Aprendizagem de Habilidades Motoras Ii: O Que Muda com a Prática?
Por Jefferson Thadeu Canfield (Autor).
Em Revista Brasileira de Educação Física e Esporte (até 2003 Revista Paulista de Educação Física) v. 14, n 3, 2000. Da página 72 a 78
Resumo
Partindo do entendimento de que o movimento humano pode ser visto em diferentes níveis de análise, esse ensaio pretendeu oferecer uma reflexão filosófica na tentativa de explicar como ocorrem as mudanças no processo de aprendizagem motora. Essa reflexão está pautada no entendimento do conceito de intencionalidade e na proposta de complementaridade entre as seguintes questões: a) como um ato motor é executado?; b) por que alguém executa um ato motor? Nesse sentindo, discutindo diferentes abordagens baseadas em autores como Gibson, Reed, Jong, Vygotsky e Mead, optou- se pelo entendimento de intencionalidade como algo que torna menos rígido o acoplamento entre organismo e ambiente, posto que esse conceito refere- se à habilidade do indivíduo agir de modo relativamente independente do objeto visual existente. Essa interpretação contrasta com a abordagem da percepção- ação, e vai ao encontro das idéias de Jong e Vygotsky.
Integra
Das possíveis respostas, relacionadas a níveis de abordagem, optamos pela reflexão filosófica, e, assim fazendo, defenderemos que as mudanças ocorrem na intenção, no significado.
Defendemos, também, que o entendimento sobre o movimento humano deve ser uma resultante da atividade acadêmica, produzida sob diferentes perspectivas, diferentes níveis de análise. Há distintos quadros de referências, através dos quais o movimento humano pode ser considerado: macro (sócio- histórico- filosófico); micro (físico- biológico); mecânico, orgânico, pessoal (Shotter, 1975); processual, funcional (Buytendijk, 1977).
Nosso viés elege o nível macro (e entendemos que filosofar não é exclusividade de filósofos) como orientador desta reflexão. Outras perspectivas dariam respostas distintas, identificando mudanças na conexão estímuloresposta, no programa motor, no esquema motor, nas estruturas coordenativas, na modularização, nas estruturas hierárquicas, entre outras.
Ao buscar afinidades entre as categorizações, corre- se o risco de obscurecer as visões diferentes e específicas nelas contidas. Mesmo assim, o faremos, mas com a convicção de que existem complexidades epistemológicas e antropológicas que, como armadilhas, dificultarão esse caminhar.
Definida a abordagem, identificada a resposta, através de conceitos pertencentes ao campo de estudos da filosofia, elegemos as questões filosóficas básicas que nortearão esta reflexão:
- O que isto (termo, conceito, fenômeno) realmente significa?
- Se e como isto pode ser confirmado?
A primeira questão relaciona- se ao que queremos dizer, quando nos referimos aos termos intencionalidade, significado, habilidades motoras, mudanças com a prática?
Para a segunda questão - se e como isto pode ser confirmado (o que muda com a prática), identificamos dois métodos familiares de confirmação:
- empírica - baseada na experiência, na coleta de informações, onde os procedimentos científicos representam as formas mais sofisticadas e sistematizadas de empirismo;
- conceitual - a confirmação por argumentos ou raciocínio relacionado com o significado dos termos em questão. A confirmação conceitual também envolve a descoberta sobre o mundo, mas não pela investigação, se isto implica na coleta de informações adicionais.
Decidimos pela utilização do método conceitual como o mais apropriado para essa temática, uma vez que o método empírico não seria aplicável, considerando- se que ele trata de explanações em termos de causas e não em termos de razões.
A interpretação científica é aceita como predominantemente causal, contrariamente, uma característica importante de uma explanação baseada nas razões, consiste na indicação do significado de uma ação ou objeto, ou, o que é isto, ao invés do que, o que causou isto.
Todavia não se quer dizer que somente algumas ações humanas são passíveis de investigação científica. A questão é que nem todas as questões sobre as ações humanas são questões científicas, abertas à investigação empírica. Entretanto, é importante reconhecer que nem todas as questões sobre o comportamento são questões empíricas. Para cada ação humana é possível, em princípio, proporcionar explicações em termos de causas e razões, e somente o primeiro tipo de explicação está dentro da província da ciência.
Na realização de uma tarefa motora, se perguntarmos: por que se fez aquilo? Não estaremos, certamente, solicitando uma explicação causal, que seria buscada na fisiologia ou na biomecânica. A questão, claramente, busca uma razão ou o significado para a ação.
Em relação ao conteúdo intencional, a questão “como” alguém executa um ato, deve ser complementada pela questão “por que” alguém executa um ato motor (Canfield, 1991).
Considerando que os movimentos da dança dependem de uma interação causal entre ossos, músculos e articulações, um fisiologista pode sugerir formas de como um dançarino pode melhorar seu desempenho. Mas, tais fatores causais seriam irrelevantes para as razões de um julgamento estético do seu desempenho na dança.
Embora haja condições causais necessárias para expressões artísticas, não é o mesmo que dizer que elas são suficientes, ou que a qualidade artística é constituída por tais fatores causais. Para tratar de um significado artístico ou de um julgamento estético, há necessidade de um tipo de explanação diferente.
Admitimos que não é preocupação da filosofia do movimento humano saber qual a atitude de treinadores esportivos, ou quais os métodos mais efetivos de ensino das tarefas motoras, mas refletir sobre o que é o esporte, o que é o movimento humano, qual o significado/ intencionalidade do movimento humano.
Trataremos, a partir daqui, dos conceitos envolvidos na temática.
O conceito de intencionalidade (que abrange o significado como um tipo de intencionalidade) é considerado assunto chave na Filosofia da Mente contemporânea (Looren de Jong, 1991) e a ele dedicaremos grande parte de nossa reflexão.
Assumiremos que habilidades motoras (termo estabelecido na temática) são fatores do movimento humano e, somente para este propósito, não são diferentes de padrões e destrezas motoras (Canfield, 1995). O conceito de movimento, não sendo inequívoco, permite especular a existência de uma distinção entre movimento e ação.
O uso do termo movimento, na abordagem motora (Reed, 1982), identifica- o como um deslocamento espaço- temporal do corpo ou de suas partes, enquanto que movimento, vinculado a abordagem de ação (Reed, 1982), articula a conexão corpo- mundo, defendida por MerleauPonty.
Vinculando a classificação de Reed (1982) com a visão de corpo, encontramos em Tamboer (1988) a proposta de um corpo substancial e um corpo relacional. O corpo substancial incorpora o conceito de movimento (causal- empírico) e o corpo relacional, o conceito de ação (intencional- conceitual).
Embora o deslocamento das partes do corpo substancial sempre envolvam uma mudança de posição, em relação ao meio ambiente, esse meio é visto como um mundo externo que pode ser entendido e descrito independentemente desse deslocamento. O movimento humano, na visão do corpo substancial, é considerado um meio para atingir alguma outra coisa.
Em contraste com a imagem de corpo substancial, a imagem do corpo relacional deve ser interpretada em termos de uma relação inerente ao corpo, reconhecida como: conhecendo-o-mundo-em-ação.
De acordo com esse ponto de vista, corpo e mundo não podem ser definidos independentemente um do outro. Há, sim, uma cadeia de relações intrínsecas – relações de significados.
Essa relação assume que o meio ambiente não deve ser considerado um mundo externo neutro, mas um mundo que se refere à intencionalidade da pessoa em ação.
Para Searle (1983), muitas espécies possuem percepção sensorial e ações intencionais. Os primatas têm crenças, desejos e intenções, mas talvez só os humanos possuem uma forma particular de intencionalidade associada com o significado.
O significado requer um contexto. O significado de uma ação particular não pode ser explicado pela estreita visão do movimento físico isolado. O significado é dado pelo contexto da ação onde o movimento é uma parte. Assim, um mesmo movimento físico pode ter diferentes significados, isto é, podem haver diferentes ações em diferentes contextos (Best, 1978).
Devemos também considerar as conceitualizações de Wieringen (1988), que destaca a distinção entre destrezas naturais e culturais. Em destrezas naturais a ênfase pode ser maior na exploração das estruturas coordenativas e sua adaptação à tarefa. Desta forma, tarefas naturais podem ser menos dependentes de envolvimento cognitivo na prescrição para a ação. Entretanto, deve- se salientar que muitas das destrezas motoras aprendidas pelo homem são mais adequadamente referidas como culturais e não naturais.
Na análise do conceito de intencionalidade, Brentano citado por Looren de Jong (1991) propõe dois aspectos:
- “psicológico” – habilidade da mente referir a alguma coisa fora de si – estar relacionada a algo, assim, distingue o mental do físico. Nesta visão, o mundo é dividido em duas categorias, mutuamente exclusivas “mental” e “física”;
- estatus ontológico do objeto intencional – o objeto intencional não é necessariamente idêntico ao objeto real que está fora da mente.
A mente, nas teorias representacionais, é um tipo de domínio interno de representação simbólica, um estado além ou acima do mundo físico. A psicologia ecológica, por sua vez, assume a importância da intencionalidade mas sem representação. Os conceitos originados em teorias, princípios distintos, permitem identificar indícios de afinidade ou possibilidade de coerência da análise da intencionalidade/ significado através das abordagens do movimento, direcionadas à Abordagem Ecológica, Teoria da Ação, Teoria dos Sistemas Dinâmicos. Num primeiro momento, esta lógica nos encaminhou para a análise crítica da intencionalidade na teoria dos sistemas dinâmicos (Canfield, 1991).
Para Canfield (1991), na proposta Neo- Gibsoniana, a combinação da abordagem ecológica com princípios explanatórios derivados da física, abre flancos para uma crítica de só descrever e não explicar o comportamento. É preciso, cremos, verificar o papel da intencionalidade na estrutura da ação do comportamento motor e não somente na descrição da ação. Gibson (1986) afirma que o que nós percebemos é significativo, estabelecendo que o significado não é alguma coisa a ser incorporada ao organismo, durante o processo de percepção, mas que ele está lá, simplesmente lá, na “affordance”. Assim, perceber “affordances” é perceber significados.
Em muitos casos, o ajuste entre o organismo e o meio está longe de ser perfeito, conseqüentemente o organismo precisa aprender a adaptar- se ao seu meio. Mas como é esta “affordance” aprendida?
Dentro da hipótese da “affordance”, a percepção é um convite à ação e a ação é um componente essencial à percepção. Entretanto, a proposição de Gibson de que toda a percepção pode ser entendida sem apelar para mediações lingüísticas ou culturais é problemática.
A proposta Gibsoniana pode ter dificuldade em explicar desempenho em dança, onde a meta não é relacionar- se com o meio ambiente em uma forma particular, mas através do meio.
É importante ressaltar que a definição de intencionalidade em Kugler & Turvey (1987) – relação direta com o meio, é muito estreita para cobrir as intenções de um dançarino. A informação que orienta as ações do dançarino não é restrita à informação, no sentido da especificidade, que é o conceito de informação em Kugler & Turvey (1987).
Embora Kugler & Turvey partam de um pressuposto de ação (Reed, 1982; Turvey, 1977), eles operam dentro da extensão da imagem do corpo substancial de Tamboer (1988).
Parecem, também, operar no nível orgânico (Shotter, 1975), onde não há distinção entre animais e humanos, na tentativa de explicar intencionalidade.
Este é outro ponto de crítica: o uso de animais para construir uma teoria que aborda o movimento humano.
Kugler & Turvey são reducionistas nas suas tentativas de naturalizar intencionalidade. Seria possível naturalizar a intencionalidade, se os homens fossem somente seres naturalísticos.
Revisitaremos a intencionalidade/ significado nas abordagens de Gibson, de Reed, Looren de Jong, Vygotski e Mead relacionando- os com os autores até aqui mencionados, que trataram implícita ou explicitamente destes conceitos.
Uma ação (Reed, 1982), em oposição ao movimento físico, somente pode ser entendida em termos de um contexto, embora este possa ser implícito.
Um mesmo movimento físico pode contar com um infinito número de ações, de acordo com diferentes contextos. Por exemplo, o movimento físico envolvido na assinatura, pode ter várias ações intencionais. Ao assinar um cheque, pode- se fazê- lo para uma doação, comprar um carro, pode ser feita para assinar um protesto, pode ser a assinatura de um contrato de emprego. Em nenhum destes casos pode uma explicação científica dizer- nos qual é a ação, embora possa nos dar uma base causal do movimento.
É o contexto que determina a diferença entre duas ações intencionais. Quando um movimento é executado isoladamente, embora claramente reconhecível, sua característica somente é dada pelo contexto normal de sua ocorrência.
A prática de habilidades motoras em contextos distintos produz mudanças nos significados. O mesmo movimento físico pode ter diferentes significados, isto é, pode ter diferentes ações, em diferentes contextos.
Nós percebemos o significado do movimento, porque nós o assumimos sob um conceito que é determinado, com algum grau de tolerância, pelo conjunto de circunstâncias nas quais ele ocorre. Assim, o significado e o sentimento de um movimento na dança é bem diferente do significado e sentimento do mesmo movimento considerado do ponto de vista puramente físico.
A formulação de intencionalidade, em Brentano, apresenta uma dificuldade à visão ecológica (Gibson, 1986), onde o conceito de percepção direta (a captação da informação na luz que especifica totalmente o ambiente) parece excluir a consciência de objetos ausentes ou abstratos.
Reed (1983) propõe o que ele chama de visão específica de intencionalidade em substituição à visão representacional, definindo intencionalidade da percepção como a habilidade do organismo em apreender objetos do meio ambiente. Esta visão, entretanto restringe a intencionalidade à percepção direta.
Como Reed (1983) parece acreditar, a explanação de intencionalidade em termos de uma relação nominalista (teoria de que somente existem entidades individuais e não entidades abstratas), é insuficiente.
Looren de Jong (1991) propõe uma redefinição de intencionalidade.
Na abordagem representacional (epistemologia Cartesiana), onde o conhecimento é construído como uma representação interna (espelho), correspondente à realidade externa (Rorty, 1980), permanece, na interpretação de Looren de Jong (1991), sem dar resposta a Brentano, quando este critica a dicotomia entre coisas existentes na mente e coisas existentes no mundo. Parece que uma redefinição da mente é necessária. Esta redefinição deveria ser em termos funcionais, em termos do que o organismo faz no seu meio ambiente. Nesta abordagem naturalista, a mente deveria ser construída como uma conexão do organismo ao mundo, vista como um algo que antecede a função ao invés de algo existente num mundo interior.
Revisando a definição de Brentano, Looren de Jong (1991) estabelece que a intencionalidade é um estado de um indivíduo que está planejando, ou tem expectativas de ação, relacionadas a algumas condições que não estão imediatamente presentes. A habilidade de levar em conta entidades, não imediatamente disponíveis no campo visual, parece ser uma característica crucial nesses processos normalmente chamados intencionais. Isto implica em que a intencionalidade começa, onde o acoplamento direto do organismo com o meio termina.
Este desacoplamento é uma característica importante da proposta de Vygostki para o desenvolvimento da percepção, e encontrada de forma rudimentar na teoria da percepção mediada de Gibson.
Gibson é mais conhecido pela sua teoria de percepção direta – a captação imediata da informação disponível no campo visual, sem intervenção de processos cognitivos representacionais. Pouco conhecido é o que ele disse sobre percepção indireta e representações. Uma das maiores diferenças entre Gibson e alguns de seus seguidores, como Shaw e Turvey é o fato destes desconsiderarem os processos indiretos e representacionais.
Gibson (1982) admite que a percepção indireta pode ser mediada por instrumentos, por figuras, ou por descrição verbal. Os mediadores ajudam a aguçar a percepção, a fixar os resultados da percepção, transmitindo o conhecimento adquirido e são intrinsecamente sociais por natureza. Como notado por Reed (1987a), estas idéias sobre representação são similares às de Vygotski, embora este tenha ido mais longe que Gibson, ao descrever a internalização das ferramentas psicológicas que estruturam a percepção, dentro de um sistema funcional de interação com o meio ambiente, como base para o desenvolvimento mental. Em contraste com seus seguidores, Gibson deixou aberta a possibilidade de uma forma de desacoplamento entre a consciência e o campo visual.
Em sua preocupação com as formas de consciência não perceptiva, como a imaginação, a consciência de coisas não imediatamente presentes, Gibson (1986) tentou explicar a operação de sistemas perceptivos sem as restrições do fluxo de estímulos, em outras palavras – a informação separada do estímulo. Isto significa que Gibson admite a possibilidade do organismo operar na ausência de estímulos presentes.
Looren de Jong (1991) sugere que a visão de internalização de Vygotski (sobre as quais Gibson tinha dúvidas) pode ser construída como um complemento à noção de mediação, comum a ambos.
Para sumarizar a noção de internalização em Vygotski, podemos dizer que uma criança, ao envolver- se na solução de problemas, inicia usando estratégias para dar suporte ao seu pensamento, memorização e percepção, e esses constituem- se num tipo de ferramenta psicológica que auxilia e reestrutura a atividade mental. Num primeiro estágio de desenvolvimento, a criança usa signos externos (p. ex. cartões coloridos), mais tarde, estes auxílios são internalizados e a tarefa pode ser realizada sem os signos externos, constituindo um processo cultural. Todas as funções mentais superiores são, inicialmente, interpessoais (mostradas e ensinadas pelos pais ou professores), tornando- se, depois, intrapessoais.
Enquanto a teoria de representação de Gibson é restrita ao nível interpessoal, Vygotski acrescenta uma dimensão intrapessoal de internalização dessas ferramentas psicológicas. Ações externas são transformadas em funções internas.
Gibson e Vygotski vêem a percepção mediada como uma extensão da percepção direta, onde as ferramentas ajudam a refinar e estruturar a percepção.
A mediação (Bruner, 1962) é a capacidade de estabelecer estruturas significativas com a intenção de ver coisas com mais profundidade e simplicidade. Também, a capacidade de criar estruturas de ordem superior, que efetivamente substituem e dão mais poder às estruturas conceituais já alcançadas, conduzindo a aprendizagens superiores. Essas aprendizagens superiores permitem mais graus de liberdade na interpretação das coisas do meio ambiente e no controle da ação.
A posição de Vygotski, sobre o jogo na criança, é uma ilustração interessante deste acoplamento menos direto e rígido entre o organismo e o meio ambiente. Durante o jogo, coisas podem estar no lugar de outras coisas: é da essência do jogo que uma nova relação é criada, entre o campo do significado e o campo visual, isto é, entre a situação imaginada e a situação real. Portanto, as coisas perdem sua força determinante e a criança fica apta para agir independente do que ela vê. Neste sentido, o jogo ocupa uma posição intermediária entre a total dependência das restrições situacionais, onde o significado é fixado pelas affordances do meio (características da criança jovem e as funções naturais), e uma quase total liberdade de situações características do pensamento simbólico e do pensamento conceitual abstrato.
Independente dos méritos da análise de Vygotski, como uma teoria completa do jogo, ela parece capturar alguns aspectos essenciais de uma teoria naturalística do significado. O significado não é imposto por estímulos sensoriais intrínsecos desprovidos de significado, como nas teorias representacionais de percepção. O significado pode ser internalizado e significados podem ser destacados a partir das ações.
Na visão de Vygotski (método histórico- genético), intencionalidade não é uma propriedade intrínseca inata de um domínio mental indefinível, mas uma função desenvolvida a partir de formas mais naturais e simples de interação organismo- meio.
A análise do gesto, em Vygostki, permite identificar paralelismo com o interacionismo simbólico de Mead citado por Jong (1991).
O conceito básico do interacionismo simbólico de Mead é o gesto. O movimento gestual implica numa mutualidade no significado dos signos entre atores. Uma vez que o significado de um signo surge da reação de uma outra pessoa, o significado não pode ser uma entidade mental subjetiva, mas, “... o significado existe antes da consciência do significado, principalmente na estrutura objetiva de uma relação ativa de um organismo com um determinado componente de seu meio” (Joas, 1985, p. 116).
Para Mead, como para Vygostski e Gibson, o papel dos signos é o de aguçar a percepção e controlar o comportamento. Segundo Mead (1934), os signos são meios para captar os aspectos relevantes da situação. O significado é visto como uma relação organismo- meio ao invés de uma entidade mental. Neste aspecto, aproximase da abordagen ecológica em termos de affordances.
Gibson, Vygotski e Mead compartilham uma abordagem não- reducionista, funcionalista da mente, focalizando a capacidade do organismo em adaptar- se e também mudar seu ambiente. A ênfase de Mead é no controle da conduta, através de ações gestuais e signos. Gibson preocupou- se com o controle da ação pela percepção: “... a percepção é controlada pela busca de affordances do meio e, o comportamento é controlado pela percepção destas affordances” (Gibson, 1974, 1982). Vygotski também considera um certo grau de controle interno, mas no sentido de uma independência relativa do objeto presente no meio.
Gibson, Vygotski e Mead consideram a mente pela ótica de um processo de controle para interações organismo- meio, enquanto que a tradição Cartesiana considera a mente um depósito de imagens ou proposições com relações problemáticas com o mundo.
As idéias de Vygotski podem ser consideradas um suplemento do trabalho de Gibson. A teoria da percepção indireta de Gibson se assemelha ao conceito de mediação de Vygotski.
Na prática de habilidades motoras, além das mudanças mecânico- orgânicas (referência causal) ocorrem mudanças que podem ser explicadas em termos de razões, identificadas pelos conceitos de intecionalidade/ significado. Das concepções relativamente contrastantes, contidas nas visões naturalísitcas e representacionais, concordamos com Looren de Jong (1991) que propõe, a partir de Young (1987), definir intencionalidade como uma habilidade de agir de forma relativamente independente do objeto visual existente. Sugere, também, que o conceito de internalização de Vygotski proporciona algumas pistas em direção a um conceito naturalista de intencionalidade, onde haverá um acoplamento menos rígido entre o organismo e o meio.
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