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INTRODUÇÃO:

Este estudo teve como foco as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ) dos anos 1840, onde buscamos relacionar os ideais médico-higienistas com a realidade político-social presente à época imperial. Tomamos como referência as teses de João Duarte Dias - Higiene relativa às diversas condições sociais, de 1844, e a de Antonio Pedro Teixeira - A puberdade em geral, de 1845. Nelas observamos que a higiene é o tema central de suas teses, independente do seu ponto de partida, quer seja da sociedade como um todo, presente no trabalho de Dias, ou com interesse apenas na puberdade, como visto na tese de Teixeira. Diante deste fato, é importante considerarmos que a produção intelectual nunca deve estar desvinculada das condições materiais da época analisada. Nesta medida, as teses representam manifestações que já ocorriam na primeira metade do século XIX, o que corrobora a necessidade de se analisar o todo em constantes relações com suas partes, contextualizando-os.


 METODOLOGIA:

Utilizamos o conceito de história, de Goldmann (1972, p. 17), onde afirma que "todo fato social é um fato histórico e inversamente". Nesta perspectiva, o historiador trabalha em duas dimensões - a erudita e a filosófica - onde "o historiador erudito fica no plano do fenômeno empírico abstrato que ele se esforça por conhecer nos mínimos detalhes, fazendo assim um trabalho não só válido e útil, mas, ainda, indispensável ao historiador-filósofo, que quer, a partir desses mesmos fenômenos empíricos abstratos, chegar à sua essência conceitual" (GOLDMANN, 1991, p. 4). Trabalhamos também com o conceito de totalidade concreta de Kosik, onde afirma que "a compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes" (2002, p. 50). Esta totalidade não está completa, pois as relações significativas de suas partes com o todo não são movimentos mecanicistas, "a própria totalidade é que se concretiza e esta concretização não é apenas criação no conteúdo, mas também criação do todo" (KOSIK, 2002, p. 59).


RESULTADOS:

Em toda a tese Dias deixa visível a sua preferência pelo meio termo, propagando em diversos trechos de sua obra que a partir da união entre os extremos é que se obteriam os melhores êxitos. Mas, apesar de defender a hegemonia intelectual de uma classe média que começava a se consolidar, seu discurso é direcionado principalmente às classes dominantes, pois elas detinham o poder econômico, fator essencial para a execução das reformas higiênicas propostas pelo autor. Teixeira calca-se num dos princípios do higienismo, que é a formação de pessoas vigorosas, declarando que durante a puberdade os dois sexos deveriam receber as forças necessárias para adquirirem uma boa saúde ao longo de suas vidas, dando assim, nascimento a crianças robustas. Vimos que Dias e Teixeira possuíam ideais que coadunavam com Rousseau, pois este, apesar de ser um homem à frente de seu tempo, também carregava sinais característicos da classe que substituiu a nobreza no comando político. O filósofo representava, em sua essência, os interesses da burguesia. E o mesmo pode ser dito a estes dois médicos, prováveis representantes da pequena burguesia em formação no país. Dias e Teixeira carregam em si um distintivo de classe, pois, ambos consideravam que tanto o pobre da cidade quanto o do campo, devido ao trabalho braçal, estavam habituados a uma vida de intensos esforços físicos. Portanto, para eles não havia necessidade de cuidados higiênicos quanto à prescrição de atividades físicas.


CONCLUSÕES:

O sedentarismo, tão combatido por Dias e Teixeira, tinha alvo certo: a elite político-econômica. Por ser considerada ociosa e fraca, os médicos concentravam seus esforços para que a atividade física ocupasse um maior espaço no cotidiano destas classes, tentando fazer com que sua prática passasse a ser uma rotina. Desta forma, recomendavam alguns exercícios que somente poderiam ser praticados pelos mais ricos, como a esgrima e a equitação. Sendo assim, as classes menos favorecidas economicamente não teriam acesso, pois não possuíam condições financeiras satisfatórias. Outro fato a destacar é que não dispunham de tempo de lazer para a prática das mais acessíveis, devido ao intenso trabalho diário, o que não era comum aos integrantes das classes mais abastadas. No Brasil, onde a exclusão social era uma constante, não havia preocupação com o bem estar da população em sua maioria. Visto isto, os ideais que estes médicos propagavam estavam longe de abranger uma parcela significativa da população, estando, portanto, restrito a poucos privilegiados, que não considerava a prática de atividades físicas benéfica à saúde. O senso comum era de que o esforço físico fosse algo apropriado somente aos escravos e trabalhadores livres, daí a dificuldade na difusão e sistematização das atividades físicas, demonstrando o abismo existente entre os ideais médico-higienistas e a realidade social presente à época imperial.