Resumo

A partir de uma pesquisa participante em dois grupos de capoeira angola de Salvador, investiga-se de que modo é (re)produzida e transmitida a prática tradicional e ritual, herança das matrizes culturais africanas e afro-brasileiras, em coletivos que se caracterizam, na contemporaneidade, pela heterogeneidade de seus membros. O enfoque recai sobre o percurso de aprendizagem, no intuito de evidenciar os processos de incorporação de disposições corporais e perceptivas no âmbito de uma vivência coletiva. Em seguida, atenta-se à vertente emocional da formação do capoeirista no sentido de trazer à tona a construção dos valores éticos e estéticos – o ethos – do universo da capoeira angola e reflete-se sobre os modos de negociação e de re-significação desses valores no contexto atual. Por fim, a observação concentra-se na encenação da roda de capoeira, cuja análise permite vincular os critérios de excelência dos fazeres corporais, musicais e dos comportamentos com a estrutura hierárquica dos grupos. A análise é orientada pelo eixo teórico-metodológico da teoria da ação prática do sociólogo Pierre Bourdieu, sendo assim compreendida a aquisição das competências e dos critérios de julgamento dos capoeiristas em termos de habitus, isto é, de incorporação de disposições historicamente constituídas, confrontadas no campo dialético das disputas em torno da legitimidade. Conclui-se esboçando uma esquematização dos princípios práticos que regem a capoeira angola, cuja plasticidade tem possibilitado a re-significação dos fazeres e dos valores na atualidade. Nessa perspectiva, o estudo aponta para a importância da inserção de novos atores e, mais particularmente, da recente participação feminina nesse universo “tradicional”, no sentido de revitalizar as representações místicas associadas à matriz africana – a mandinga – em detrimento do ethos das práticas da malandragem, legado histórico da capoeira de outrora.
 

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