Integra

 • Interdisciplinaridade, valorização da educação física escolar


 A escola, de uma forma geral, ainda atua de forma multidisciplinar e a busca de abordagens interdisciplinares ainda está presente no discurso pedagógico, porém, na maioria das vezes, afastado da prática, embora aconteçam tentativas isoladas de sua consolidação.
"Reconheçamos, a escola não ensina senão uma parte extremamente restrita de tudo o que constitui a experiência coletiva, a cultura viva de uma comunidade humana". (Forquin, 1993, p.15)
 As disciplinas escolares são estudadas, permitindo que o aluno relacione estas partes com o todo, o que dificulta sua compreensão e consciência de como utilizar os conteúdos na vida prática. É importante o aprendizado das partes, mas é fundamental a noção do todo, a associação e articulação de idéias, o significado e utilização do que foi aprendido.


 Mendes (1994, p.63), ressalta a importância da conscientização entendida como a [...] " consciência ativa, explícita, crítica e projetiva quanto aos fenômenos referidos, acompanhada pela percepção articulada destes numa totalidade concreta e histórica ".
Apesar da escola privilegiar o aprendizado cognitivo em disciplinas específicas estas, de modo geral, não se interrelacionam. O problema parece mais agudo com a disciplina que trata do " corpo " e, historicamente, a Educação Física escolar sofre de uma desvalorização em relação às demais disciplinas, sendo mais difícil a troca de experiências. Segundo Marcelino (1987), uma das funções atribuídas à Educação Física é a " utilitarista " e quando se discute abordagens interdisciplinares pensa-se logo na Educação Física auxiliando no aprendizado dos conteúdos de outras disciplinas e ela não pode justificar sua existência com base apenas nesta possibilidade.


 Silva (1990) concebe a interdisciplinaridade como o resultado de um duplo movimento baseado no trabalho de comparabilidade entre disciplinas e o conhecimento produzido em cada área, articulado com a reflexão conjunta de espaços problemáticos comuns.
[...] " oferece a vantagem epistemológica de permitir que um campo de saber encontre algumas respostas para suas lacunas de conhecimento em outro campo, mais ou menos próximo. Isso fortalece a prática da produção coletiva da ciência e dá à pesquisa pedagógica a dimensão de uma tarefa de investigação de segunda ordem, que necessita sempre do diálogo e da acumulação de saberes em outras áreas, reduzindo a tendência ao especialismo e às explicações unidisciplinares ou imediatistas." (1997, p.61-62)
A Educação Física possui um vasto campo de conhecimento e deve firmar-se como disciplina, pelo conteúdo e pelo papel curricular que desenvolve na escola e não apenas por um sentido utilitarista para trabalhar conteúdos de outras disciplinas. Deve-se trabalhar a partir de uma perspectiva interdisciplinar demonstrando as relações entre os conteúdos da Educação Física e os das demais disciplinas, identificando pontos comuns e complementando conhecimentos, visando um processo pedagógico mais significativo e integrado.


 Soares acredita que [...] " a caótica situação da Educação Física (...) no quadro geral da Educação, resulta de uma ausência de reflexões e justificativas convincentes de sua validade pedagógica, bem como de clareza em relação aos objetivos que persegue." (apud Farinatti, 1991, p.48)
A busca de abordagens interdisciplinares na escola, propiciará Educação Física a oportunidade de se colocar como uma disciplina importante na formação integral do aluno (e não apenas do "corpo" ), justificando-se assim pelo seu campo de conhecimento.
A Educação Física não pode se omitir desse processo e deve procurar cada vez mais ocupar seus espaços, sendo que para isso seus profissionais devem se atualizar cada vez mais para que, não apenas sejam reconhecidos, mas também para que ofereçam uma contribuição efetiva no processo ensino-aprendizagem.


 • Temas transversais e a interdisciplinaridade


 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) surgem com propostas ou referenciais para a Educação Física, o que de certa forma é um fator relevante, uma vez que foi incluída de forma igualitária à outras áreas. Igualmente surgem nos PCNs, em destaque, os temas transversais. Estes não se apresentam como uma novidade, pois, sobre outro enfoque, já foram considerados como "currículo oculto" ou "programa latente", que segundo Forquin (1993, p.23)
[...] "designará estas coisas que se adquirem na escola (saberes, competências, representações, papéis, valores) sem jamais figurar nos programas oficiais ou explícitos" [...].


 Os temas transversais se apresentam, pois, como potencial alternativa para um trabalho interdisciplinar. É inegável que a Educação Física, possui um campo de conhecimento significativo acerca de temas como ética, saúde, pluralidade cultural, meio ambiente, orientação sexual e trabalho e consumo
O destaque dado aos temas transversais é relevante, podendo suscitar a possibilidade de uma abordagem interdisciplinar, além do que, eles não são transversais no sentido de marginais, mas sim, de "atravessar" o conjunto de disciplinas escolares, sendo portanto essenciais.


 A LDB - Lei nº 9394/Dez/96, em seu artigo 26, §. 3º, considera a Educação Física como componente curricular da Educação Básica, "integrada à proposta pedagógica da escola". Não se trata apenas de uma questão de direito, mas de fato inserir a área nas discussões pedagógicas da escola, para que possamos cada vez mais ocupar nosso espaço, através de um corpo sistematizado de conhecimentos.


 Considerações finais


 A proposta de trabalhar os temas transversais de uma forma interdisciplinar deve ganhar força em nossos debates educacionais para que se possa colocar em prática um tipo de trabalho que hoje, ainda, faz parte do discurso pedagógico, não se apresentando, porém, de uma maneira efetiva na maioria das escolas brasileiras.


 Não foi minha intenção defender a abordagem interdisciplinar como a "tábua de salvação" para que a Educação Física seja reconhecida no âmbito escolar, mas sim, alertar para o fato de que devemos ocupar espaços e estabelecer limites, participando de forma mais ampla nas discussões pedagógicas da escola.
A interdisciplinaridade surge, pois, como um dos muitos acessos para a valorização e o reconhecimento de que possuímos um vasto campo de conhecimentos na nossa área.


 Quanto aos PCNs, cabe a observação de Claro, Kunz, Betti e Darido (1998), no artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências do Esporte, reconhecendo que:
"... os PCNs não resolvem todos os problemas da educação nacional, que continua a exigir outras medidas politicamente articuladas, como a valorização salarial dos docentes e funcionários, melhoria das condições de trabalho, programas de educação continuada e melhoria dos cursos de formação inicial". (p.53)
Acreditamos, portanto, que estamos de posse de um documento que deve servir como um referencial para que possamos avançar nas reflexões específicas de nossa área, bem como da educação de uma forma geral, sem esquecer que as questões relativas à valorização profissional devem permear todo o debate pedagógico suscitado.

 Referências bibliográficas

Claro, Edson et al. Parâmetros Curriculares Nacionais. Área: Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Florianópolis: v.19, n.2, p.52-53, jan. 1998.
Farinatti, Paulo T.V. Pesquisa em Educação Física no Brasil: por um compromisso com a evolução. In: Faria Júnior, Alfredo G., Farinatti, Paulo T.V. (org). Pesquisa e produção do conhecimento em Educação Física SBDEF / Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1992. 150p., p.34-68.
Forquin, Jean Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médica, 1993.
Freire, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física. 2 ed. São Paulo: Scipiome, 1989.
Lobo Júnior, Dácio Tavares. A emergência da Educação Física Escolar como área de pesquisa pedagógica-elementos para o trabalho interdisciplinar. Perspectivas em Educação Física Escolar. Niterói: EDUFF, v.1, p.53-71, mar. 1997..
Marcelino, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1987.
Secretaria de Educação Fundamental. PCN: Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1998.
Silva, Dinorá Fraga. Considerações epistemológicas sobre o conceito de interdisciplinaridade-implicações para a educação. Revista de Educação. Associação de Educação Católica, Brasília, p.16-27, art. 2, 1990.
Soares, Carmem Lúcia. A Educação Física no ensino do 1º grau: do acessório ao essencial. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Florianópolis: v.7, n.3, p. 89-92, 1986.