A preservação da cultura popular nas aulas de Educação Física escolar como agente da aprendizagem
Por Flavia Machado Espinelli (Autor).
Em IV EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
A criança deve ter a oportunidade de brincar na escola, em casa, na rua, em parques, clubes e áreas livres. O espaço é importante mas a criança descobre o prazer brincando com seus próprios "botões". Quando falamos em movimento, a atual geração infantil de apartamentos movimenta mais os dedos no "videogame" ou no sintonizador de TV do que o corpo como um todo.
"Preservar e valorizar o brincar espontâneo é uma maneira de fazermos a nossa história e a nossa cultura. O brincar nunca deixará de ter o seu papel importante na aprendizagem e na terapia, daí a necessidade de não permitirmos suas transformações negativas e estimularmos a permanência e a existência (autêntica e espontânea) da atividade lúdica infantil." (Velasco, 1996)
A criança ao brincar está desenvolvendo vários elementos fundamentais da psicomotricidade, pois brincando as crianças conhecem as partes do seu corpo de forma interessante e criativa, desenvolvendo assim seu esquema corporal. As atividades motoras, como correr, saltar, pular, etc., são facilmente identificadas em diversas brincadeiras populares, onde o aluno estará se desenvolvendo de forma prazeirosa sem apenas repetir movimentos pré-determinados num espaço de tempo.
A educação física escolar deve dar oportunidade a todos os alunos para que desenvolvam seus potências, visando o aprimoramento como ser humano em todos os aspectos: social, cognitivo, psíquico e outros, trabalhando a criança em sua plena formação perante a sociedade.
As situações lúdicas são favoráveis ao processo da aprendizagem, pois solicitam atenção do aluno na execução do exercício de forma satisfatória e agradável. Além do fato da brincadeira popular constituir um momento de interação social bastante significativo, a sociabilidade constitui motivação para que o interesse pela atividade seja mantido.
A questão da preservação da cultura popular na educação física só será possível quando:
• A educação física na busca de sua identidade, se redefina como educação assumindo compromisso com uma prática democrática, que respeite os limites, interesses e anseios do cidadão brasileiro;
• No contexto da educação, a cultura for considerada como base sobre a qual a educação física deva traçar seus objetivos e conteúdos, levando em consideração que o destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo sujeito de sua ação. (Freire, 1983)
A cultura popular vem sofrendo um desgaste e sendo interpretada por alguns professores como algo sem função sendo lembrada apenas nas datas comemorativas, onde o professor precisa montar uma "dancinha" utilizando o folclore como "efeito" sem se utilizar de uma causa, ou seja, vemos apenas o resultado onde não há o processo por inteiro.
A industrialização e a urbanização são processos que encaminham um ao outro. A industrialização oferece à população rural emprego nos grandes centros urbanos, provocando o gradativo êxodo, pois aqueles que deixam a vida rural migrando para a cidade tem uma falsa idéia que desta forma estarão conquistando uma melhor oportunidade de vida. Segundo Ribeiro (1995), "vivemos um dos mais violentos êxodos rurais, tanto mais grave porque nenhuma cidade brasileira estava em condições de receber esse contingente espantoso de população. Sua conseqüência foi a miserabilização da população urbana e uma pressão enorme na competição por empregos". O Brasil consegue adquirir uma fantástica vida urbana, criando um novo modelo de ser de suas metrópoles. A cultura de massa passa a ser o meio mais atrativo para todos
Tendo em vista esses dois processos, as crianças da classe média brasileira substituíram as brincadeiras populares, tais como bolinha de gude, corda, cabra-cega, amarelinha, cantigas de roda e outros componentes da cultura popular, por computadores, videogames e outros eletrônicos.
Na década de 60 havia uma prática diferente das brincadeiras infantis, as ruas eram utilizadas como espaço para o "brincar", com mais freqüência que nos dias atuais, pois essas foram substituídas pelas "falsas" ruas dos condomínios, onde as crianças estão sob a vigia das babás e dos seguranças. Este fato tem se observado nos grandes centros urbanos, como por exemplo o Rio de Janeiro. Segundo Kischimoto (1993),
"Hoje, se o processo de industrialização e urbanização roubou o espaço das brincadeiras infantis, o crescimento das ciências da educação apontam para a importância do jogo, especialmente para a educação e o desenvolvimento da criança".
Para tornar mais eficiente a sua divulgação no ambiente escolar, seria antes desejável garantir o conhecimento e impedir a desvalorização de nossas tradições nacionais. A cultura é a própria história de um povo, sem esses valores poderia se chegar a perda de uma identidade e à consciência dessa realidade, tornando-se indiscutível sua inserção na educação.
O mundo da cultura infantil é vasto e rico em movimentos, jogos e fantasias, geralmente não valorizados pelas instituições de ensino. Até o primeiro ciclo do ensino fundamental pelo menos, a maior especialidade da criança é brincar. Infelizmente a escola não se utiliza dessa prática como conteúdo em suas aulas. "Negar a cultura infantil é, no mínimo, mais uma das cegueiras do sistema escolar" (Freire, 1989)
É preciso que haja uma conscientização dos educadores em desempenhar o importante papel de iniciar a criança numa atividade lúdica, na qual a contradição entre ensino e realidade necessita ser eliminada. Assim, esse estudo pode provocar uma reflexão nos profissionais de Educação Física que lidam com turmas do primeiro ciclo do ensino fundamental no sentido de preservar o espaço lúdico em suas aulas - espaço este tão produtivo para a aprendizagem.
Tendo em vista o processo crescente da globalização, precisamos manter e preservar nossos traços identitários através da utilização e divulgação de elementos da cultura popular nas aulas de Educação Física. Portanto, a preservação da cultura popular como conteúdo escolar é primordial não só para o desenvolvimento holístico do aluno como para o aprimoramento da cidadania e da identidade nacional. "A verdadeira educação é aquela que se faz na cultura" (Didonet, 1983)
Obs. A autora foi orientada neste trabalho por Hugo Lovisolo
Referências Bibliográficas
Freire, João Batista. Educação de corpo inteiro. Rio de Janeiro: Scipione, 1989.
Kischimoto, Tizuko Morchida. Jogos tradicionais infantis. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
Ribeiro, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Círculo do Livro, 1995.
Velasco, Cacilda Gonçalves. Brincar - O despertar psicomotor. Rio de Janeiro: Sprint, 1996