Artes Marciais Como Expressão Corporal e Qualidade de Vida
Por Luiz Alves Netto (Autor).
Em VII EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
A prática das artes marciais melhora o desempenho intelectual e o inter-relacionamento pessoal, a medida que alicerçada na rígida disciplina oriental, aliada a princípios filosóficos milenares, exigem grau elevado de atenção e concentração na execução de tarefas de superação, consideradas impossíveis para os leigos. Assim funciona o principio de profundo respeito e gratidão que o discípulo tem em relação ao mestre, que se sente realizado com o progresso do aluno, formando uma perfeita simbiose filosófica, física e sociocultural.
Apresentamos alguns princípios legais que orientam para a qualidade de vida e implicam no ensinamento das artes marciais como objetivo.
A qualidade de vida está prevista na constituição federal art 6º, 196, 205, 206 II e VII, 215 § 1º, 216 III, 217 I.
"DOS DIREITOS SOCIAIS
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção, à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição."
"DA SAÚDE
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."
"DA EDUCAÇÃO
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
...
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
...
VII - Garantia de padrão de qualidade."
"DA CULTURA
Art. 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso as fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§1º. O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência a identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações artísticas e tecnológicas;
..."
"DO DESPORTO
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, ...
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes ou associações, quanto a sua organização e funcionamento;
..."
Sobre a ação do Conselho Regional de Educação Física - CREF, este deveria ater-se aos pressupostos dos art. 215§º1º, 216 III e 217 I, e se a preocupação é com a qualidade do ensino das artes marciais, a entidade fiscalizadora deveria fomentar, junto as autoridades competentes, o oferecimento da cadeira de artes marciais nas suas variedades, para que os alunos do curso de Educação Física pudessem fazer a opção pelo desporto de combate que mais lhe conviesse e assim, cursá-lo durante o período de formação, onde sairia capacitado naquela arte. Assim, o objetivo almejado seria alcançado, de modo que a população escolheria na prática do desporto, sob a orientação de um profissional de educação física, em detrimento daqueles instrutores menos qualificados. Seria incentivo para os práticos das artes marciais a ascensão ao curso superior de Educação Física ocorrendo a seleção natural do mercado de trabalho.
O Cref e as artes marciais
Com a criação do Conselho Federal de Educação Física, foram criados os conselhos regionais, inclusive o da 1ª região, compreendendo o Rio de Janeiro e o Espírito Santo.
A legislação não é muito clara em vários aspectos, principalmente no que diz respeito a professores de educação física capacitados em artes marciais.
Há uma enorme confusão em se definir a atividade do professor de Educação física e o instrutor de artes marciais.
Como órgão fiscalizador deve ater-se na vigilância de exercício profissional, deixando o BUDÔ para aqueles que filosoficamente estão engajados naquela disciplina (modo de viver)
Modalidade a ser praticada.
A pessoa deve visitar vários DOJOS, para que possa construir o pensamento crítico, escolhendo a modalidade que mais lhe agrada e se adapta ao seu perfil fisiológico. A partir daí, deve dedicar-se a prática do desporto a princípio como recreação, e se houver identificação, pode dedicar-se à performance competitiva
Faixa etária
Não há limite de idade, respeitados as condições que se possa traçar um plano de treinamento individualizado, de acordo com a liberação médica. Porém aconselha-se a iniciação à partir do 7 (sete) anos, sempre atento para o perigo de lesões nos centros de crescimento evitando-se sobrecarga e utilizando-se de metodologia lúdica direcionada para os princípios técnicos. Somente à partir dos 12 anos, deve-se iniciar a especialização do movimento, quando o desenvolvimento neuromotor já está estruturado.
Local e prática do desporto
O Karate pode ser praticado num espaço físico plano, firme, não escorregadio, arejado e que permita a execução dos movimentos em sua total amplitude. Não é obrigatório o uso de tatames, porém este são bastantes úteis para a segurança dos atletas, principalmente crianças e idosos, em caso de queda acidental.
Objetivo
Tanto para os tímidos como para os hipercinéticos, o Karate propicia um vínculo social pela cooperação nos treinamentos resultando em maior segurança e autocontrole.
A disciplina e concentração constante no BUDÔ favorece o desenvolvimento dos fatores psicomotores da tonicidade, equilíbrio, lateralidade, noção do corpo, estruturação espaço temporal e as praxias global e fina, a saber:
Tonicidade: Organização tônico-motora do interior para o exterior, como suporte da motricidade.
Lateralização: Treinamento para a integração bilateral postural, sem anular a dominância lateral, preparando o aluno para as abordagens de ambos os lados.
Noção do corpo: indispensável para aprendizagem psicomotora e noção de limite das funções do corpo.
Percepção espaço-Temporal: Relação do corpo com objetos e ou na prática do Karate, decorre da relação lateralização e noção do corpo.
Praxias Global e Fina: Tarefas motoras seqüenciais complexas com a utilização de vários grupos musculares com integração sensorial e psicomotora, evoluindo para micromotricidade de precisão e perícia manual aliada a coordenação de movimentos oculares durante a fixação da atenção, como por exemplo, durante um combate ou arbitragem.
A Expressão Corporal: Os movimentos harmônicos dos Katas refletem a expressão corporal do BUDOKA em combate. Embora, simulado, transmite perfeitamente as reações sofridas pelo corpo durante um ataque ou defesa, dependendo da intensidade, velocidade e ou força aplicadas em cada movimento, têm-se perfeitamente a tradução cerebral da coreografia, sendo perfeitamente acompanhado pelo leigo.
Qualidade de vida: É público e notório os benefícios decorrentes da prática de exercícios físicos, principalmente se devidamente orientados. O Karate, numa visão mais ampla, pode atingir aquele objetivo, de forma criativa, não repetitiva e com múltipla finalidade, fugindo da rotina formal das aulas de ginástica e ainda proporcionando ao praticante a aquisição de conhecimentos técnicos de autodefesa.
Alguns professores de ginástica vêm utilizando em suas aulas, movimentos próprios de artes marciais, muito provavelmente sem o conhecimento técnico e fundamentos essenciais à sua execução.
Assim, os cursos de educação física deveriam disponibilizar, para seus alunos, como matérias opcionais, a partir do 1º período, dando condições ao aluno de ao final do curso, graduar-se como "faixa preta" ou professor na modalidade, após exame regular aprovado pela competente federação desportiva.
Aliada aos fatores psicomotores estão as qualidades físicas de flexibilidade, destreza, velocidade, força, potência etc..., necessárias ao desporto em questão.
Cuidados na prevenção de lesões
Estes cuidados devem ser tomados com relação a prática de qualquer desporto, através de aquecimento e alongamento apropriados, onde deve-se enfatizar as articulações e grupamentos musculares mais exigidos no Karate
Anaminase e acompanhamento médico
Todo professor deve ter em mente a grande responsabilidade que é trabalhar com o corpo humano, e principalmente com exercícios físicos. Assim, antes da prescrição de qualquer exercício, o profissional de Educação física deve solicitar ao aluno que consulte seu médico informando, aquele que pretende praticar um determinado desporto, com certeza o médico irá indicar uma atividade física alternativa àquela em que o aluno está fisicamente impedido. Jamais o profissional deve ouvidar este cuidado, sob pena de responsabilidade aos danos físicos que venha a causar ao aluno.
Doutrina do dojo
Como demonstrado anteriormente, o Karate, como arte marcial, está também perfeitamente integrado a filosofia da qualidade de vida, conforme se vê nos princípios do DOJO KUN (doutrina DOJO) STOST - JINKAKU KANSEI NI TSUTOMORUKOTO - Esforçar-se para formação de caráter
STOST - MAKOTO NO MICHIO MAMORUKOTO - Fidelidade para com o caminho da razão
STOST - DORIOKU NO SEISHIONO O YASUNAURUKOTO - Criar o intuito de esforço
STOST - REIGUI O OMOZURUKOTO - Respeitar acima de tudo
STOST - KEKI NO YOO IMASHIMURUKOTO - Conter o espírito de agressão
( GICHIN FUNAKOSHI )
Conclusão
O trabalho apresentado não tem o condão de tomar para o Karate o privilégio da conveniência e unir a expressão corporal com a qualidade de vida. Antes, é uma proposta embrionária para a exploração técnico-científica e filosófica que englobam as artes marciais como um todo, evitando a proibição de seus ensinamentos pelos não graduados em educação física, mas pelo contrário, difundindo sua arte nas universidade e restaurando as origens do Karate moderno do Sensei Funakoshi que era praticado nas universidade e tenha como exigência na formação de um faixa preta, um diploma universitário. Deve-se priorizar o ensinamento como um todo, sem discriminação, deixando para aqueles que têm anseio de conhecimento evoluírem na pesquisa científica do desporto.
O autor, Luiz Alves Netto é acadêmico do Curso de Educação Física da Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO , Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas, Advogado e Faixa Preta 4° DAN de Karate SHOTOKAN
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