Integra

Nunca fui muito boa nas disciplinas das ciências biológicas, quem dirá das exatas. Mas, como tive um grande professor de física no antigo Cursinho da Poli, Marcos José Chiquetto, lembro de ter aprendido algumas coisas importantes. Por exemplo, a potência do som, seja pela intensidade ou pelo volume, é medido em decibéis. O volume de uma conversa normal chega em aproximadamente 60 dB e o ruído de um avião a jato é de 120 dB. Esse tipo de conhecimento prova que mais importante do que aprender para fazer vestibular é poder saber para compreender o mundo.

Pois bem. Gostaria de fazer uma analogia da potência física da voz do atleta com a sua
capacidade simbólica.

Quem já entrou em um estádio ou ginásio em dia de competição sabe bem sobre o que eu falo. A soma dos sons das vozes dos atletas e do público, do apito do juiz, bem como os silêncios em momentos específicos, cria o clima que faz o esporte ser o que é. Não é simples de explicar porque é mágico. Por isso desejo falar de uma outra voz cuja potência não se mede em decibéis.

Historicamente os atletas tiveram a sua condição de cidadãos desvinculada da vida esportiva. Considerados sublimes por serem capazes de realizar gestos incomuns foram alçados a figuras espetaculares. Com isso ganharam projeção, visibilidade, idolatria e em alguns casos também fortuna. Porém, nada disso parecia ser suficiente para que pudessem ter igual importância nas decisões que diziam respeito à organização esportiva ou às questões maiores da sociedade. Tinham corpos, mas não voz.

Alguns subverteram essa ordem e deixaram marcas como párias. Mas, a história não perdoou e exigiu retratação e até reabilitação, como em 1968. Os tempos eram de autoridade inquestionável. E os negócios do esporte não corriam os 100 metros abaixo de 10 segundos. Sim, os tempos são outros. O atleta é também o meio para muitas mensagens, sejam elas comerciais, humanitárias ou sociais. E a imagem vem junto com a voz que já foi calada, diminuída, mas jamais desprezada. Uma voz simbólica.

Nas recentes manifestações contra o racismo, e pela democracia, atletas suaram suas camisas nas manifestações de rua mundo afora. Suas vozes foram ouvidas para além do 60 dB de uma conversa. Amplificadas pela potência de suas imagens públicas sacaram micro e megafones para mostrar não apenas que vidas pretas importam, mas que corpos habilidosos carregam outras habilidades fundamentais nesse momento, vozes que podem ser ouvidas mesmo por quem não fala o mesmo idioma.

E uma vez mais o COI se mostrou atento ao movimento daqueles que foram cunhados como “Modelos ideais”. Preocupado com a mordaça colocada na boca dos atletas por meio de uma norma e, certamente, temendo o prejuízo que isso poderia causar, Thomas Bach adotou uma postura conciliadora e prometeu rever as determinações que impedem manifestações, e puniriam protagonistas do espetáculo esportivo, como a ocorrida nos Jogos Pan-americanos de Lima, no ano passado.

É mais do que tempo de se acostumar com os atletas no papel de porta vozes de causas
sociais, afinal o esporte não é uma redoma isolada do mundo. Em sociedades democráticas o direito à expressão é uma garantia institucional.

Isso significa preparar corações e mentes para os embates decorrentes do diálogo
democrático. Diz outra lei da física que toda ação provoca uma reação, como foi a carta-
resposta de Isabel Salgado, do vôlei, diante de manifestações racistas. Sua fala que mostra que atleta não é como água, insipida, inodora e incolor. E que a neutralidade serve apenas para encobrir diferenças e forjar um tipo específico de liderança.