Resumo

A transmissão televisiva de futebol é um discurso comunicacional em que a enunciação ocorre simultaneamente à realização do evento, de modo que, à medida que as ações humanas ocorrem no jogo, a televisão vai estruturando seu discurso por meio de procedimentos e equipamentos técnicos, em um todo de sentido coerente e para um determinado enunciatário.

Com o objetivo de entender o eixo conceitual ou fundamental que conduz a existência desse produto cultural mediado, bem como os possíveis arranjos que são manifestados na forma discursiva, o artigo utiliza-se do método de análise semiótico, por intermédio do percurso gerativo de significação, para orientar o estudo da transmissão televisiva de um jogo de futebol pelo nível fundamental.

A concepção da estrutura do quadro semiótico principia pela definição de um microuniverso semântico pelo qual o discurso trafegará, orientado pelas características formais do quadrado semiótico. O universo do futebol se encontra fundamentado no jogo, definido pelo historiador Huizinga (2000) e o sociólogo Caillois (1990) como “uma das molas principais do desenvolvimento das mais altas manifestaçõesculturais em cada sociedade e da educação moral e do progresso intelectual dos indivíduos” (CAILLOIS,
1990, p. 9-10).

Dentro do universo jogo há a presença de diferentes categorias. E as categorias são, segundo Fontanille (2007), definida por um domínio abstrato nas classificações culturais que indicam a presença ou a ausência de um traço comum. O futebol ajusta-se à tipologia da competição, definida por Caillois (1990) como Agon, que se trata da ambição de triunfar graças apenas ao próprio mérito, em uma competição regulamentada.

Nessa categoria, a competição apresenta como traço comum o triunfo atribuído ao vencedor que é “o desejo de ver reconhecida a sua excelência num determinado domínio. É a razão pela qual a razão do Agon supõe uma atenção persistente, um treino apropriado, esforços assíduos e vontade de vencer” (CAILLOIS, 1990, p. 35). Portanto, a competição institui-se como uma categoria positiva no domínio sintático do jogo de futebol esportivo. E a sua oposição, a não-competição, denota a categoria negativa,
de modo que, por apresentar a ausência do traço triunfo, pode ser transposta como cooperação, uma vez que significa “É o tipo particular de processo social em que dois ou mais indivíduos ou grupos, atuam em conjunto para a consecução de um objetivo comum. É requisito especial e indispensável para a manutenção e continuidade dos grupos e sociedade.” (PASANI, 2018, p. 46).

Desse modo, a competição apresenta dois subdomínios em que há a presença ou a ausência do traço “o triunfo”, sendo eles: a vitória e a derrota, de forma que cada um é contrário ao outro. Segundo Courtés (1979), a partir desse conjunto organizacional dos termos proposto por Greimas, depreendem-se as características formais do quadrado semiótico as propriedades das relações e das dimensões.

As relações entre os termos são organizadas hierarquicamente, de modo que os termos competição e cooperação estão em um nível superior ao dos termos vitória/derrota e ônus/bônus. Outra propriedade de relação observada é a das categorias que delimitam uma relação de contradição entre esses termos competição e cooperação; vitória e ônus; e derrota e bônus. De contrariedade entre vitória e derrota; e ônus e bônus. E de implicação entre vitória e bônus; e derrota e ônus.

Assim, essa estrutura elementar da significação gerada pelo jogo de futebol permite projetar as operações semânticas virtualmente realizáveis na construção do discurso, estabelecendo a seguinte análise.

O jogo de futebol trata-se de um evento competitivo em que duas equipes, em igualdade, tanto no número de jogadores quanto no placar, buscam, durante 90 minutos, marcar o maior número de gols e sofrer nenhum ou poucos gols. Ao final do jogo, o time que marcar mais e sofrer menos gols é o vitorioso.

Por isso, a vitória torna-se a primeira categoria fundamental, positiva ou eufórica, idealizada por ambos os times, pois é a marca do triunfo e a consagração do time na sociedade.Porém, por se tratar de uma competição, o segundo sentido fundamental é a derrota, categoria
qualificada como negativa ou disfórica, uma vez que ambos os times tentam evitá-la, pois se trata da concretização da falha do ser humano. No entanto, esses dois sentidos semânticos só são estabelecidos ao término do jogo, pois se trata do que é visado por ambas as equipes.

Referências

CAILLOIS, R. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Tradução: José Garcez Palha. Lisboa: Cotovia, 1990.
COURTÉS, J. Introdução à semiótica narrativa e discursiva. Tradução: Norma Backes Tasca. Coimbra: Livraria Almedina, 1979.
FONTANILLE, J. Semiótica do discurso. Tradução: Jean Cristtus Portela. São Paulo: Contexto, 2007.
HUIZINGA, J. Homo ludens. Tradução: João Paulo Monteiro. 4ºed. São Paulo: Perspectiva, 2000.
PASANI, C. Pequeno dicionário de sociologia. Campinas: Autores Associados, 2018.