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A existência é mesmo uma grande aventura. Começa cercada de expectativa por parte daqueles a quem chamaremos de família. Nome, gostos, profissão começam a ser sonhados a partir do momento em que a notícia da gravidez é anunciada. Chega então o momento do parto e dali em diante se inicia a contagem regressiva rumo à única certeza da vida. Mortais que somos, por mais façanhas que sejamos capazes de realizar, o fim será a certeza maior.

Entre os dois extremos da existência há um espaço infinito de possibilidades que pode ser preenchido com mais ou menos aventuras ao longo das fases do desenvolvimento. Engatinhar e andar sobre as próprias pernas é talvez a grande proeza da infância, mas o risco da existência só aumenta com o passar do tempo. Por isso diariamente somos tentados a encontrar respostas para os desafios que surgem, sejam eles de ordem cognitiva, emocional e mesmo física.

O que custa a acreditar é que esse roteiro, naturalmente escrito, seja subvertido por uma morte súbita, em plena juventude. 

Essa semana que passou quis o destino que Emerson Guimarães Viana Junior, aos 16 anos, tivesse sua trajetória interrompida em uma rua de São Sebastião do Paraíso, no sul de Minas Gerais. E ele é tema dessa coluna porque morreu ao cair de um skate, sua paixão e sonho de futuro. Teve sua última manobra gravada em vídeo por um amigo que o acompanhava. Dividia o seu tempo entre as manobras na praça e ruas de sua cidade com o teclado do computador na tarefa de transformar áudios de reuniões e entrevistas em textos, o labor e ganha pão da família.

O skate, objeto dessa tragédia, como prática esportiva e de lazer remete a um estilo de vida. Vibra pela liberdade de ser experimentado em espaços públicos. Soma o desafio do enfrentamento da lei da gravidade com o desprezo às rígidas regras de modalidades inventadas para satisfazer a necessidade dos espaços fechados. Parece puro prazer. Porém, a minimização dos riscos pode causar acidentes, como o ocorrido.

A morte de Júnior seria mais uma fatalidade não fosse a atitude da mãe, Rachel, de transformar sua dor em um ato de generosidade com outras famílias. Imediatamente após o enterro, procurou ajuda buscando tornar aquele acidente um alerta. Junior se foi, mas seus amigos e outros jovens podem viver mais do que ele.

A partir do pedido de ajuda começou a se formar uma rede que envolveu o jornalista Tiago Brant, expert nos esportes de aventura, que levou a demanda ao multicampeão Sandro Dias, o Mineirinho, o “Rei dos 560°”, Hexacampeão mundial pela World Cup Skateboarding e medalha de ouro nos X Games . Com a generosidade e humildade comum ao gênios demasiadamente humanos mandou um recado sobre a necessidade de uso de equipamentos de segurança que, naquele caso poderiam ter evitado a morte. Esse vídeo agora circula pelas redes sociais.

Sei que cenas como essa tocam as pessoas mais sensíveis. Entretanto, o que de fato chamou a minha atenção foi a potência que o esporte é. Compreendido como linguagem universal ele promove a aproximação, o encontro e o entendimento entre pessoas. Se o atleta, razão de ser do esporte, é visto como inatingível quando realiza ações divinas durante a competição, ele se torna ainda mais idolatrado quando empresta sua imagem, de forma solidária a uma causa que toca uma comunidade, aconselhando outros atletas e acalentando a dor da perda de uma mãe. Nada mais divino.

Desse episódio ficam duas mensagens: que a vida é uma fina linha que se rompe facilmente. E que a imagem de atletas transcende sua habilidade motora. Ao se aproximar das questões da sociedade, emprestando a potência de sua imagem a outras causas, eles se materializam no mito do herói.