Integra

 Como professora do ensino fundamental e médio da rede particular, venho observando, através da minha prática, um certo desinteresse e desmotivação por parte das alunas pelas aulas de Educação Física. Esse desinteresse é mais notado na passagem entre o ensino fundamental e o ensino médio e bem caracterizado no 2( grau e nas turmas femininas.


 Já existem preocupações por parte de alguns autores (Souza e Vago, 1997) com o risco do desaparecimento da Educação Física na escola, ainda que mantida sua obrigatoriedade através da LDB, e mesmo tratada como área de conhecimento do Ensino Fundamental pelas Diretrizes Curriculares Nacionais. Esse risco se dá na medida em que a nova lei, por meio do parecer no 5/97, passa a ser apurada sobre o total da carga horária do período letivo, permitindo ao aluno o direito de faltar até o limite de 25% do referido total.


 Esse parecer ameaça o professor de educação física em dois aspectos muito importantes. Dependendo da visão que a instituição tenha sobre a importância da educação física, e da visão capitalista do mundo do trabalho, poderá contratar para empregos temporários os professores desta disciplina, onde cumpriria com o mínimo de carga horária necessária exigida . Para Antunes (1997, p.41) observa-se no universo do mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo uma multiprocessualidade: a desproletarização do trabalho industrial fabril e a subproletarização intensificada presente nas formas de trabalho parcial, temporário, terceirizado". Essa realidade não está tão distante de nós, esse discurso neoliberal já faz parte do discurso de várias instituições de ensino.


 Na problematização desse estudo, deparamos com alguns indicadores que podem favorecer a ausência significativa nas aulas de Educação Física e contribuir com o desinteresse, tais como: o vestibular multiseriado onde o aluno acumula pontos para sua aprovação no vestibular desde o 1( ano do ensino médio, não utilizando a Educação Física como parte desse processo, as aulas não serem colocadas na grade curricular e as alunas terem que retornar em outro período para fazer a aula; o objetivo centrado no vestibular, fazendo com que as escolas se preocupem com as disciplinas que contribuem com o ingresso do aluno à universidade, pois essas serão avaliadas e possuem peso na aprovação dos alunos. A Educação Física fica desprivilegiada pois não representa peso nenhum na classificação desses alunos.


 Já nas atividades físicas do meio não-formal nota-se que as academias de ginástica estão cada vez mais lotadas de adolescentes em busca de "corpos esculturais", em busca de padrões de beleza que nos são jogados através da mídia que cria uma juventude alienada e consumista. São revistas especializadas, para todos os tipos de raça, cor, programas de televisão, músicas, atitudes, moda, cor de cabelo, que na maioria das vezes intensificam os desejos dos adolescentes.


 A partir destes questionamentos, o objetivo da pesquisa é identificar sentidos da educação física para a formação humana, no que diz respeito ao projeto pedagógico das escolas, estabelecendo relação com o momento histórico-político educacional. Para esse trabalho serão realizadas entrevistas com escolares do 2o grau de 3 escolas particulares com realidades diferentes, utilizando como instrumento de análise dos dados coletados, a Análise do Discurso, procurando relacionar o discurso com o contexto histórico em que estamos vivendo.


 Neste momento, o estudo encontra-se em sua fase de revisão da literatura, discutindo a importância da Educação Física nos vários momentos históricos da educação brasileira, chegando à contextualização de seu papel no atual cenário político.


 II. Revisão bibliográfica


 A Educação Física vem sofrendo grandes modificações que foram notadas a partir da década de 80 com o aumento dos discursos científicos e da construção do pensamento acadêmico, o que faz surgir vária tendências pedagógicas na área. Antes porém, no final do século XIX, " aparecerá colada aos ideais eugênicos de regeneração e embranquecimento da raça, figurando em congressos médicos, em propostas pedagógicas e em discursos parlamentares" (SOARES, 1994, .p 25).


 Através de trabalhos escritos por médicos com a educação física como tema, estes foram importantes veículos de divulgação da "pedagogia da boa higiene" que ditaram normas de vida através de um discurso normativo e disciplinador para as famílias de elite agrária em primeiro momento, depois para a família burguesa citadina e por fim, quando o trabalho assalariado se torna predominante, para toda a população (ibid.).


  A escola na segunda metade do século XIX ainda sofria, por parte dos pais, várias influências. Mesmo com argumentos médicos ficava difícil de romper com preconceitos que cercavam a educação física que era considerada atividade não digna para a elite masculina e muito menos deveria ser aplicada às mulheres.


 Com o nascimento do capitalismo no Brasil, começa-se a refletir sobre um novo tipo de sociedade. Mas como, se o país aumentava suas doenças, miséria e com a população analfabeta? Como representante da elite, Rui Barbosa propõe que a educação e a higiene andem juntas para promover o desenvolvimento e viabilizar o progresso. "Passam a ser os remédios adequados para "curar " as doenças do povo e do país" (ibid., p 109), fazendo nascer, então, um outro Brasil.


 A Educação Física ministrada nas escolas, contribuiria para a formação de um indivíduo forte, robusto, saudável e disciplinado.Com o advento da República, a Educação Física passa a ser um procedimento higiênico a ser adotado pela escola e incorporado como hábito para vida toda.


 Antes porém, no final do século XIX ganha características que condizem com o pensamento higienista e eugenista, característicos da época. A partir da década de 30, o Brasil passa por movimentos muito fortes onde se objetiva romper com a velha ordem social oligárquica e implantar definitivamente o capitalismo no Brasil (BETTI, 1991).


 O ensino profissionalizante passa a ganhar importância devido a mudança do modelo econômico da época que deixava de ser agrário-exportador para ser urbano-industrial. Mesmo com todas as reformas no âmbito educacional, o patriotismo e o nacionalismo dos estudantes passa a ser muito valorizado, levando "vários autores a rotular a política educacional do Estado Novo de fascista" (ibid., p. 67)


 Com isso a educação deveria instrumentalizar-se e as disciplinas mais indicadas para assumirem as responsabilidades Educacionais definidas pela política de Governo eram Educação Moral e Cívica e Educação Física, pois uma complementa a outra e onde tinham como objetivo a "formação da consciência patriótica". Organizava-se então, através da promulgação do Decreto- Lei no .2072 de 8 de março de 1940 que dispunha sobre a obrigatoriedade da Educação Cívica, Moral e Física uma instituição Nacional chamada Juventude Brasileira que mesmo não sendo consolidada na prática, refletia, segundo Castellani Filho (1994), aos anseios dos militares e da classe dirigente que nela depositavam suas esperanças de construção de um país de jovens afinados com a ideologia dominante A Educação Física sofre grandes influências da instituição militar, que adotava o método francês como referência, e assume características de formador de hábitos, promotor da coragem, da saúde, agilidade, solidez, harmonia e adestramento físico.


 Após 1945 a Educação Física brasileira, na concepção militarista, cede espaço para outro tipo de Educação Física, a pedagogicista, que está ligada ao crescimento da rede de ensino público nos anos 50 e 60, como Ghiraldelli Júnior (1991) relata.


 A Educação Física passa então a voltar-se para o aluno e recebe impulsos nos anos 50 envolvida com a ideologia Nacionalista- Desenvolvimentista do Governo JK (ibid.). Essa ideologia mascarava a luta de classes, não podendo ser inspiradora de um projeto educacional voltado para o homem inserido no contexto de uma sociedade cheia de conflitos de classe.


 Por trás dessa ideologia Pedagogicista, desenvolveu-se uma tendência tecnicista e o desporto espetáculo ganha importância se manifestando depois, após o golpe de 64. Nesta época de ditadura militar, o esporte cresce rapidamente no país, tornando assim a Educação Física com características competitivista, que teria no interior da escola seu grande sustento. O esporte passa a fazer parte das aulas de Educação Física. O professor assume papel de treinador e o aluno de atleta. Na escola conseguiria-se a base da pirâmide esportiva, onde os talentos poderiam ser descobertos. As estratégias utilizadas para o aprendizado do esporte está nos elementos técnico-táticos e nas pré-condições fisiológicas e neuro-motoras para a prática, que é trazida para a escola adaptada à divisão dos tempos escolares e dos graus de ensino (ibid.). Caracterizando a época dos objetivos operacionais, do planejamento e da tecnologia do ensino (Bracht, 1992) o esporte na escola é caracterizado como prolongamento da instituição esportiva, através do esporte olímpico do sistema desportivo nacional e internacional que tinham como códigos a competição o rendimento, recordes e vitórias. Outras características desta pedagogia tecnicista era a neutralidade científica, fazendo com que o trabalho escolar fosse objetivo e racional, através da divisão de turmas por sexo, por exemplo.


 No final da década de 70 e início da década de 80, houve necessidade de mudança nos rumos da Educação Física fruto de uma redemocratização do país. Cresce o número de encontros regionais, debates acadêmicos, de novas publicações através de revistas e livros especializados, e os professores começam a se instrumentalizar mais sob o ponto de vista da questão acadêmica com a criação dos cursos de pós-graduação em Educação Física e da volta dos doutores que foram se especializar fora do Brasil.
Na escola a Educação Física começa a passar por vários questionamentos, e surgem várias tendências. De celeiro de atletas, de melhoria da aptidão física (reduzindo-se à dimensão biológica), promotora da saúde biológica e individual, a tratadora de distúrbios psicomotores através da psicomotricidade, esta por sinal, ainda permanece presente até os dias de hoje no tratamento que algumas escolas dão à educação física.


 As formas de se pensar Educação Física começaram a ser analisadas como construções sociais representadas por um grupo de estudiosos que desempenhou papéis relevantes na dramaturgia do pensamento científico da área (Daolio, 1997). Essas produções foram e são muito importantes para buscarmos novas formas de se pensar Educação Física e foi a partir desse movimento que novas propostas começaram a ser produzidas e construídas.


 Com a chegada dos especialistas vindos de fora, a ginástica de academia começa a se destacar no cenário brasileiro, onde há uma valorização da estética, aumentando com isso o número de academias e de adeptos. A geração saúde é embalada pela calistenia disfarçada por músicas estrangeiras.


 A partir dos anos 90 o movimento de culto ao corpo fica mais forte. Padrões de beleza assumem novos valores e a mulher magra e franzina dos anos 80 dá lugar a uma mulher com musculaturas definidas. Por trás desse movimento, existe a mídia que com sua ideologia consumista despeja todos os dias novos produtos levando às adolescentes a uma busca por padrões de beleza que nem sempre condizem com suas condições físicas e financeiras.


 Hoje a Educação Física busca através de um projeto político-pedagógico sua função social dentro da escola. A pedagogia é a teoria e método que constrói os discursos, as explicações sobre a prática social e sobre a ação dos homens na sociedade onde se dá a sua educação (COLETIVO DE AUTORES, 1992). É com essa função que a pedagogia crítico-superadora vem para as aulas de Educação Física, elaborando um currículo que tem como função social, ordenar a reflexão pedagógica do aluno, levando-o a pensar sobre a realidade social, seu comprometimento com os interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora.


 "Na perspectiva da reflexão da cultura corporal, busca-se desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esportes, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas" (ibid,1992 p 38).
Contudo, levando-se em conta os aspectos dominantes que cercam atualmente o universo do culto o corpo, a perspectiva crítico-superada da Cultura Corporal sofre resistências em ser trabalhada na escola. Assim sendo, torna-se importante o desenvolvimento deste estudo por buscar aprofundar, sob o ponto de vista da estrutura social, as relações de resistências manifestadas em desinteresse e desmotivação nas aulas de Educação Física.


 Obs. A autora pertence à Fundação Educacional Machado Sobrinho (Juiz de Fora), aos quadros da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora (MG) e é aluna do curso de especialização em educação física da UFJF


 Referências bibliográficas


Antunes, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: editora da Universidade Estadual de Campinas, 1997.
Bracht, Valter. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister,1992.
Betti, Mauro. Educação física e sociedade. São Paulo: Editora Movimento,1991.
CastellaniI Filho, Lino. Educação física no Brasil: a história que não se conta. Campinas: Papirus,1994.
Coletivo de autores. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992.
Daolio, Jocimar. Educação Física brasileira: autores e atores da década de 80. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.18, n.3, maio, p. 182-191, 1997.
Souza, Eustáquia Salvador, Vago, Tarcísio Mauro. O ensino da educação física em face da nova LDB. In: Colégio Brasileiro de Ciência do  Esporte (org). Educação física escolar frente à LDB e aos PCNs: Profissionais analisam renovações, modismos e interesses. Ijuí: Sedigraf, 1997.
Ghiraldelli Junior, Paulo. Educação física progressista: A pedagogia crítico-social dos conteúdos e a educação física brasileira. São Paulo: Edições Loyola,1991.
Soares, Carmem Lúcia. Educação física: raízes européias e Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 1994.