Integra

Ao se tentar fazer um levantamento histórico da educação física escolar brasileira, deve-se observar o contexto histórico em que está inserida na sociedade da época. Pois, através da pesquisa dos paradigmas vigentes, dos valores, do modo de vida das pessoas, é que pode-se chegar a um painel mais próximo do real vivido.

De posse do material pesquisado sobre os aspectos relevantes sócio-políticos e econômicos das diferentes épocas, é possível analisar e chegar as hipóteses dos prováveis caminhos seguidos pela área educacional e mais especificamente, pela educação física.
As diversas concepções de educação física podem ser percebidas e relacionadas aos contextos históricos nos quais emergirão, se solidificaram e declinaram. É importante salientar que todo este processo tem como sujeitos prioritários para as mudanças, os profissionais e professores da área de educação física e desportos.

Num primeiro momento, pode-se constatar que a educação física brasileira tem marcante influência da área de saúde, cujo os pressupostos liberais e positivistas conduzem de modo a privilegiar e promover saúde e criar homens com grande capacidade física; fazendo, assim, uma seleção através de atributos físicos. Na década de 20 emerge do meio militar uma educação física disciplinadora de corpos, cujo enfoque é da eugenização da raça. Ao fim da segunda Grande Guerra ocorre a psicologização, calcada no escolanovismo que prioriza a integração do indivíduo ao seu contexto social, político e cultural.

Mais tarde surgem novas tendências pedagógicas de cunho progressistas que percebem e evidenciam os aspectos sócio-políticos da educação e da educação física; das quais encontra-se incluída a tendência crítico-social dos conteúdos abordada neste trabalho.

Desenvolvimento

Nos anos oitenta e noventa pode-se observar uma preocupação com uma educação que tenha pressupostos para uma reflexão crítica; percebe-se a necessidade de compreendê-la de maneira não-alienada dos aspectos sociais.

Neste período da história brasileira há um vislumbre da democratização do Estado, com eleições diretas para os governantes e a formulação de uma nova Constituição Federal. Conclui-se que a educação deve ter como característica primordial o questionamento da sociedade em que ela está inserida; esta mesma sociedade que a própria educação reproduz.

Autores da época evidenciam que o papel, até então, desempenhado pela escola, seria o de reprodução de uma sociedade de classes, com o reforço do modo de produção capitalista; tais idéias são advindas da influência dos conceitos de Marx.

Como a tendência crítico-social dos conteúdos parte da análise reflexiva e crítica do contexto sócio-cultural, ela vem com uma crítica ao sistema de produção vigente na sociedade e, portanto, encontra resistência por parte da classe dominante.

Cada diferente tendência pedagógica percebe o aluno, o mundo, a sociedade, o professor e os diversos aspectos educacionais de maneira diferenciada; a tendência progressista que é objeto de estudo deste trabalho possui enfoques específicos a respeito do mundo, da sociedade, da escola, do processo ensino-aprendizagem, dos sujeitos e componentes que integram e participam de todo este processo. Pode-se fazer uma síntese destas concepções segundo o enfoque da tendência crítico-social dos conteúdos:

  • Papel da escola: Possibilitar a apropriação de conteúdos escolares básicos, concretos e indissociáveis das realidades sociais dos alunos.
  • Aluno: Pessoa concreta que determina e é determinada pelo social, político e individual (sua própria história).
  • Mundo: O homem está situado no mundo e com o mundo, pela reflexão e práxis pode transformá-lo.
  • Sociedade: Produto do homem de maneira criadora e transformista; deve ser desmistificada para que promova a conscientização da realidade.
  • Professor: É um intelectual, é o educador que direciona e conduz o processo ensino-aprendizagem.
  • Conteúdo programático: Selecionados a partir das culturas dominantes; intenciona possibilitar a superação através da apropriação.
  • Metodologia: Utilização de métodos que favoreçam a relação dos conteúdos com os interesses dos alunos.
  • Avaliação: Preocupação com a superação do senso-comum para obtenção da consciência crítica.

Existem alguns pontos de extrema relevância levantados pela tendência pedagógica crítico-social dos conteúdos que diz respeito primeiro à concepção que se faz do profissional de educação física, que deve ser reconhecido como um intelectual. Acredita-se que todo homem é intelectual, pois qualquer trabalho, mesmo que eminentemente físico, necessita a priori das estruturas do pensamento para executá-la. Ou seja, o professor de educação física, entendido como um intelectual vinculado ao seu grupo social tem a função de conscientizar os alunos da importância da relação do movimento humano com determinada cultura. Sendo que o movimento humano deve ser sempre compreendido e estudado de modo a estar vinculado com o movimento social.

Outro ponto abordado por esta tendência é a especulação à respeito dos diferentes conceitos de cultura. Tal conceito poderia ter perspectivas diferenciadas: universitária, que seria conhecido como a cultura erudita brasileira; criadora extra-universitária, que seria a produzida descontinuamente pelos artistas em geral e é entremeada com a psicologia popular; de massas, que está ligada à indústria cultural; e popular, que se estabelece no cotidiano da população de forma generalizada. Todos estes diferentes conceitos de cultura encontram-se, maneira contextualizada, interrelacionados. As classes populares devem apropriar-se democraticamente da cultura erudita e do conhecimento sistematizado, a partir destes tornarem-se sujeitos de sua própria história e encontrarem caminhos para a transformação da realidade encontrada.

As aulas de educação física desenvolvem a idéia de perceber e entender o conteúdo da aula, no caso, os desportos, as danças, os jogos e as diversas práticas de educação física estabelecendo relações com seus contextos históricos, com o momento social e político vivenciado, com a comparação e reformulação das sua regras. Sempre com o intuito de se fazer uma reflexão crítica dos conteúdos estudados e possibilitar a transformação e reestruturação de aspectos e valores determinantes da sociedade.

Exemplificando, uma aula de educação física segundo a tendência crítico-social dos conteúdos a poderia utilizar os jogos e brincadeiras de rua como, "soltar pipa" e fazer um levantamento histórico da época e local de origem desta brincadeira, do surgimento deste jogo no Brasil e de como são as regras e suas adequações regionais.

Conclusão

A tendência pedagógica crítico-social dos conteúdos teve como objetivo propiciar ao alunado conscientização, emancipação e participação efetiva no processo ensino-aprendizagem. Para tanto o pensamento racional dedutivo que parte do todo, da visão global, para as partes, era utilizado, oportunizando a observação dos diferentes e mais abrangentes aspectos da questão estudada.

O pensamento divergente foi muito utilizado pois buscava a raiz, o âmago dos questionamentos para poder detectar o problema e sua origem. E, a utilização do conhecimento e análise da realidade e vivências do aluno para a solução de problemas era um dos pressupostos desta tendência. Assim como a valorização e o incentivo à busca de soluções próprias e criativas para as problematizações e situações conhecidas e vivenciadas pelos alunos.

A inteligência está vinculada a criatividade, e busca a promoção da evolução do aluno através da aquisição do saber legitimado e sistematizado relacionando-o com a bagagem de vivências trazidas pelo aluno. Na educação física, inclusive, os conteúdos eram priorizados, porém sempre observando relações entre eles e a própria cultura popular do aluno. Tal concepção promove um processo de aprendizagem mais conscientizador, não-alienante e participativo pois permite ao aluno a argumentação e a estruturação do pensamento relacionando o real encontrado com o ideal imaginado.

Obs. A autora, professora Rosângela de Sena Almeida, é das redes públicas estadual/municipal do Rio de Janeiro.

Referências bibliográficas

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