A vaca subiu no telhado

As discussões sobre gênero ganharam merecidamente importância e estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas, devido a sua relevância na nossa cultura, embora casos de violência e mortes ainda persistam com números assustadores, no Brasil.

Entretanto o preconceito não envolve apenas o mundo dos humanos, mas também o dos animais, ou pelos menos na interpretação dos humanos.

Vejamos o caso da galinha e do galo. Ele altivo, protetor, guerreiro, símbolo de altivez e até de países, e ela como adepta de vida sexual excessivamente libidinosa e com parceiros variados.  Isso na sociedade patriarcal e moralista em que vivemos soa como xingamento.

O mesmo acontece com o boi e a vaca. Eles decantados em versos e lendas e elas que já foram símbolos de riqueza, mas hoje são adjetivadas como erradas, gordas, magras, carnes, simbolizando mulheres desavergonhadas, também xingamentos vociferados por homens e mulheres.

São conhecidas as interpretações do boi em várias regiões do país, sempre de uma perspectiva elogiosa.  Boi voador, popularizado no país pela música de Chico Buarque, tendo como pano de fundo a Recife Holandesa, e a lenda pretensamente propalada por Maurício de Nassau que uma ponte construída por ele não cairia: seria mais fácil o boi voar do que a ponte cair. E tem o boi bumbá, o bumba meu boi, o boi falô, o Garantido e o Caprichoso que têm até Festival em Garanhuns.

A vaca coitada só foi para o brejo, expressão popular significando que algo deu errado, tendo por origem talvez o fato de ela procurar capim fresco e sem perceber se aproximar do brejo, afundando na lama

Mas agora a vaca resolveu subir no telhado ficar por cima, ter vista panorâmica quem sabe para enxergar as coisas de uma perspectiva geral e mais acurada.

Foi numa casa de uma cidade do interior de São Paulo, e dona do local descreveu a cena como inusitada e assustadora. Disse ela que foi tudo muito rápido e desesperador, por temer pela sorte do animal.  A casa fica numa subida, e a do vizinho de trás em rua bem mais baixa. A vaca entrou pela casa do vizinho e subiu com facilidade para o telhado da lavanderia do imóvel mais alto.  Apesar de algumas telhas quebradas, os moradores respiraram aliviados quando os vizinhos retiraram a vaca do local sã e salva.

Algo semelhante ocorreu também uma vez em município de Santa Catarina. O “voo” da vaca ocorreu em circunstâncias semelhantes, e depois de sedado o animal foi retirado em segurança pelos bombeiros.

As vacas só subiram nos telhados. As más notícias que geralmente são dadas aos poucos, procurando suavizá-las (subiu no telhado, escorregou, caiu e morreu), como nos casos dos gatos e dos papagaios das anedotas famosas, não foram registradas para as vacas, que saíram ilesas. Para quem defende a perspectiva das mulheres saber que as vacas não foram mais pro brejo, já é alguma coisa ...

Lembro da vaca profana de Caetano, dona de divinas tetas pondo seus cornos para fora e acima da manada.

Que a vaca no telhado desafiando a física, sirva para mostrar de um modo jocoso, que o preconceito de gênero não tem nada a ver, e que mulheres identificadas usando o nome da vaca, da galinha, e de outros animais, pejorativamente, são coisas totalmente fora de propósito, e violências, ainda que veladas.

Parte do Livro BALAIO- grandes temas em pequenos escritos.Editora Mercado de Letras. A ser lançado no ENAREL, em novembro de 2025, Em Curitiba-PR