de transmissão e de apropriação se mostram marcantes, e se consolidam diante das inúmeras dificuldades adaptativas, seja em decorrência da língua, do pouco conhecimento dos brasileiros acerca desta arte marcial, ou ainda pela imposição de valores e preceitos difundidos vagamente pelos meios midiáticos. Assim, entender como os mestres pioneiros superaram estas problemáticas e conseguiram disseminar e consolidar esta prática marcial em nosso país é o principal questionamento de nosso trabalho, cuja resposta a própria fala destes mestres irá cotejar. Foram as suas memórias que recordaram as estratégias adotadas para transmitir o Kung Fu, e para discutirmos seus relatos fizemos uso das teorias sociológicas de Norbert Elias e de Pierre Bourdieu, bem como as interpretações de sinólogos contemporâneos. Para tanto, fizemos uso também da metodologia adotada pela História Oral para, através do uso de entrevistas, discutir com os cinco mestres pioneiros, o processo de disseminação do Kung Fu em nosso país, entendendo o Estado de São Paulo como um polo disseminador desta prática. Abordamos também o processo imigratório chinês ao Brasil desde os primeiros registros datados de 1812, discutindo ainda conceitos relacionados a relação do Oriente com Ocidente. Desta forma, o Kung Fu se torna elemento marcante para a compreensão da cultura chinesa que em nosso país se dissemina, bem como da própria China no cenário global. Concluímos que o fato destes mestres terem vivido em Hong Kong transformou-se num elemento facilitador tanto para a transmissão do Kung Fu quanto para a própria adaptação dos mesmos ao nosso país. Apontamos ainda que a generalização interpretativa de termos como arte marcial e mesmo Kung Fu merecem cuidados, haja vista possuírem significados muito mais amplos do que costumeiramente indicamos, e entendemos o Kung Fu como uma prática multifacetada, influenciada por aspectos culturais e históricos enfrentados pela própria China. Apontamos também que a linguagem corporal que permeia as práticas marciais se mostrou elemento bastante frutífero para superação de barreiras que poderiam dificultar a transmissão do Kung Fu no Brasil. Em adição, tratamos o Kung Fu como uma prática em processo, construindo-se assim da mesma forma que o próprio pensamento clássico chinês, sendo necessário para um olhar mais amplo, o significativo exercício de desconstrução de mitos, e do despojamento de elementos culturais consolidados na perspectiva mítica dos quais muitas artes marciais costumeiramente se apropriam.

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