Análise Histórica do Currículo do Curso de Graduação em Educação Física
Por Ângela Celeste Barreto de Azevedo (Autor).
Em II EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
A abordagem do contexto histórico, que compreendeu e compreende a formação profissional em Educação Física (EF), é indicativo de referencial teórico básico para estabelecer uma reflexão crítica da atualidade e das perspectivas da EF.
Os dados levantados abaixo, serão aprofundados e contextualizados em dissertação de mestrado, ora em elaboração, e interrelacionados com fatos históricos precedentes e paralelos deste processo curricular. Comunicações orais dos Professores Alfredo Faria Júnior (UERJ) e João Batista Tojal (UNICAMP) serviram como confirmação preliminar, por estarem envolvidos no processo em questão.
Em resumo, estes dados são:
- Desde 1937, com a criação da Divisão da EF dentro do Ministério da EF e Saúde Pública, a qual adotou o Regulamento Geral de EF, que o curso de EF tinha o currículo padronizado pelo método francês (Mezzadri, 1994).
- Em 1969, através da Resolução nº 69/69. do antigo Conselho Federal de Educação (CFE), foi introduzido um currículo mínimo obrigatório para todas as Instituição de Ensino Superior (IES) com curso de graduação em EF, podendo ser acrescentado a este outras disciplinas de interesses pertinentes destas Instituições (Mezzadri, 1994).
- De agosto de 1978 a março de 1987, professores de EF, Técnicos Desportivos, Médicos e acadêmicos se reuniram, em encontros e seminários em diversos Estados do Brasil (Tojal, 1989), para discutir as reformas necessárias no currículo dos cursos de graduação em EF. Em 1984 iniciou-se a elaboração de um anteprojeto para efetivar a reforma curricular. (Mezzadri, 1994)
- Em 1986, após um encontro em Curitiba que reuniu um grupo de trabalho para discutir sobre a reformulação curricular com bases levantadas pelo anteprojeto (Tojal, 1989 e Mezzadri, 1994), surgiu a Res. 03/87, consubstanciada pelo Parecer 215/87.
Esta determinação normativa do antigo CFE estabelece que cada IES implemente o seu próprio currículo do curso de graduação em EF com base nos aspectos regionais e nos seguintes pontos norteadores do documento:
• ofereça formação profissional na área da EF não escolar e escolar, respectivamente com os cursos de bacharelado e/ou licenciatura, outorgando às IES a autonomia necessária do processo de adaptação para opção entre as duas titulações ou uma dentre as duas mencionadas;
• fixe os mínimos de conteúdos e duração a serem observados;
• sejam constituídos de duas partes:
- formação geral abordando as áreas de conhecimentos de cunho humanístico (conhecimentos filosófico, do ser humano e da sociedade) e de cunho técnico (desenvolvimento de forma articulada com os conhecimentos de cunho humanístico);
- aprofundamento de conhecimento;
• prazo máximo para adaptação em cada IES alterado posteriormente para janeiro de 1990.
A verificação realizada por Estudos de Caso, sob minha responsabilidade e de DaCosta (1997), demonstrou que num total de 15 IES, posteriormente ampliado para 28, o cumprimento da reformulação e implantação curricular exigida a partir da Resolução 03/87, conteve as seguintes características:
- O curso de bacharelado foi implantado em 12 IES, sendo que 09 destas oferecem currículo com núcleo comum ao curso de licenciatura;
- A carga horária corresponde à soma proporcional das áreas de conhecimento exigida pela Resolução;
- E que a alteração das disciplinas com a reforma se deu em 12 IES por inclusão; em 08 por inclusão, exclusão e fusão; em 03 por inclusão e exclusão; em 01 por inclusão e fusão; em 01 somente por fusão e em 02 não ocorreram alteração, devido ao surgimento do curso ter sido após a resolução.
O estudo
"...Tal como foi delimitado, permitiu a identificação de tendências e proporções indicativas, e nestes termos foi demonstrado que as modificações dadas pela reformulação curricular foram somente por inclusões e/ou exclusões e/ou fusões de disciplinas, sendo mantida a ênfase no conhecimento técnico..." (Azevedo & DaCosta, 1997, p. 164)
e biológico, em cumprimento à resolução, que estabelecia o mínimo de carga horária para cada área de conhecimento.
Além disso, com os cursos de graduação em bacharelado somente referenciados pela resolução como sendo curso de formação na área não escolar, é pressuposto que houve deficiência de parâmetros referenciais e suporte teórico para uma melhor compreensão de abertura deste curso, dado esta ocorrência em diversas especialidades dentro do campo do conhecimento da EF, inclusive o da pesquisa.
Idéias correntes que se contrapõem à implantação do curso de bacharelado alertam que esta proposta "foi uma jogada" do grupo que queria fragmentar a profissão, pois não foi discutida no encontro de 1986 em Curitiba. Por outro lado, embora o curso de bacharelado possibilite o atendimento a demanda de mercado, norteando uma perspectiva utilitarista, permite a promoção da produção de conhecimento em outras áreas de atuação profissional existentes na EF, que não somente a escolar, como por exemplo, a área das academias.
Contudo, nesta observação não está implícito que seja favorável às modificações ocorridas e a ocorrer com o currículo do curso de EF.
"Antes de questionar essa suposição sobre mudança, precisamos historicizar os pressupostos da filosofia da consciência que centram a investigação nos atores, nos eventos e na mudança." (Popkewitz, 1995, p.182)
Os jesuítas, por exemplo, acionaram um sistema escolar que serviu de modelo para as Instituições Escolares, inclusive Universidades, não só do Brasil (Varela,1995), mas de vários países. Outro dado importante, que Varela sugere como reflexão, é o conhecimento dos motivos que levaram a ocorrência deste sistema escolar implantado de disciplinarização dos saberes:
"As disciplinas foram técnicas de adestramento e individualização que pretendiam maximizar as forças dos indivíduos, otimizar seu rendimento e, ao mesmo tempo, extrair deles saberes e lhes conferir uma determinada natureza."(p. 92)
Isto coloca dúvidas se o sistema de ensino implantado, ‘e naturalmente aceito’, deve ser por disciplinas.
Diante destas ocorrências históricas, pode-se, preliminarmente, examinar questões atuais, entre as quais destaca-se as Novas Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A interpretação do Art.53 - Inciso II -, por exemplo, propõe a autonomia das Universidades na fixação do currículo dos cursos oferecidos. Pressupõe-se assim a liberdade para um pensar diferente da lógica da displinarização dos saberes. Porém, esta herança ocidental de teoria curricular (Goodson, 1995), aplicada no ideário de escola, nos parâmetros que conhecemos, deverá prevalecer como um relevante fator interveniente, entre outros.
"Dado o predomínio da ordem política e econômica com ideologias associadas, fica claro para que direção irão se encaminhar os teóricos do currículo." (Goodson, 1995, p. 48)
Considerações Finais
Esta análise permitiu a identificação, depois de um breve histórico das modificações curriculares ocorridas no curso de graduação em Educação Física, de alguns fatores intervenientes no processo de construção do currículo. Assim sendo, estes fatores são indicativos que confirmam que a interrelação das modificações curriculares do curso de graduação em EF com fatos precedentes ao período 1937 - 1986 e outras influências que lhe são peculiares, fazem parte de todo um processo de formação educacional.
Portanto, a partir do aprofundamento de todos os fatores intervenientes relacionados, é pressuposto que um pensar diferente da lógica, ‘supostamente instaurada’, será dado para as ocorrências de modificações curriculares no curso de graduação em Educação Física.
Orientador: Prof. Dr. Lamartine Pereira DaCosta.
Referências Bibliográficas
GOODSON, Ivor F. Currículo: Teoria e História. Petrópolis, Vozes, 1995.
MEZZADRI, Fernando M. A Educação Física no 3º Grau: História, Função, Análise da Proposta Curricular. Campinas, Unicamp, 1994.
POPKEWITZ, Thomas S. História do Currículo, Regulação Social e Poder. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O Sujeito da Educação - Estudos Foucaultianos. Petrópolis, Vozes, 1995.
Artus, Revista de Educação Física e Desportos. Vol. XIII, nº 1, Rio de Janeiro, Editoria Central da Universidade Gama Filho, 1997.
TOJAL, João B. Currículo de Graduação em Educação Física - A busca de um Modelo. Campinas, da Unicamp, 1989.
VARELA, J. O Estatuto do Saber Pedagógico. In: SILVA Tomaz Tadeu da (Org.). O Sujeito da Educação - Estudos Foucaultianos. Petrópolis, Vozes, 1995.