Resumo

Aproveitando-se da onda de discursos sobre a promoção da paz social no final do século XIX, o Comitê Olímpico Internacional foi criado com a missão de organizar os Jogos Olímpicos, constituindo uma instituição com finalidades pedagógicas e pacificadoras, capaz de produzir transformações nos indivíduos, sociedades e nações. Ao investigar suas produções discursivas, busca-se evidenciar como o COI traça estratégias para estabelecer posições privilegiadas e o desenvolvimento de hegemonias, se configurando como parte integrante da engrenagem da realidade social. Da fundação aos anos de 1920, o COI conseguiu se estruturar formal e burocraticamente. E foram as definições das regras de elegibilidade para participação dos atletas que destacaram a questão do amadorismo como principal norteador do Movimento Olímpico. O amadorismo é utilizado como argumento de segregação e exclusividade, e justifica o estabelecimento de uma hierarquia social que exclui da prática esportiva grupos que atribuíam sentidos funcionais ou políticos ao esporte. A contradição consiste no fato de que a exclusividade de apropriação da prática esportiva apresenta-se justamente como um instrumento político com a finalidade manter vivo no imaginário coletivo a importância e poder simbólicos da aristocracia. No texto do primeiro Boletim Olímpico afirma-se a necessidade de se conservar o caráter nobre e cavalheiresco do atletismo, a fim de que ele pudesse continuar a atuar eficazmente na educação dos povos, como fizeram os mestres gregos. Durante as décadas de 1940 e 1950, as mudanças no texto das Cartas Olímpicas são no sentido de reforçar a manutenção do ideário aristocrático, e destacam a importância do esporte não ser focado somente nas performances e recordes, mas também nos valores sociais, educacionais, estéticos, éticos e espirituais do amadorismo. Ao longo das décadas de 1960 e 1970, com o avanço do domínio da alta burguesia e do capitalismo na hierarquia social, o termo amadorismo foi sendo apagado dos textos, mas permaneceu como inspiração do Movimento Olímpico, que passou a incorporar características intangíveis, constituindo um cenário idealista, purista e, até mesmo, saudosista. Como se não pudesse sustentar suas bases sobre premissas materiais, o COI buscou sustentação e afirmação na criação de uma dimensão teológica na qual estão estabelecidos os valores essenciais de sua constituição. Essa construção discursiva aponta a intenção de retomar o imaginário mitológico grego, elevando os sujeitos olímpicos a uma condição que extrapola a condição humana, diferenciando-os, assim, dos sujeitos comuns. Ao tecer um conjunto de princípios aparentemente com vistas ao desenvolvimento do bem coletivo, mas justificá-lo por meio de uma abordagem mitológica, o Movimento Olímpico se coloca acima de questionamentos e condena, por princípio, qualquer tentativa de resistência e interferência, impedindo a participação de sujeitos externos ao status quo já estabelecido. Com isso, embora tenha incorporado discursos de universalismo e participação democrática sob a alcunha do Olimpismo, o COI mantém o esporte olímpico como uma atividade de valor aristocrático, restritivo, excludente e discriminatório.

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