Resumo
As discussões em torno do tema comunidade têm sido recorrentes devido, particularmente, às implicações do modo de vida contemporâneo que acentua valores como o individualismo. Do ponto de vista conceitual comunidade é muitas vezes limitada à associação com grupos carentes, desconsiderando uma série de questões imbricadas no contexto, como o território, as relações entre as pessoas e a organização de grupos. Essa discussão é relevante também na área da saúde, pois ao lidar com a comunidade supõe-se que diversos fatores operam e coexistem e podem estar vinculados a atuação dos profissionais específicos. Assim, o objetivo dessa pesquisa foi compreender o trabalho em saúde e as práticas corporais a partir da comunidade, tanto do ponto de vista conceitual como das relações que a constituem, para encontrar elementos que possam orientar nossos saberes e práticas. A investigação, de natureza qualitativa, compreendeu duas etapas: a primeira, com profissionais coordenadores de equipe de saúde da família de cinco UBSs, do Distrito Butantã/SP, totalizando 22 entrevistas; a segunda, com a observação da comunidade COHAB Raposo Tavares e das atividades desenvolvidas, especialmente com as práticas corporais, em seu Centro Comunitário. As entrevistas mostraram como principais desafios: superar a herança do modelo de atenção à saúde centrado no referencial biomédico e criar estratégias para lidar com a complexidade das dinâmicas familiares e dos problemas dos territórios. Os dilemas estiveram presentes no vínculo com a comunidade, variando entre uma aproximação positiva, de modo mais frequente, e o excesso dela; e, na composição das orientações, entre conhecimento técnico e modos de viver, valores e crenças das pessoas. As observações no Centro Comunitário indicaram, a despeito dos problemas que os moradores enfrentam, um potencial nos modos de ser da comunidade, sobretudo em relação ao apoio e a ajuda mútua. As práticas corporais não aparecem com destaque entre as ações, entretanto elas existem e se relacionam aos aspectos social e educativo, e sugerem a importância das atividades cotidianas e das relações estabelecidas entre as pessoas, reforçadas pela convivência no bairro, independente da faixa etária. É preciso considerar ainda o espaço do bairro para as práticas corporais, onde elas acontecem de maneira mais informal e espontânea. A referência da comunidade para pensar o trabalho em saúde e as práticas corporais orienta sobre os caminhos para um fazer mais compartido, reconhecido não só como uma técnica para obter resultados e mudanças que almejamos com as intervenções, mas, sobretudo, para ressignificá-las em meio à vida das pessoas e a maneira com que vemos nós mesmos no exercício profissional de convivência com o outro. O desafio que se coloca, portanto, não é pequeno, haja vista as dificuldades apontadas pelos profissionais nas entrevistas, mas que também expõem o valor do processo cotidiano de trabalho e das intervenções que fortalecem as relações entre profissional, serviço e comunidade. Potencial que se mostra possível diante dos modos de ser da comunidade COHAB Raposo Tavares, que nos ensinam sobre a possibilidade de uma existência a partir de relações e valores mais solidários