A representação social do lúdico pelo professor de Educação Física do ensino fundamental
Por Patrícia dos Santos Trindade Nascimento (Autor).
Em V EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Percebe-se que ao longo dos últimos 20 anos têm-se tido uma preocupação significativa com relação ao conteúdo da Educação Física escolar. Vários estudos vêm apontando no sentido de ampliar este debate, tendo como uma de suas preocupações a não restrição deste conteúdo aos esportes institucionalizados e a tentativa de vislumbrar outros conhecimentos significativos que possam ser desenvolvidos no âmbito - escolar.
Há mais de cinco anos, venho trabalhando na área de Educação Física, fazendo da atuação no campo do lazer, o meu trabalho e base para reflexão. No início, muito mais que o verificado atualmente, essa atuação foi marcada por uma série de "preconceitos" do próprio meio, que só a prática "diária" e o contato com as crianças foram se encarregando de modificar. O principal deles era o questionamento da validade de desenvolver experiências numa área que sempre foi considerada menor.
Como professora, sempre procurei aliar atuação específica à observação e análise que minha formação acadêmica - na área de Educação Física - permitia. Comecei a sentir necessidade, no entanto, de realizar uma reflexão mais sistematizada sobre os "valores" que cercam as ações de professores de Educação Física, voltados para o desenvolvimento de atividades no campo específico da Ludicidade.
O brincar, principalmente aquele que pode ser desenvolvido como conteúdo da Educação Física, ainda se encontra bastante marginalizado na vida cotidiana da escola. Provavelmente, sua pouca utilização possa estar ligado à idéia de ser percebido como "algo não sério", que não possui potencial educativo e como tal, não deveria ser uma preocupação da escola.
O sentido real, verdadeiro, funcional da educação lúdica estará garantido se o educador estiver preparado para realizá-lo. Nada será feito se ele não tiver um conhecimento sobre os fundamentos essenciais da educação lúdica, condições suficientes para socializar o conhecimento e predisposição para levar isso adiante.
Sabemos hoje que, pelas próprias circunstâncias do mundo "eletrizado" em que vivem as crianças e jovens, não se pode querer orientá-los com significação se não há preparo para isso. Não adianta criticar a televisão e suas programações, sem propor alternativas de superação; não basta criticar a pedagogia dos brinquedos e dos jogos eletrônicos dos computadores se não há um conhecimento profundo desses objetos e das condições para utilizá-los corretamente; não adianta apenas criticar os pais que já não brincam mais com os filhos se não oferecemos conscientização e condições para fazê-los melhorar; da mesma forma, não adianta falar, criticar os problemas das escolas, como evasão repetência, desinteresse, falta de relacionamento, dominação, autoritarismo do sistema, se não apresentamos propostas de mudanças reais e convincentes.
Todos sabemos que os alunos gostam de professores que sabem participar, sabem transformar suas aulas em trabalho - jogo (seriedade e prazer), que sabem desafiar, aproveitar cada momento, cada situação para debater, discutir e proporcionar a aprendizagem significativa. Sabemos também que quando os alunos gostam do professor acabam gostando daquilo que ele ensina e se esforçam cada vez mais para aprender e não decepcionar. Quando uma criança sente que é amada, respeitada pelo professor e pela escola, sua permanência nela se fortalece, e só uma causa muito forte a faz abandoná-la.
Cabe ao professor de educação física, principalmente do ensino fundamental, estar preparado para atuar num contexto lúdico. Devem ser animadores, guias, desafiadores e estimuladores de possibilidades. A criança deve gostar do professor, não apenas porque mantém uma boa convivência com ele, mas porque descobre nele verdadeiras fontes de informação. Para tanto, é preciso ter um bom domínio do conhecimento específico, do contexto, além do gosto e da paixão pelas crianças e pela convivência com elas.
Quando falamos da necessidade de uma transformação do educador, identificamos uma certa peculiaridade formada na observação do jogo da criança de uma nova maneira, valorizando uma atividade que tem sido relativamente desprezada e desprestigiada no universo escolar , talvez, justamente pelo profissional da educação física ter desvalorizado, pessoalmente, a condição de brincar, por não encará-la com a seriedade que merece.
O termo "sério" parece ter assumido apenas a conotação de sisudez, ligada ao procedimento dito maduro, especialmente relacionada ao comportamento do adulto, deixando de ser associado às possibilidades de interação infantil.
Mas, a criança leva muito à sério sua brincadeira, no sentido de que os trabalhos de reflexão e de criação são elementos constantes no ato de brincar. No entanto, com as expressões do cotidiano, com a consideração do jogo contrário ao trabalho, com a visão de que a escola é um espaço de trabalho e que brincar é uma perda de tempo, a criança parece estar perdendo seu espaço de brincar, tanto interna quanto externamente, além de ver entregue a julgamentos de mérito o próprio ato de brincar.
Algumas razões para isto são enunciadas por Carneiro (1990) que atribui, entre outros fatores, ser a brincadeira rotulada e encarada de forma menosprezada, apenas como "passatempo". Por outro lado, a origem latina da palavra jogo (originalmente "ludus, ludere") expressa, em sua evolução, uma idéia de não seriedade.
Apesar das crianças manterem as necessidades motrizes relativas às diferentes faixas etárias e demonstrarem os corpos vivos e ativos, ignorando as coisas ditas "sérias" da vida, estão cada vez mais cedo, introduzidas numa perspectiva de sublimação da expressão lúdica, em prol de utilidades e finalidades pré - estabelecidas, que não a do brincar, levado por muitas delas à sério.
Passos (1995) elucida-nos na compreensão das atividades lúdicas como sendo um conjunto de elementos em constante transformações, que cria espaço de jogo entre o real e o imaginário conforme a cultura, história e as condições objetivas em que o indivíduo e o grupo se inserem.
Refletindo sobre a prática por parte do professor de educação física, enquanto atividade de caráter valoroso ou não, a estudiosa Gisele Maria Shuwartz (1998), também se pergunta sobre os possíveis motivos para esta ocorrência.
Ela destaca que há uma dificuldade dos professores em reconhecerem o papel que a brincadeira e a expressão lúdica podem representar para o desenvolvimento infantil. Esta dificuldade pode estar ligada à falta de conhecimento deste campo de estudo; à desatualização do profissional com relação às questões referentes ao ato de brincar da criança ou a perda de interesse do professor em enfatizar o lúdico essencial contido nas brincadeiras, visto que o mesmo também pode ter aprendido a secundarizar as suas emoções, seus prazeres, seus desejos, não enfatizando o lado lúdico de sua própria vida.
Para tanto, este projeto de dissertação do Mestrado da UGF, que ainda não foi testado à nível piloto, considera que tais relevâncias discutidas possuem uma conotação ainda não esclarecida sobre a questão: A Educação Física possui ou não uma conotação "não séria" para professor de educação física?
Discutir alguns elementos para uma "pedagogia da animação", alternativa educacional que considere as relações entre o lazer (lúdico), o professor de educação física e o processo educativo, é o objetivo deste estudo.
Diante deste objetivo questiona - se: Qual a representação do lúdico pelo professor de educação física?
Percebe-se claramente que há uma restrição do lúdico na escola, isto é, uma falta de conhecimento e compreensão do seu verdadeiro sentido para as crianças, os professores e demais atores envolvidos no processo educacional.
"A educação lúdica integra uma teoria profunda e uma prática atuante. Seus objetivos, além de explicar as relações múltiplas do ser humano em seu contexto histórico, social, cultural, psicológico, enfatizam a libertação das relações pessoais passivas, técnicas para as relações reflexivas, criadoras, inteligentes, socializadoras, fazendo o ato de educar um compromisso consciente intencional, de esforço, sem perder o caráter de prazer, de satisfação individual e modificador da sociedade". (ALMEIDA, 1998, p.31-32)
Este estudo será realizado dentro de uma abordagem qualitativa, baseado no autor Celso Pereira Sá (1996), na linha das Representações Sociais. Buscará respostas as suas questões através de observações em aulas de Educação Física, por acreditar que conseguimos através do contato direto do pesquisador com o fenômeno estudado, observá-lo com profundidade captando as ações dos informantes no seu meio natural.
Realizarei entrevistas semi - estruturadas com professores de educação física (de geografia ainda não definidos). Optei por este tipo de técnica, visto que possibilita a realização de um roteiro para que as informações sejam coletadas, oferecendo ao entrevistador a liberdade de orientar a mesma num tom informal, explorando, aprofundando e elucidando as questões que achar mais conveniente.
Para a interpretação dos dados, utilizarei a teoria da análise de discurso.
Algumas considerações finais acerca do tema nos faz compreender a necessidade de se recuperar o verdadeiro sentido da palavra "escola": lugar de alegria, prazer intelectual, satisfação; é preciso também repensar a formação do professor, para que reflitam cada vez mais sobre a sua atuação e adquiram cada vez mais competência, não só em busca do conhecimento teórico, mas numa prática que se alimentará do desejo de aprender cada vez mais para poder transformar.
Num primeiro momento organizei um piloto, com algumas perguntas, que futuramente utilizarei na entrevista semi - estruturada.
Entrevistada : Professora de educação física Lana Virginia Carneiro Peres
O que é o Lúdico para você ?
R: Lúdico é aquilo que é prazeroso. São atividades que realizo com satisfação, de forma livre e sem pressão, longe da obrigatoriedade e relacionada a alegria.
Como você trabalho o Lúdico no ensino fundamental ?
R: Através do jogo, utilizando também o interesse dos alunos para realizar atividades que eles gostem e sintam satisfação em fazer. E permitindo também que os alunos expressem seus interesses e sempre que possível, utilizar esses interesses transformando-os em conteúdo da aula para que dessa forma possamos conduzir as atividades de maneira mais prazerosa possível.
Obs.
A autora, profa. Patrícia dos Santos Trindade Nascimento é mestranda na U.G.F.
Referências bibliográficas
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