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O artigo 217 de nossa Constituição Cidadã trata do Desporto. “É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um...” afirma ele de forma inconteste...

... O Ministério é do Esporte — assim mesmo, no singular, pois ele é uma prática social com origem moderna vinculada ao advento da sociedade industrial —, mas já tivemos há bem pouco tempo atrás, no Governo Itamar, o Ministério de Educação e Desporto e antes dele, no Brasil Novo de Collor, uma Secretária Especial do Desporto, que por sua vez veio no lugar da SEED, Secretaria de Educação Física e Desporto que, por dentro do Ministério da Educação e Cultura no final da década de 70 e toda de 80 do século passado, ditou os caminhos da política da área...

... A justiça (!) é Desportiva e ser esportivo é sinônimo de não levar as coisas a ferro e fogo e sim com fair play, para cuja expressão Galvão Bueno, por ocasião da mais recente versão da Copa do Mundo de Futebol, como se tivesse descoberto a pólvora, se valeu do termo desportividade... Tudo isso sem esquecer os desavisados que com trejeitos científicos relacionam o esporte às práticas corporais não competitivas e o desporto àquelas associadas ao alto rendimento, à performance...

Não é a primeira vez que trato deste assunto, e se resolvo fazê-lo agora é por falta de inspiração para vôos maiores neste momento em que somos desmotivados a continuar acreditando na raça humana, dada a imbecilidade que impera na campanha eleitoral, onde os candidatos teimam em nos tratar como tolos... Sim, eu sei... O problema é da nossa democracia... Mas não de seu excesso e sim de sua ainda escassez, incipiência, fragilidade e imaturidade motivadas pelo pouco tempo que temos de aprendizado democrático, reiniciado depois de uma eternidade mergulhados nas trevas da ditadura militar... Sim, eu sei, perseverar é preciso...

De uma das vezes, me lembro, já se vão 10 anos, quando estávamos às voltas com as festividades patrocinadas pelo governo brasileiro alusivas aos 500 anos de descobrimento (sic) do Brasil pelos portugueses. Não por acaso, pois então suspeitava que a expressão desporto presente em nosso vocábulo tinha muito mais a ver com os portugueses do que com os ingleses ou nossos irmãos latinoamericanos ciosos no uso da expressão Deporte... Suspeitas essas que se demonstraram relativamente corretas, como veremos adiante...

Bem... Como comecei apontando neste artigo, a Constituição Federal Brasileira de 05/10/88 trata em seu Capítulo III, Seção III, do Desporto. Então, a expressão Esporte é errada? Possuí outro significado? João Lyra Filho (mentor intelectual do Decreto-lei no 3.199/41, primeiro documento legal voltado para a normatização do esporte nacional), logo após o prefácio do Professor Gilberto de Macedo à 3a edição (1974) de seu livro Introdução à Sociologia do Desporto e antes do Preâmbulo, nos apresenta as seguintes considerações sobre o assunto:

"Desporto, Sport ou Esporte? Pedi uma resposta ao saudoso mestre Antenor Nascentes, que se manifestou assim: — 'Nem desporto nem sport, esporte. Desporto é um arcaísmo que Coelho Neto procurou reviver quando se criou a respectiva Confederação. Coelho Neto era muito amante de neologismos. Haja vista o paredro. A palavra inglesa há muito tempo está aportuguesada e bem aportuguesada; é usada por toda a gente. Devemos usar a linguagem de todos, para não nos singularizarmos. Não está de acordo?'

E continua João Lyra Filho: Respondi-lhe, com a vênia devida, que permaneço na dúvida. Não desconheço a influência do gosto popular e estimo deveras as dominantes da literatura oral. Mas indo às origens do nosso vernáculo, identifico o uso da palavra desporto nas letras e na boca de Portugal. Não só os quinhentistas, inclusive Sá de Miranda, empregavam desporto. Não tem havido outra opção no escrever e no falar dos portugueses. A palavra desport já era de uso no francês antigo, significando prazer, descanso, espairecimento, recreio; com este sentido, figura em poesias de Chaucer. Os ingleses a tomaram por empréstimo, convertendo-a, depois, no vocábulo sport. Uma nova razão faz-me permanecer adepto do vocábulo arcaico: ele foi atraído à própria Constituição desta nossa República Federativa. O artigo 8o, sobre a competência da União, dispõe na alínea q do item XVII: 'legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional; normas gerais sobre desportos'.  Não desejo ser denunciado como infrator da nossa Carta Magna... Mas a denúncia pode prosperar, com mudança de acusado, pois não são raras, na legislação do país, as vezes em que os autores dos respectivos textos oficializam o vocábulo esporte."

Se já naquela época não eram poucas as ocasiões em que se optava pelo uso da expressão esporte no lugar da desporto, hoje em dia a opção por esporte é ainda mais evidente...Até nos arriscamos a criar neologismos! No meio acadêmico da área Educação Física é comum presenciarmos o uso de um: Esportivização, utilizado nas vezes — cada vez mais comum — em que assistimos o processo de submeter as práticas corporais aos ritos do esporte...

O Professor Gaudêncio Frigotto, no seu escrito “A Formação e a profissionalização do educador: novos desafios” se reporta a Conceitos como sendo as “representações no plano do pensamento, do movimento da realidade”. Como tal, afirma não serem eles “alheios às relações de poder e às relações de classe presentes na sociedade. Pelo contrário, são mediações de sua explicitação ou de seu mascaramento”.

Pois me valendo da compreensão de Conceito atribuída por Frigotto, defendo o uso da nossa — brasileira — expressão Esporte, que não nega sua origem portuguesa nem tampouco nossa aproximação com o britânico Sport, mas expressa a vontade política de buscar suas próprias palavras para apontar o desejo de configuração de sua identidade...  Pois não é o Futebol – e não o soccer ou football — que sinaliza ao mundo a identidade cultural esportiva do brasileiro?

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