Resumo

O objetivo deste estudo, no quadro teórico-metodológico das representações sociais, na linha européia dessa abordagem, é descrever a significação das representações nucleares e periféricas associadas à mulher brasileira nas atividades físico-desportivas a partir de 1870, época que se caracteriza pela tendência a excluí-la dessas atividades, até 1950, quando se verifica um processo generalizado de democratização de seu acesso ao campo esportivo, que culmina com a primeira Olimpíada Feminina, ocorrida no Rio de Janeiro. Lançando mão de várias abordagens metodológicas, o estudo consiera: a) depoimentos de intelectuais brasileiros médicos, juristas e educadores envolvidos com a temática mulher e esporte, no último quarto do século passado e primeiro deste século (Nísia Floresta, João da Mata Machado, Rui Barbosa, Fernando de Azevedo, Orlando Rangel Sobrinho e Afrânio Peixoto); b) técnicas de entrevista semi-estruturada com informantes de elite, que se constituem em ícones do processo de emancipação da mulher brasileira no/através do esporte: (Maria Lenk, Yara Vaz, Aída dos Santos e Roselee Viana Ribeiro); e c) documentos da mídia, sobretudo a respeito dos Jogos da Primavera, Olimpíada Feminina organizada pelo Jornal dos Sports de 1949 a 1972. Os diferentes materiais são analisados e interpretados com suporte nos pressupostos teóricos da análise do conteúdo e do discurso, levando em conta algumas categorias fundantes da teoria das representações sociais, sobretudo das formulações de Abric e de Sá, relacionadas aos sistemas nuclear e periférico das representações. Os resultados indicam algumas mudanças expressivas no processo de emancipação da mulher no esporte, associadas ao sistema periférico. As evidências apontam para liberação crescente da prática esportiva feminina: maior mobilidade da mulher no campo esportivo, diminuição das restrições à prática de modalidades esportivas consideradas masculinas, diminuição do controle da família e do contexto micro-social sobre a escolha esportiva. Por outro lado, resistem mais firmemente as representações sociais nucleares: o espaço esportivo continua sendo concebido como típico do homem, que domina a cena esportiva em termos de cargos, honrarias, prestígio na mídia, patrocínio e retorno financeiro. Conclui´se que o processo de emancipação da mulher brasileira na prática do esporte, encorajado por algumas mulheres-ícones, vem se dando de modo não confrontativo, configurando um mecanismo de ocupação de espaço de forma não violenta, com estratégias eficazes em termos de prática, e menos eficazes em termos das representações. Comprova-se que as mulheres esportistas continuam a arcar com o ônus das avaliações negativas e restritivas, associadas à troca do espaço privado pelo espaço público no esporte. A tese fornece evidência positiva para a hipótese de que as representações e as práticas associadas a um mesmo campo simbólico, embora dinamicamente diferentes, engrendram-se reciprocamente.

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