Integra

 Velho, caduco, gagá, inútil, coroa, quadrado, ultrapassado, da antiga, do arco da velha, da velha guarda... Todos nós já nos deparamos, pelo menos uma vez em nossas vidas, com um dos rótulos ou expressões estigmatizantes a respeito dos idosos, seja rotulando um familiar, um colega de trabalho ou a nossa própria pessoa. Para envelhecer não é necessário noventa anos é necessário sim o desuso, o fazer que pareça velho, o obliterar-se.


 Elza Berquó, em 1996 nos alertava sobre a grande população de idosos que iríamos encontrar em nossas cidades no século XXI, para ela na virada do século o Brasil teria 82% de seu contigente de idosos vivendo em cidades, chamava atenção das cidades e pedia que elas se aparelhassem no intuito de oferecer recursos de várias ordens demandados para os idosos. Hoje, continuamos assistindo ao descaso com idoso. Dado a diminuição na taxa de fecundidade e da mortalidade mundial, a tendência é que o mundo envelheça (IBGE,1998), sendo cada vez mais necessário que os órgãos públicos, os formuladores de políticas sociais e a sociedade de maneira geral, se interessem pela questão do idoso.


 Os interesses econômicos se sobrepõem as necessidades das pessoas, os idosos são vistos como encargos que a sociedade tem de cumprir. Não se pensa nos idosos pela experiência de anos de trabalho, e sim pela incapacidade de produção, capacidade esta determinante numa sociedade capitalista. Assim, não respeitamos o idoso como cidadão historicamente construído e inserido na sociedade em todas as suas instâncias, a começar pela família que o renega e o trata à margem de suas decisões quotidianas.


 Para Renato P. Veras (1994) "na velhice, a manutenção da autonomia está intimamente ligada à qualidade de vida" (1). Consideramos que envelhecer com qualidade de vida, rompendo barreiras impostas por uma sociedade produtivista, que se utiliza e explora o homem no momento que ele está inserido no processo de produção, é um exercício de cidadania e que pode e deve começar a ser percebido já na fase escolar.


 A promoção da saúde põe ênfase na questão da autonomia, que "representa nível de liberdade ou independência que o indivíduo apresenta para suprir necessidades básicas de seu cotidiano, sem precisar recorrer ao auxílio de terceiros" (Castanheira, Teixeira e Lima, 1990).


 A promoção da saúde pode ser vista como uma resposta às críticas ao conceito de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) "como um completo bem estar físico, mental e social e não apenas como ausência de doenças". Esta concepção é criticada por seu caráter estático e subjetivo, pela sua limitação à esfera individual e a não referência a dois outros fatores que afetam a saúde como o meio ambiente e a transcendental propriedade da mente humana. Consideramos saúde como resultado de multifatores não somente como relação causal com a atividade física, mas como resultado das condições de habitação, renda, trabalho, alimentação, lazer, acesso aos serviços de saúde, acesso e posse da terra, etc. ( Faria Júnior,1991).


 A lei de diretrizes e bases da educação (LDB) sustenta que o compromisso por excelência da escola brasileira é com a construção da "cidadania" (Brasil, 1997). E segundo os parâmetros curriculares, os alunos devem conhecer, organizar e interferir no espaço de forma autônoma, bem como reivindicar locais adequados para promover atividades de lazer, reconhecendo-as como uma necessidade básica do ser humano e um direito do cidadão"(Brasil, 1997b).


 Na área da educação, a lei que trata da política nacional do idoso, tem como uma das ações governamentais inserir nos currículos mínimos, nos diversos níveis de ensino formal, conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de forma a eliminar preconceitos"(BRASIL,1996).


 A disciplina Educação Física na escola tem como um de seus propósitos incluir questões que aproximem o ensino da educação física e a prática de atividades físicas com a vida cotidiana, tratando de um tema ausente nos currículos escolares que é o de preparar também os jovens para compreender e refletir sobre o envelhecimento da sociedade brasileira.


 O envelhecimento enquanto um processo multidimensional merece uma abordagem multidisciplinar, propiciando condições aos jovens de conscientizarem-se, preparando-os para enfrentar questões impostas por barreiras cronológicas e discriminatórias (BRASIL,1997b). Desmistificando o envelhecimento e fazendo com que os alunos incluam a atividade física como prática permanente, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida, agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva.


 Os Parâmetros Curriculares consideram como fundamentais as atividades culturais de movimento com finalidade de expressão de sentimentos, afetos e emoções e com possibilidades de promoção, recuperação e manutenção da saúde. Desta forma a proposta é de se desmedicalizar a saúde, incorporando então a educação para a saúde, considerada como uma categoria pedagógica.(ibid.).
A escola, os alunos e o bairro que fizeram parte deste trabalho


 O Instituto Educacional Teixeira Carelli Leite é uma escola particular, situada no município de Nova-Iguaçu/RJ, tendo aproximadamente seiscentos alunos, divididos no ensino infantil, ensino fundamental e médio, que estudam nos turnos da manhã e da tarde. A Educação Física curricular é ministrada apenas no segundo segmento do ensino fundamental (5º a 8º série), a escola não segue nenhum critério de seleção de conteúdo para a disciplina, apenas faz exigência quanto as avaliações bimestrais que devem ser divididas em três etapas: um trabalho, uma prova teórica e uma prova prática, o que de certa forma permite ao professor desenvolver práticas pedagógicas tendo em vista seus compromissos políticos com os alunos, com a escola, com a comunidade e com a sociedade.


 Em 1999, pelo quarto ano consecutivo lecionei na escola para a mesma turma, que estava na 8º série, turma esta composta de 20 alunos, e como durante esse tempo havíamos discutido com eles questões referentes a educação, a educação física e a promoção da saúde, decidimos com a turma que durante o primeiro bimestre faríamos um trabalho de campo sobre um assunto de interesse dos alunos. Decidimos então, discutir sobre a prática de atividade física dos idosos.


 O primeiro passo foi conhecer o bairro Santa Eugênia onde o trabalho se realizaria . Os alunos percorreram o mesmo, e identificaram que ele possui três escolas públicas e duas particulares, o comércio se constitui de duas padarias, uma empresa de ônibus e um hipermercado. Reconhecendo a atividade física como um dos fatores da Promoção da Saúde, argumentávamos a questão da falta de espaços públicos para à prática de atividade física no bairro, já que o mesmo não possui nenhuma praça ou área de lazer para tal prática, apenas a quadra de uma escola de samba (Leões de Iguaçu), que é liberada uma vez por semana para a comunidade e o SESC (Serviço Social do Comércio), que dispõe de diversas atividades como a natação, hidroginástica, yoga, ginástica corretiva, ginástica localizada, musculação; porém a dificuldade é arranjar vagas nestas turmas, que segundo os moradores do bairro é difícil, tendo para conseguir uma vaga nestas atividades, que acordar de madrugada e enfrentar filas, além de pagar taxa mesmo sendo sócio.


 Os alunos questionaram o fato de quem não tem condições de pagar, além da falta de conhecimento para a prática autônoma. E que por todos estes fatores, viam os moradores do bairro e principalmente os idosos sem vontade, disposição ou compreensão da importância desta prática como um dos fatores referentes à Promoção da Saúde.


 Sabemos que preconceitos, estereótipos e discriminações aparecem com mais vigor quando à idade se combina outras categorias como gênero, raça e classe social, parece-nos superficial então a veiculação pela mídia dos benefícios da prática de atividade física sem a menção sobre as dificuldades de prática dessas minorias, dificuldades pautadas por inúmeros fatores desde econômicos até sociais.


 Shannon e Etkin (1994), ressaltam a dificuldade dos programas de atividade física regular atingirem indivíduos de baixo nível econômico, e apontam como barreiras a pobreza, qualificação e formação de equipe, inflexibilidade, temor e sub-cultura. O que ajuda a corroborar nossa intenção enquanto professora de apresentar aos alunos todos os fatores, que envolvam a prática de atividade física informal dos idosos de um bairro de classe média baixa, que eles conhecem e vivenciem à realidade enquanto moradores, parentes, vizinhos e enquanto futuros idosos.


 Mas afinal, qual o objetivo deste trabalho na escola


 Procurar compreender com os alunos desta escola particular, como pessoas consideradas idosas do bairro Santa Eugênia em Nova Iguaçu percebiam a prática de atividades física e como a relacionavam com a saúde. Fazer uma reflexão à respeito da influência dos equipamentos urbanos públicos (2) na adesão e no abandono da prática de atividade física por parte dos idosos, além de permitir que os estudantes façam reflexões críticas sobre a prática de atividade física fora do ambiente formal da escola.


 O trabalho de campo


 Utilizamos como instrumento um questionário semi-estruturado, elaborado a partir de discussões sobre o objetivo do trabalho com as seguintes questões situadas: Qual é o seu nome?; Qual a data do seu nascimento?; Qual é o seu endereço?; Você trabalha? (se a resposta for não ou aposentado, escrever a profissão que exerceu); O que você faz no seu dia a dia?; Qual é o seu grau de escolaridade?; Você prática alguma atividade física?; Qual o nome da atividade física e quantas vezes por semana?; Você conhece um lugar no seu bairro para a prática de atividades físicas?; Para você, quais os motivos que levaram você a praticar atividade física e se não pratica ou abandonou, explique seus motivos?; Você sentiu mudanças depois que começou a praticar atividade física?; Para você, o que uma pessoa deve fazer para ter uma vida saudável?


 As entrevistas foram realizadas após algumas orientações da professora, a saber: a) explicar para o entrevistado o objetivo do trabalho e apresentar a declaração elaborada pela professora e pelas diretoras autorizando o aluno à realizar as entrevistas. b) a entrevista seria realizada somente se o entrevistado tivesse tempo para as respostas e, se ele no caso de abordagem nas ruas do bairro não tivesse praticando atividade física. c) o entrevistador não poderia interferir nas respostas dos entrevistados, deixando que os entrevistados respondessem de próprio punho o questionário, apenas orientando quando solicitado e transcrevendo as respostas se o entrevistado fosse analfabeto e d) cada aluno teria que realizar pelo menos quatro entrevistas com os idosos do bairro Santa Eugênia.


 Ao final de quinze dias, foram entrevistados oitenta e dois idosos, sendo que destas entrevistas, quatro foram eliminadas por não corresponderem as orientações previamente estabelecidas.


 Descrição dos resultados


 Após a análise das entrevistas (3) feita pela turma: dos 78 idosos entrevistados, apenas 43% praticavam atividade física, enquanto 57% não praticavam atividade física. Dentre os 33 idosos que praticavam atividade física, 24 eram do sexo feminino e 9 eram do sexo masculino4). Das 24 idosas, 19 caminhavam, 2 pedalavam, 1 fazia ginástica de academia e 1 fazia alongamento. Dos 9 idosos, 3 caminhavam, 2 faziam natação, 1 jogava futebol, 1 corria, 1 fazia hidroginástica e 1 cavalgava. Ficou claro para nós, que a caminhada é a atividade física mais praticada pelos idosos do bairro, pois dos 33 entrevistados que praticam atividade física 68% faziam caminhada. Acreditamos, que isso deve-se ao fato de que é uma atividade sem custo, que pode ser realizada em grupo ou individualmente e sem muito esforço físico, além disso necessita apenas do espaço físico das ruas do bairro.


 Verificamos o grau de escolaridade dos entrevistados, com o intuito de investigar se o mesmo influenciava ou não na prática de atividade física. Encontramos uma significativa diferença entre o grau de escolaridade do sexo feminino em relação ao masculino. Das senhoras entrevistadas, nenhuma tinha iniciado o curso superior e sete eram analfabetas, já entre os senhores entrevistados, três tinham iniciado seus estudos a nível de terceiro grau e dois eram analfabetos. Fato este que não nos espanta, pois até algumas décadas atrás, a mulher não recebia incentivo para avançar nos estudos, sendo muitas vezes recriminadas se quisessem concluir os estudos, já que a sociedade impunha que o objetivo maior de sua vida era casar, ser mãe e cuidar da família.


 Mas, embora os homens entrevistados para este trabalho, tenham um grau de escolaridade superior ao das mulheres; isto não resultou em uma maior adesão por parte deles na prática de atividades físicas regulares e nem no entendimento desta como um dos fatores para aquisição de saúde.


 Analisando as entrevistas e discutindo estas com os alunos que conheciam bem o bairro e a maioria dos idosos entrevistados para o trabalho. Concluímos que os idosos que não praticavam atividade física (45 ao todo), justificavam seu sedentarismo por falta de tempo, pelas poucas condições oferecidas pelo bairro para a prática de atividade física e pelo até o não relacionamento da atividade física como um dos fatores de aquisição de saúde, que para muitos dos idosos sedentários esta é apenas vinculada a ausência de doenças.
Já os idosos que praticavam atividade física regularmente, os principais motivos para a adesão desta prática, são a prescrição médica e a crença de que saúde e atividade física tenham uma relação causal.


 Conclusão


 Sabemos que o cenário para a atividade física com os idosos, deve estar marcado por um horizonte de solidariedade entre familiares, entre gerações, entre amigos, entre professores, ou seja entre a sociedade em geral. Desta forma, temos que buscar garantir alegria, saúde, bem-estar, diminuição do estresse, reabilitação e socialização que são as razões mais apresentadas para a participação em qualquer tipo de atividade física regular pelos idosos. Apresentando para os alunos, através de nossas aulas nas escolas particulares e públicas, que o avanço da idade é natural da vida, procurando desmistificar os preconceitos referentes aos idosos, como um grupo que está fora do contexto social e salientando a necessidade da compreensão sobre um atendimento adequado e de qualidade para os idosos, segundo suas especialidades e prioridades, principalmente no que diz respeito a autonomia quotidiana dos idosos.


 O trabalho objetivou levar os alunos a serem capazes de analisar no contexto da sociedade em que vivem, que o envelhecimento é normal, e que deve sim ser relacionado com a prática de uma Educação Física permanente. Ressaltamos, enquanto educadores a necessidade de desenvolvimento de propostas que visem a integração intergeracional., incutindo na sua prática pedagógica uma educação física escolar comprometida com a promoção da saúde, compreendendo que a educação física precisa fazer parte do cotidiano das atividades de tempo de lazer e de vida das crianças, jovens, adultos e idosos.


 Obs:
A autora é mestranda em Educação Física na Universidade Gama Filho e Especialista em Educação Física Escolar/UFF/RJ.


 Notas:


 (1) Segundo Ferreira, 1982 apud Alves Junior (1982), por não haver consenso alguns preferem considerar a qualidade de vida, como algo indefinível, pois esta dependeria das necessidades básicas que variam para cada país, região ou grupo.


 (2) A escola está situada neste bairro e a maioria dos alunos desta turma residem neste bairro, por isso a escolha do bairro com campo de coleta de dados para o trabalho


 (3) Estamos entendendo neste trabalho equipamentos urbanos públicos, a saber: as praças, os aparelhos de ginástica e lazer localizados nestas praças, etc.


 (4) É importante ressaltar que a significativa diferença no número de mulheres e homens entrevistados, deu-se pelo fato de que as mulheres foram mais solicitas para as entrevistas, enquanto os homens foram mais fechados para as mesmas.


 Referências Bibliográficas:


 Alves Junior, Edmundo Drummond. O Idoso e a Educação Física Informal em Niterói, dissertação de mestrado, Rio de Janeiro: UFRJ, 1992.
Berquó, Elza. Algumas considerações demográficas sobre o envelhecimento da população no Brasil. In: Anais do I Seminário Internacional "Envelhecimento Populacional - uma agenda para o futuro". Brasília: MPAS, SAS, 1996.
Brasil Lei 8842, de 4 de janeiro de 1994. Direitos da Terceira Idade, Rio de Janeiro: Auriverde, 1996.
Brasil, LEI 9394 de 20 de novembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Rio de janeiro: Auriverde,1997a.
Brasil, Secretaria de Ensino Fundamental do Ministério da Educação e do Desporto, Parâmetros Curriculares Nacionais: educação física, Secretaria do Ensino Fundamental: Brasília, 1997b.
Castanheira, Elen Rose L., Teixeira, Ricardo Rodrigues, LIMA, Angela Maria Machado de. Envelhecimento e Ação Programática: da necessidade a construção de um objeto. In: Scraiber, Lilia Blima (org.). Programação em saúde hoje. São Paulo: Huatec, 1990.
Etkhin, Shannou E. Reaching the hard to reach: active living programs for low socioeconomic individuals. In: Quinne y, Arthus, Gavvin, Lise, Wall, A.E.Ted (eds.). Toward Active Living: Champingn.
Faria Junior, Alfredo Gomes De. Educação Física, Desporto e Promoção da Saúde. Oeiras: Câmara Municipal, 1991.
Veras, Renato Peixoto. Envelhecimento populacional no mundo e no Brasil. Advir, Rio de Janeiro, n.3, p.37-44, mar.1994.