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Os conflitos de gerações acontecem de várias maneiras: seja quando a avó é desrespeitada pela filha na frente da neta, do qual toma conta (o que pode levar esta criança a ter uma atitude similar com sua mãe no futuro); seja na escola, quando há um reforço negativo em relação as atitudes falhas da criança, associando seu erro aos atos dos idosos (como quando uma criança cai e o professor fala "parece uma velha"); ou mesmo a própria mídia, que ora infantiliza o idoso,ora o transforma num estorvo que se arrasta para atender o telefone do neto que está em outro país, entre outras situações que, se aqui descrevêssemos, daria um relato de muitas páginas. No entanto, nosso interesse por este assunto está em discutir sobre os aspectos da intergeracionalidade dentro do ambiente escolar, que hoje em dia é o meio onde (teoricamente) formamos cidadãos que serão conscientes de seu papel perante a sociedade. Em um meio que privilegia o jovem, o belo e o forte, aqueles que não se enquadram dentro destas características são marginalizados e, dentre estes, o fator idade é determinante. Desta forma, é mister tratarmos sobre este assunto na escola, já que é nela onde encontramos o melhor meio para desmistificarmos para as novas gerações os diversos tabus, mitos e preconceitos com relação à velhice.

Dentro das diversas possibilidades que temos de atuar na escola junto à sociedade, percebemos o envelhecimento como um tema a ser tratado na perspectiva dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN`s) como "tema transversal". Estes têm como critérios de escolha a sua urgência social, sua abrangência nacional e levam em conta a possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental, assim como devem favorecer a compreensão da realidade e a participação social. O PCN, especificamente o que trata sobre temas transversais, versa sobre as várias relações da sociedade, sem no entanto aprofundar-se no envelhecimento e suas conseqüências. Para atingirmos esses critérios e com o intuito de através da educação para a cidadania modificar esta realidade que se mostra desigual com o idoso, devemos trabalhar na escola "...questões sociais (que) sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, buscando um tratamento didático que contemple sua complexidade e sua dinâmica, dando-lhes a mesma importância das áreas convencionais. Com isso o currículo ganha em flexibilidade e abertura, uma vez que os temas podem ser priorizados e contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais e que novos temas sempre podem ser incluídos" (BRASIL, p.25).

Por isso vemos a necessidade deste tema estar presente nos conteúdos, nos planejamentos e inclusive no Projeto Político Pedagógico (PPP), já que o processo de envelhecimento está, na maioria das vezes, associado à improdutividade, inércia, dependência, doença e morte. Ora, sabemos perfeitamente que com os avanços da medicina, além da média de idade ter avançado, a qualidade de vida também melhorou, proporcionando também um período produtivo maior. É claro que isto não se aplica a todos os casos, principalmente as comunidades mais carentes, sem acesso a recursos sanitários e econômicos básicos para uma vida digna. Logo, se faz necessária uma intervenção educacional abrangente por meio dos PPP’s ,que atinjam toda a comunidade escolar, a fim de esclarecer e integrar a sociedade estas pessoas com vasta experiência de vida.

Levando-se em consideração os fatos descritos e o que afirma Moreira (1996, p. 127) em relação a coexistência de várias gerações como sendo um fenômeno absolutamente novo na sociedade brasileira, percebemos que as relações familiares e sociais estão passando por um processo de adaptação a esse novo paradigma social: com as pessoas vivendo mais, surge a necessidade de um novo olhar em relação a valores intrínsecos a esta sociedade para que possam ser respeitadas pelo que são e não pelo que produzem. Veras (1994, p. 40) reforça o nosso entendimento de adaptação da sociedade ao dizer que "a crença convencional é de que a família e a comunidade geralmente aceitam grande parte da responsabilidade por seus membros idosos. Contudo isto está passando por um processo de mudança, à medida em que a sociedade em si altera suas relações e lealdades tradicionais entre gerações."

Entendemos a intergeracionalidade não apenas como sendo o convívio social entre pessoas de diferentes idades, mas sim a relação de convívio harmonioso que visa compreender os limites e as necessidades de cada geração, bem como as diferenças que elas comportam, através do respeito ao indivíduo e não apenas às suas características de idade. Sendo assim, "as trocas geracionais não devem se limitar à família e aos programas e políticas governamentais,..." (VERAS, 1997, p.151), devendo estar presentes em todos os veículos de comunicação, incluindo a escola como local primordial onde a intergeracionalidade, de forma democrática, deve ter seu espaço na discussão de temas polêmicos para que, através dessa instituição, possamos mostrar a realidade dos fatos longe dos padrões que nos são impostos pela mídia.

As relações geracionais são de suma importância para todos os indivíduos pois, sendo o envelhecimento um processo inexorável, devemos encará-lo com naturalidade. Assim, ao entender isto, contribuiremos para sua melhor aceitação, pois não o associaremos a algo negativo, inerente as mudanças fisiológicas; e poderemos evitar sofrimentos de diversas ordens, pois manter o corpo "jovem" é quase impossível sem intervenções externas que acabam por aprisionar e maltratar este corpo e, por que não dizer, a mente.

Qualidade de vida num conceito amplo é o acesso a todas as condições que permitam ao individuo viver com condições dignas, tanto em termos de saúde quanto em aspectos físico-econômicos. Falar em qualidade de vida específica do idoso é reforçar a fragmentação da vida em etapas (infância, pré-adolescência, adolescência, idade adulta e velhice), pois ela deveria estar presente em todas as fases da vida e não ter ênfase apenas em algum momento do processo; o mesmo deveria acontecer com relação aos direitos dos cidadãos que estariam intrínsecos, não sendo necessário assim a existência de estatutos ou leis específicos para a proteção da criança e do idoso, por exemplo. Entendemos que é desta forma que acontece o reforço das diferenças, dos estigmas e dos preconceitos. Como seres humanos que coabitam um mundo de igualdades, que ainda hoje não podem ser vivenciadas na prática, almejamos que o sistema educacional utilize a intergeracionalidade como meio para que possamos ter um mundo mais justo.

Para apontarmos alguns caminhos que possam ser trilhados na escola, que hoje só recebe a comunidade para festas e culminâncias (entendendo esta como o grande final que é dado a datas ou eventos pontuais), deveremos em primeiro lugar discutir com a comunidade que participa desse processo, (funcionários, responsáveis, professores e alunos), a importância desse tema, bem como as formas possíveis de abordagem e as contribuições de cada segmento neste contexto. Pois, pensando como França e Soares (VERAS, 1994, p 162), os programas intergeracionais podem trazer enormes benefícios aos jovens e aos mais velhos, não apenas trocando experiências, mas vivenciando o aprender juntos, através de atividades que sejam de interesse mútuo. Como, por exemplo: palestras, atividades esportivas e teatrais, dança, lutas, entre outras, desde que não sejam realizadas de forma pontual ou que exijam performance, mas sempre tendo como meta principal o estímulo de que a comunidade possa garantir que tais práticas sejam conscientes da importância desse convívio entre gerações, respeitando suas diferenças.

Acreditamos que desta maneira que intergeracionalidade na escola deve visar uma melhora na vida das pessoas, já que proporcionará uma consciência ampla sobre o que é ser cidadão, por isso estaremos contribuindo para uma valorização do ser humano em todos os estágios da vida, incluindo a velhice, melhorando assim a auto-estima e o respeito mútuo, bem como as relações de convívio e o aprendizado que estas podem proporcionar, pois entendemos que só teremos uma sociedade mais justa através destas trocas, considerando as relações sociais como sendo uma característica fundamental do ser humano.

Obs. Os autores, professores Carla Medeiros de Souza (Carmedsou@predialnet.com.br) leciona no municipio do Rio, Benevenuto José Antunes Neto (benesam@uol.com.br) é professor do Estado do Rio de Janeiro, especialista pela UNIVERSO Patricia Cardoso Rodrigues (rodrigues.pc@uol.com.br) leciona no município do Rio, especialista pela UCAM, todos posgraduandos em educação física escolar na UFF.

Referências bibliográficas

  • Alves Junior, Edmundo Drummond. O idoso e a Educação Física Informal em Niterói, dissertação de mestrado, Rio de Janeiro: UFRJ, 1992.
  • Brasil, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais / Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1998.
  • Frutuoso, Dina. A Terceira Idade na Universidade: relacionamento entre gerações no Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Àgora da Ilha, 1999.
  • Guide, Maria L. Mousinho e MOREIRA, Maria Regina de L. Prazeres (org). Rejuvenescer a Velhice: novas dimensões da vida. Brasília: UNB, 2ª Edição, 1996.
  • Veras, Renato P. País Jovem com Cabelos Brancos: a saúde do idoso no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, UERJ 1994.
  • ¬¬¬__________ Renato P (org). Terceira Idade: desafios para o Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Relume Dumará, UnATI/ UERJ, 1997.