Integra
Efetivamente a humanidade não cansa de me surpreender. E como superei os binarismos não adjetivarei essa minha observação porque a complexidade é bem mais complexa do que seu nome pode sugerir. Ou, como diria a teoria dos lados do Menino Maluquinho, todo lado tem muito mais do que dois lados.
Acrescento à essa observação a afirmação do meu desinteresse por filmes de ficção, muito embora tenha assistido a alguns deles anos atrás. Lembro com que descrédito assisti ao filme 2012, uma ficção sobre hecatombe e cataclismos que levava à destruição do planeta. Apesar da destruição sem precedentes de bens materiais o ponto alto do filme versava sobre os sobreviventes do planeta.
O primeiro fato a se destacar diz respeito às pessoas que tinham acesso à informação de que o fim estava próximo. E, do outro lado, a manipulação da informação para que a maioria das pessoas não soubesse o que estava acontecendo. Alguma proximidade com fatos recentes?
Mas, minhas analogias não param aí. Os privilegiados informados, políticos ou endinheirados, não apenas sabiam o que acontecia como compraram os poucos lugares em barcos/naves que sobreviveriam ao desastre. A plebe vil e ignara, como de hábito, sucumbiria aos tremores de terra e ao avanço das águas que chegaria a cobrir o Himalaia. As semelhanças persistem com os fatos atuais.
Sem querer querendo dar spoiler, ao final o sol iria brilhar para os bem-aventurados pagantes daquele transporte mítico que propiciaria o recomeço de uma nova civilização, provavelmente no continente africano.
O filme já meio perdido na década de 1990 me parece super atual para falar sobre a corrida pela vacina. A panaceia que conterá o vírus que alterou o curso do planeta fez também a humanidade mostrar suas garras e dentes carcomidos pela sujeira e tártaro do liberalismo contemporâneo.
No princípio do distanciamento a rede de solidariedade mínima mostrou a necessidade de compartilharmos bens materiais e apoio afetivo. Das sacadas dos apartamentos e das janelas de muitas casas não faltou o grito diário “fora Bolsonaro”, vozes cantantes que enchiam a alma, projeções em prédios com mais “fora Bolsonaro”, cuidados e recolhimento. O tempo passou. A gripezinha permanece matando mais de mil por dia e já levou para os cemitérios mais de 230 mil pessoas só no Brasil. A vacina negada como efetiva na imunização passou a ser desejada tanto quanto a vaga no barco/nave do filme 2012.
E é nesse momento que avaliamos o limite da civilidade. Deveria ser inquestionável que todas as pessoas envolvidas no cuidado dos doentes de covid-19 tivessem a prioridade na fila da imunização. No entanto, a falta de respeito e o egoísmo levam muitos a praticar a conhecida modalidade “carteirada”. A justificativa para furar a fila da vida varia do clássico “você sabe com quem está falando” ao “minha função é a mais importante do que a sua”. E assim são vacinados médicos e enfermeiros dos hospitais, merecidamente. Entretanto, pessoal de limpeza, recepção e administrativo, mesmo dentro do mesmo edifício, são privados desse cuidado.
Não paro de me perguntar “quens” fizeram essa lista e porque continuam a olhar de forma tão míope para o sistema como um todo.
Com paciência divina espero pela minha vez na fila, que sei que em breve chegará. Sou essencial para a Universidade, mas há pessoas mais essenciais que eu para a sociedade. Por isso, acredito que profissionais do esporte, embora sejam importantes para manter a maquina do entretenimento girando, devem dar a sua vez para quem ainda salva vidas.