Integra

  • É difícil esperar a necessária transformação quando o próprio Estado mantém mecanismos que imobilizam as instituições
  • Urge um projeto nacional que articule todos os níveis da educação dentro de uma concepção contemporânea de ensinar e aprender

debate suscitado pelo professor Luiz Cláudio Costa em artigo publicado nesta Folha na segunda-feira (24) —"A universidade como a conhecemos vai acabar (e isso é uma boa notícia)"— toca em um ponto crucial: o modelo universitário brasileiro, excessivamente conservador, já não responde às demandas contemporâneas e vai acabar. Sua análise é precisa e ajuda a iluminar a necessidade de repensar o ensino superior no país (e isso é uma boa notícia).

Há, no entanto, um aspecto que merece ser enfatizado: as mesmas estruturas que regulam e avaliam o sistema —MEC, CNE, Inep, Capes e outras— continuam operando como uma verdadeira "camisa de força", limitando a inovação, a autonomia institucional e o planejamento de longo prazo. É difícil esperar transformação quando o próprio Estado mantém mecanismos que imobilizam as instituições.

Interior da Biblioteca Central da USP com rampas em vários níveis conectando os andares. Pessoas sentadas no piso térreo conversam e estudam em grupos. Estrutura de concreto aparente e teto com iluminação linear.

Prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo (FAU-USP) - Allison Sales/Folhapress

Avançar exige mais do que reconhecer o problema. É indispensável que a educação deixe de ser política de governo e se torne política de Estado, cumprindo, enfim, o que a Constituição de 1988 prevê: autonomia universitária plena. Mas essa agenda só terá impacto se vier acompanhada de uma reforma educacional efetivamente disruptiva, capaz de romper com décadas de remendos que já demonstraram seu fracasso.

O país precisa de coragem institucional para abandonar modelos que apenas reproduzem ineficiências e para construir, desde a educação básica, uma cultura de inovação, ética e produção de conhecimento —do início ao fim da trajetória formativa.

Essa transformação demanda um projeto nacional coerente que articule educação básica, ensino médio e ensino superior dentro de uma concepção contemporânea de ensinar e aprender. Essa integração, evidente nos países que avançaram, ainda não existe na maioria das instituições brasileiras.

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A falta de coerência sistêmica aparece em decisões como a recente destinação de R$ 108 milhões a cursinhos populares. Embora bem-intencionada, a medida reforça o fracasso do ensino médio. Em um sistema educacional sólido, cursinhos seriam desnecessários; o investimento deveria fortalecer a escola pública, não paliativos que perpetuam desigualdades.

O diagnóstico está colocado. O desafio, agora, é transformar discurso em ação. O governo anterior não tinha sequer compreensão da profundidade do problema; o atual conta com mentes lúcidas de profissionais experientes e qualificados para promover mudanças estruturais. Resta saber quando essa agenda finalmente avançará.

Experiências relativamente recentes com fundamentação educacional —e amplamente exitosas— de países como China Coreia do Sul mostram que é possível conciliar qualidade, planejamento estatal, sustentabilidade e inovação educacional, alcançando inclusive a tão proclamada "celeridade" (termo frequente no discurso político e tão raro na prática) na reforma da educação. Não precisamos reinventar nada: basta adaptar, com seriedade, modelos que comprovadamente funcionam, sobretudo porque contamos com um corpo de professores, cientistas e educadores plenamente capacitado para liderar essa transformação.

São considerações que julgo necessárias para que o debate sobre o ensino superior avance com seriedade e compromisso com o futuro —se "a universidade como a conhecemos vai acabar", que isso seja, de fato, "uma boa notícia"—, mas somente se tivermos a coragem de fazer a reforma que nunca fizemos.

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