Integra

 No ano de 1995, a Revista de Domingo do Jornal do Brasil já publicava que, "pelas estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil é o 10o país no ranking mundial de pessoas idosas. Projeções mostram que em 2025 chegaremos ao 6o lugar, com aproximadamente 25 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade."(p.26) Em 1998, Alves Junior abordava sobre o envelhecimento da população brasileira e citava o pensamento de Bois (1994) afirmando que,


 "o envelhecimento da população mundial e acrescentamos também a do Brasil, ocorrido no século XX, como também o aumento do número de pessoas consideradas como idosos, bem como da longevidade média, contribuíram por fazer da velhice, mesmo se em todas as épocas existiram velhos, uma novidade para o nosso tempo: não resta qualquer dúvida que a nossa velhice não será a mesma dos nossos pais, avós ou de nossos ancestrais mais longícuos." (Mímeo, p.1)


 Percebe-se que o número de idosos está se tornando cada vez maior, ao mesmo tempo em que a população vem tentando dar novos rumos à velhice, com tratamentos e novos estilos de vida, na tentativa de parecer mais jovens. Deste modo, a maneira de encarar a velhice e os preconceitos que a rodeiam, nos mostram a dificuldade que existe em lidar com esta faixa etária, levando à marginalização de um grupo que vem se tornando cada vez maior.


 Desta maneira, consciente de que sempre existiram problemas em relação à velhice (mais do que fisiológicos são culturais) e que ainda permanecem presentes em nossa sociedade, preocupa-me o fato de que precisamos reverter este quadro de discriminação. Como professora e atuante na área de educação, percebo a importância de lidarmos com tal fato na escola, visto que a população idosa aumenta e nos deparamos com situações do dia a dia, em que o desrespeito e a marginalização quanto a esse grupo etário é nítido e evidente, como por exemplo, o tratamento que é dado aos idosos pela maioria dos motoristas de ônibus, ao abandono em asilos, à imposição de vontades e idéias por parte da família quando um de seus parentes se torna velho e etc.


 A todo momento, torna-se freqüente o encontro entre pessoas de diferentes faixas etárias, fato que não se restringe aos laços familiares, pois é comum encontrar idosos nas ruas, praças, ônibus e outros locais públicos. No entanto, isso não garante a integração entre as mesmas, pois, muitas vezes, a falta de conhecimento sobre o processo de envelhecimento dificulta as relações entre as diferentes gerações.


 Neste contexto, como professora de Educação Física e estudiosa das questões que envolvem a atividade física e a integração social do idoso, desde a época da graduação1, me vi diante de uma turma do ensino supletivo da rede pública estadual do Rio de Janeiro, em que uma grande maioria de indivíduos acima dos 40 anos de idade voltavam e/ou começavam a estudar naquele momento, junto com uma minoria de 14 a 20 anos que estão tentando completar e terminar seus estudos.


 As turmas de C.A à 4a série da Escola Estadual de Ensino Supletivo Cyro Monteiro


 Nas turmas do ensino supletivo, a qual me refiro, encontram-se alunos de várias gerações, onde alguns continuaram seus estudos sem interrupções (com exceção do C.A) e outros que pararam e retornaram à escola. Adolescentes, adultos e idosos, uns que já são mães ou pais e outros que ainda são apenas filhos, uns que sustentam famílias e outros que são sustentados, enfim, uma série de diferenças que são evidentes, fazendo-nos deparar com alunos com perspectivas distintas.


 Nos mais velhos, é visível os rostos marcados pelo sofrimento e a vida dura de uma classe trabalhadora que, muitas vezes, recebe e acata ordens sem questionar. Traços de uma população economicamente desfavorecida que trabalha arduamente e volta a estudar com muito sacrifício e limitações, alegando estar correndo atrás de um prejuízo, vendo nos estudos uma forma de melhorar suas vidas, mais pessoal que financeiramente. Nos mais jovens, também trabalhadores, existe a necessidade de atender às exigências do mercado de trabalho, assim como, o sentimento de obrigação imposto pelos pais e/ou parentes próximos.


 As turmas contém, em média, 50 alunos, porém, desses, somente 30 costumam freqüentar as aulas regularmente. Nas turmas de 4a série, há maior concentração de jovens em relação às outras (C.A à 3a série), mas o contato intergeracional existe em todas as turmas.


 Numa turma de indivíduos de diferentes gerações, onde há um considerável grupo de adultos e idosos, vê-se uma situação de relacionamento entre estes indivíduos em que "o velho aparece aos indivíduos ativos como uma "espécie estranha", na qual eles não se reconhecem", principalmente, pelo fato de que a velhice "inspira uma repugnância biológica; por uma autodefesa, nós a rejeitamos" (Beauvoir, 1990, p.266). Na verdade, repete-se na turma comportamentos próprios da sociedade.
Deste modo, torna-se cada vez mais difícil o relacionamento dos idosos com as pessoas de faixa etária mais jovem, já que são vistos como incapazes, pois perdem seu valor social, principalmente numa sociedade capitalista, que só valoriza a produtividade de alguns, ou seja, considera-se indivíduos participativos e ativos, as pessoas mais jovens.


 A disciplina educação física e a turma de adultos do supletivo


 As práticas pedagógicas presentes da Educação Física no contexto escolar devem estar comprometida com a formação do indivíduo em sociedade e imbuída de novas propostas voltadas para rupturas e superações de atos educativos que ainda predominam e apoiam o sistema social vigente.


 Considerando que toda prática pedagógica encontra-se diretamente relacionada com o momento histórico em que ela está inserida, ou seja, nas normas e valores daquele determinado tempo histórico, a cultura de uma determinada sociedade procura impor as práticas pedagógicas que predominarão no "espaço escolar". Deste modo, a Educação Física enquanto prática pedagógica, também é entendida em diferentes momentos históricos, de acordo com as necessidades sociais concretas daquele tempo histórico.(Coletivo de Autores, 1992)


 Tendo em vista, as mudanças constantes em nossa sociedade, a preocupação com os valores pedagógicos da educação física e o comprometimento com uma melhoria na qualidade de vida dos indivíduos, em sociedade, fazem com que a todo momento práticas pedagógicas sejam repensadas e as propostas renovadoras da educação física sejam cada vez mais fortalecidas no âmbito escolar.
Sendo assim, "a escola na perspectiva de uma pedagogia crítico superadora, deve fazer uma seleção dos conteúdos da Educação Física. Essa seleção e organização de conteúdos exige coerência com o objetivo de promover a leitura da realidade." (Coletivo de Autores, p.63, 1992)


 Tendo a cultura corporal, em suas mais variadas expressões: o jogo; a ginástica; a dança e o esporte, como principal foco pedagógico de uma tendência crítico - superadora, ela possibilitará aos indivíduos uma participação mais crítica e criativa, deixando de serem apenas meros "observadores" da história, para sujeitos participativos e construtores de suas próprias histórias.


 Portanto, temos a cultura corporal como uma área de conhecimento incorporada pela disciplina Educação Física na escola, onde as atividades corporais não serão entendidas como um fim em si mesma, serão vistas de forma não alienada, permitindo ao aluno, através da expressão corporal como linguagem, participar dos processos de produção da cultura corporal.


 Em se tratando dos idosos, o desenvolvimento da expressão corporal, poderá ajudar-lhes a expor suas vontades, permitindo colocar-se perante à sociedade, ganhando a confiança e o respeito da mesma.


 Sendo assim, voltando-se às turmas do C.A à 4a série do ensino supletivo em que adolescentes, adultos e idosos dividem o mesmo espaço, a disciplina Educação Física tem a possibilidade de desempenhar um importante papel na formação destes indivíduos, buscando práticas significativas que contribuem para a melhoria de suas vidas.


 GONÇALVES (1994) concorda que, "a educação física como ato educativo relaciona-se diretamente à corporalidade e ao movimento do ser humano"(p.134), portanto, considerando que através do movimento, o indivíduo estabelece relações com as pessoas e objetos que os cercam, e sendo o corpo a expressão de todos os seus sentimentos, pensamentos e intenções, a questão corpo e movimento, presente na Educação Física, é bastante relevante para a maximização do contato social.


 A atividade física intergeracional nas aulas de educação física do ensino supletivo


 Diante de uma realidade escolar que mostra os conflitos entre gerações, por haver uma dificuldade das pessoas em lidar com este tipo de relacionamento social, devido a forma como encaram a velhice e ao enorme preconceito em relação às práticas físicas, tanto por parte dos mais velhos (da idéia que se tem deles mesmos) quanto dos mais novos (da idéia que se tem dos mais velhos) que julgam serem os idosos incapazes de realizar qualquer tipo de tarefa em que exija um esforço físico maior, vejo-me à frente de um novo e importante desafio, em que há uma urgência em diminuir essas barreiras entre as diferentes gerações. Neste contexto, é necessário possibilitar oportunidades de integração e participação entre indivíduos de diferentes grupos etários, para que se intensifique profundas relações de respeito e amizade que possam ser levadas para fora do espaço escolar, amenizando este quadro de discriminação e marginalização de um grupo etário que aumenta consideravelmente.


 As aulas de Educação Física em escolas de ensino supletivo, possibilitam este trabalho, pois, além da convivência entre indivíduos de gerações mais novas e mais velhas pode ser criado um espaço de participação construtiva em tais instituições escolares onde uma atividade integradora pode ser perfeitamente possível através da atividade física, considerando que esta prática corporal permite a expressão do corpo como linguagem, possibilitando uma comunicação verdadeira. Como acrescenta Dias (1989), ao citar Léa afirmando que "os grupos de relações e amizades na família e fora dela, quando não se impõe uma discriminação de idade, atam laços de profundo afeto, onde a interação se afirma entre pessoas de oito a oitenta anos." (p.128)


 Portanto, a importância da atividade física numa prática integradora é justificada, por possibilitar a convivência entre pessoas de diferentes gerações, visando a sociabilidade, a coletividade e o entendimento das diferenças individuais, além de promover a saúde, favorecendo o bem estar biopsicosocial dos indivíduos.


 A atividade física intergeracional2 deve relacionar corpo e movimento dentro do contexto social, pois, quando compreende-se o corpo como um todo que pensa, sente e age, as alterações advindas do enfraquecimento de suas funções, são entendidas e aceitas, afastando assim os equívocos e preconceitos que rodeiam a velhice.


 Para que se torne viável, as atividades onde há a participação de grupos etários variados, devem estar adequadas às condições morfofisiológicas de cada indivíduo participante, para que haja estímulo, troca de experiências, conhecimento das igualdades e diferenças, buscando sempre torná-las mais proveitosas possíveis, para que sejam usufruídas por todos os grupos de indivíduos, sem exceção.


 Deste modo, a importância deste trabalho, consiste em unir forças de todas as gerações: jovens, adultos e idosos, propiciando um espaço de convivência (dentro do meio escolar) que possibilite trocas de experiências, superação de preconceitos e das barreiras que as separam da vida cotidiana, além de integrá-las, para que engajadas reflitam sobre a situação desumana em que se encontram os idosos nos dias de hoje e viabilizem uma condição melhor de vida para os idosos de amanhã. Assim como, busca na Educação Física, uma atividade criadora e consciente, onde as relações intergeracionais terão que ser tratadas cuidadosamente, para que o efeito não seja só de uma das partes e sim significativo para todos que tiverem envolvidos nela.


 Notas:


 1 Em tal época (1994/1995) participei de projetos de atividade física para idosos, tendo como tema de monografia "Atividade física como instrumento para participação social no processo de envelhecimento."


 2 As atividades físicas podem ser intergeracionais, desde que, haja cuidados com aquelas em que há um contato corporal muito intenso, possível de causar lesões (por exemplo uma luta como o Judô). É importante também, que haja a participação de todos os integrantes na atividade e que possam contribuir para seu sucesso, respeitando as condições morfofisiológicas de cada indivíduo participante.


Obs.
A autora, profa. Bianca Viana Santos Souza leciona no CIEP 386 Guilherme da Silveira Filho, Rio, RJ


 Referências bibliográficas


 Alves Junior, Edmundo de Drummond.(1998). Procurando compreender as transições demográficas. (Mimeo)
Beauvoir, Simone de. A velhice. (M.H.F. Monteiro, trad.) Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1990.
Coletivo de  autores. Metodologia de ensino de educação física. São Paulo: Cortez, 1992.
Dias, José Francisco Silva. Diagnóstico da situação do idoso em Santa Maria (RS) e sua relação com a formação de profissionais pelo Centro de Educação Física e Desporto (CEFD) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Kinesis, 5 (1), 1989, p. 121 - 157.
Gonçalves, Maria Augusta Salin. Sentir, Pensar e Agir - corporeidade e educação. Campinas: Papirus, 1994.
Lucena, Eliana. Legislação e projetos para a 3a idade. Jornal do Brasil, Revista Domingo. Ano 20 no 1.001. 9 de Julho de 1995. p.26.