A Pesquisa-ação como Estratégia de Formação Continuada em Educação Física
Por Sabrina Poloni Garcia (Autor).
Em VI EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
No ano de 1999 realizou-se um curso de pós-graduação em nível de especialização na área de Educação Física Escolar, promovido pelo Laboratório de Estudos em Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo (LESEF/CEFD/UFES) e destinado a 15 professores de Educação Física, atuantes em escolas públicas e privadas do Estado do Espírito Santo. Esse curso foi organizado a partir dos princípios da pesquisa-ação e da formação continuada, entendida como formação crítico-reflexiva, que privilegia a reflexão sobre a prática. A partir do curso foi realizada a pesquisa "A prática pedagógica em Educação Física: a mudança a partir da pesquisa-ação", dividida em dois momentos, sendo que os dados referentes ao primeiro momento foram divulgados em Congresso Cientifico da Área (XII CONBRACE). Este estudo refere-se ao segundo momento da pesquisa.
Este presente estudo foi realizado após seis meses de conclusão do referido curso e apresentou como objetivos: a) identificar que elementos foram incorporados pelos professores que fizeram o curso, em sua prática pedagógica; b) como os professores reagem, após esse período de curso, diante dos problemas e das dificuldades encontrados em sua prática pedagógica; c) as contribuições da metodologia da pesquisa-ação em um curso de formação continuada.
Metodologia
A metodologia empregada neste estudo, referente ao 2º momento da pesquisa, compreende a análise de depoimentos, de relatórios, análise das monografias de conclusão do curso, e das entrevistas com os professores. Esses dados subsidiaram o entendimento de como se davam as práticas pedagógicas desses profissionais, após o término do curso de pós-graduação e auxiliaram também, a identificar como esses professores, após um período de capacitação, reagem aos problemas e às dificuldades encontrados em suas práticas. Os dados analisados foram sistematizados de acordo com as seguintes categorias: a) elementos incorporados pelos professores a partir do curso de especialização, fundamentais para suas práticas pedagógicas; b) os problemas que ainda persistem na prática pedagógica e que mais dificultam a atuação do professor como profissional reflexivo; c) principais dificuldades encontradas na escola para a mudança da prática pedagógica.
Para que se possa compreender essa pesquisa como um todo, apresentamos a seguir, de forma resumida, a metodologia pesquisa-ação utilizada no 1º momento. Entendemos que a abordagem presente na perspectiva da pesquisa-ação indica um caminho mais efetivo, a forma "interativa reflexiva", como caracterizada por Chantraine-Demailly (1997). Nessa perspectiva, procura-se: a) vincular o conhecimento da realidade, da própria prática, à ação; b) os sujeitos pesquisados, que na pesquisa "tradicional" participam meramente como informantes, aqui atuam também como sujeitos pesquisadores de sua prática.
De acordo com Reale (1995) essa opção metodológica caracteriza-se como uma alternativa à forma como vem sendo desenvolvida a capacitação docente que não estimula a mudança da prática pedagógica, pois os professores se restringem a absorver os conhecimentos transmitidos de forma passiva, sem muitas reflexões e questionamentos.
O curso de especialização ocorrido em 1999, citado anteriormente, compreendeu os/as seguintes momentos/ disciplinas: 1) contextualizando historicamente a prática pedagógica em Educação Física; 2) refletindo e relatando sistematicamente a prática; 3) estudando alternativas para a prática pedagógica; 4) planejando uma nova prática pedagógica; 5) realizando uma nova prática pedagógica; 6) Avaliando os avanços e dificuldades da nova prática pedagógica.
Discussão dos resultados
Os professores-discentes declararam que, a partir do curso de especialização, passaram a detectar com mais facilidade e clareza os problemas que surgem em sua prática pedagógica, a partir de diálogos constantes com ela. Despertaram também para a importância e necessidade de se conquistar perante o corpo administrativo da escola o lugar de educador, obtendo, assim seu reconhecimento; perceberam que falta embasamento teórico por parte dos próprios professores, sendo, portanto, necessário buscá-lo para conduzir suas práticas; amadureceram a idéia de que os problemas não se resolvem facilmente, e observaram que muitos deles não são apenas do professor, pois a política da escola contribui para o surgimento de novos problemas e dificulta a resolução de outros; atribuíram grande importância aos momentos coletivos que tiveram para aprofundar estudos, trocar experiências e dividir angústias vividas na prática pedagógica.
As principais dificuldades encontradas pelos profissionais de Educação Física, observadas na análise dos dados obtidos por meio de entrevista, depoimentos, relatórios e monografias, estão relacionadas à falta de momentos coletivos entre os professores; à dificuldade dos professores de realizarem o planejamento; à escassez de materiais didáticos para serem trabalhados nas aulas de Educação Física; à visão de Educação Física dentro da escola como fator limitante para a questão de distribuição de recursos; à dificuldade de se assumir uma nova postura, mais reflexiva, perante a prática pedagógica; à dificuldade de distribuir os conteúdos por séries; à falta de tempo dos professores para estudar; aos baixos salários desses profissionais; e, ainda, suscitar questionamentos sobre os conteúdos desenvolvidos nas aulas. Nota-se que o professor de Educação Física encontra muita resistência por parte da escola e, até mesmo, por parte dos alunos em aceitarem uma mudança em sua prática pedagógica.
Podemos concluir, em relação aos itens apresentados anteriormente, que a falta de momentos coletivos entre os professores limitam o desenvolvimento das suas aulas e de sua função de educadores dentro da escola. A dificuldade dos professores de realizarem o planejamento e de distribuir os conteúdos por série se justifica pela sua falta de fundamentação teórica e pela indisponibilidade de tempo para estudo, assim como pelo seu envolvimento com projetos festivos da escola. A escassez de materiais didáticos nas aulas de Educação Física dificulta o aprendizado dos conteúdos pelos alunos, porque o desenvolvimento de determinado conteúdo depende, em certos momentos, de uma quadra, bolas, etc.
A visão que a escola tem da Educação Física pode ser fator limitante para a implantação de uma nova prática pedagógica dos professores, pois, em muitos casos, a escola os compreendem como recreadores ou promotores de eventos festivos.
Concebendo uma postura reflexiva do professor perante a prática pedagógica como dificuldade, podemos citar Rezende (1995), segundo o qual a mudança de uma postura pedagógica não depende apenas de novas propostas, mas de todo um contexto sócio-histórico, de valores e princípios que permeiam a mudança da postura. Não se pode desconsiderar ainda, que os baixos salários desmotivam os professores a desenvolverem suas práticas pedagógicas, fazendo com que eles busquem outras formas de atuação profissional.
Quanto à dificuldade de problematizar as aulas de Educação Física, os professores justificam que em certos momentos é difícil levantar questões sobre o conteúdo desenvolvido, aprofundando-se em reflexões mais voltadas para as realidades dos alunos. Esses docentes encontram resistência da escola e dos alunos quando buscam uma prática pedagógica mais compromissada com valores educativos.
Vale ressaltar que as dificuldades encontradas foram as mais diversas e/ou especificas para cada realidade escolar. E o mais interessante é que os professores, apesar de terem superado algumas das dificuldades anteriores, continuam enxergando situações na prática pedagógica que limitam o desenvolvimento das suas aulas e de suas funções como educadores.
Entendemos que a falta de estabilidade empregatícia e a rotatividade dos professores nas escolas são fatores que contribuem negativamente para uma atuação reflexiva dos professores e, consequentemente, para transformação da prática pedagógica, pois prejudicam a relação de confiança, amizade, respeito e apoio que se estabelece entre os diversos profissionais no âmbito escolar, favorecidos pelo tempo de atuação numa mesma escola. Por outro lado, a adaptação/cristalização de determinadas relações também podem contribuir negativamente para a atuação reflexiva dos professores, pois os mesmos se acomodam frente à prática pedagógica, não buscando novos referenciais teóricos, metodologias de ensino, formação continuada, não problematizando os temas das aulas.
Podemos nos valer aqui dos escritos de Huberman (1992), quando o autor caracteriza os ciclos da vida profissional dos professores. A acomodação frente à prática pedagógica pode ocorrer numa fase denominada por Huberman de "desinvestimento", que ocorre em casos de desilusões com os resultados do trabalho, podendo estar presente no meio ou final da carreira.
Considerações finais
Considerando os objetivos estabelecidos no presente estudo, entendemos que os professores discentes indicam uma maior capacidade de perceberem os problemas surgidos na prática pedagógica, dialogando com eles, pois a estratégia da pesquisa-ação, utilizada durante o curso (1º momento), coloca o objeto da pesquisa (professor) como sujeito pesquisador de sua própria prática pedagógica. Os professores, agindo de uma maneira interativo-reflexiva, passam a lidar com os problemas da prática pedagógica de maneira singular, variando com a realidade escolar.
Em termos específicos, pode-se dizer que o que mais se destacou como dificuldade para a mudança da prática pedagógica dos professores-discentes refere-se à dificuldade de construção de ações coletivas dentro da escola. Outro ponto é que a própria escola acaba não assumindo pedagogicamente a disciplina Educação Física enquanto componente do currículo escolar. Os professores pesquisados pretendem continuar seus estudos, mostram maior capacidade de perceberem os problemas surgidos na sua prática pedagógica, valorizam o planejamento e entendem a importância de um projeto político-pedagógico e de maior clareza nos critérios de avaliação escolar. Mas, a visão reducionista de Educação Física presente na escola afeta a todos da comunidade escolar e dificulta o trabalho reflexivo do professor.
Obs. Os autores, Sabrina Poloni Garcia e Ana Flávia Souza Sofiste são estudantes do LESEF/CEFD/UFES e bolsista CNPq/PIBIC e foram orientadas pelo prof. Dr. Valter Bracht
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