Resumo

A redução da produção de dopamina na Doença de Parkinson (DP) afeta substancialmente a motricidade e outras funções orgânicas primordiais, como humor e a cognição, bem como o desempenho funcional. Paralelamente, ocorrem prejuízos no sistema nervoso autônomo. Não se sabe como a função autonômica se relaciona com estes prejuízos e se um programa de caminhada pode modificar a variabilidade da frequência cardíaca (VFC) desta população. O objetivo deste estudo foi avaliar a VFC de pacientes com DP e a sua relação com os sintomas de ansiedade, depressão, desempenho funcional e gravidade da doença, e também o efeito de um programa de caminhada na modulação autonômica e na capacidade funcional. Na etapa transversal foram avaliados 26 pacientes (16 homens/ 10 mulheres; 57,4 ± 9,2 anos) pelas escalas de ansiedade, depressão (HADS-A e HADS-D) e gravidade da doença (UPDRSexame motor e Hoehn e Yahrd). O desempenho funcional foi avaliado pelos testes Timed up and Go (TUG) e três testes da bateria Senior Fitness Test. Estes resultados foram correlacionados com índices da VFC no domínio do tempo (RMSSD, SDNN) e da frequência (HF, LF, LF/HF, TP, HF/TP, LF/TP), e análise não linear (SampEn e DFA1) aferidos na posição sentado e em pé. A variação da VFC da posição sentada para em pé (valores em Δ) também foi considerada. Na etapa longitudinal foram formados um grupo de caminhada (CA; n=13) e um grupo controle (CO; n=6), a partir de um ensaio clínico randomizado. O programa de caminhada home-based teve duração de seis semanas. Os pacientes do grupo CA foram reavaliados após 12 semanas de treinamento. Foram observados elevados níveis de ansiedade (30,7%) e depressão (34,6%) nos pacientes avaliados. Os sintomas depressivos associaram-se tanto à atividade parassimpática: RMSSD (r= - 0,382; p ≤ 0,05), quanto à atividade conjunta nos ramos simpático e parassimpático: LFsent (r= -0.383; p ≤ 0,05), LFem pé (r= -0,411; p ≤ 0,05), TPempé (r= -0, 504; p ≤ 0,05) e Δ SampEn (r= -0.384; p ≤ 0,05). A gravidade e tempo da doença também se associaram negativamente à função autonômica. RMSSDsentado (r= -0,438; p ≤ 0,05), SDNNsentado (r= -0,452; p ≤ 0,05) e SDNNempé (r= -0,602; p ≤ 0,01); LFempé (r= -0,603; p ≤ 0,01); TPempé (r= -0,504; p ≤ 0,05) e LF/TPempé (r= -0,504; p ≤ 0,05) foram negativamente associados ao tempo no teste TUG. Outras correlações significativas dos testes físico-funcionais e da idade com a VFC foram observadas. O programa de seis semanas de caminhada promoveu variações significativas do índice SampEn (que mede a irregularidade dos dados de FC) no grupo CA em relação ao grupo CO (20,47 vs –22,81%; CA e CO, respectivamente; p=0,033), assim como o índice ΔSampEn (-22,83 vs 18,46%; CA e CO, respectivamente; p=0,022), sugerindo mudanças positivas na função autonômica. Na 12º semana, os pacientes do grupo CA exibiram aumento dos índices HF/TPempé (7,0%; p=0,017) e SampEn-em pé (20,5%, p= 0,008), respectivamente) e redução do índice LF/HFempé (-10,65 %; p=0,012) em relação à 1ª semana, sugerindo melhoras no equilíbrio autonômico. Houve aumento no número de agachamentos (de 10,50 ± 1,93 para 13,25 ± 1,58 repetições; p= 0,021) e redução no tempo para realizar o TUG ( de 7,34” ± 0,67 para 6,91 ± 0,83, p=0,002). Vários índices de VFC aferidos na tes do programa de caminhada (SDNN, RMSSD, LF, HF, LF/TP) mostraram correlações com o ganho funcional (r2 variando de 0,62 a 0,81), sugerindo papel da função autonômica na adaptação neuromuscular ao treinamento. Conclui-se que a VFC pode funcionar como medida integrativa e marcador periférico da adaptabilidade do organismo e da sua capacidade auto-regulatória, além de recurso de avaliação prático e sensível à progressão da doença. O programa de caminhada home-based melhorou a função autonômica dos participantes, frequentemente prejudicada pela doença. Isto é particularmente interessante na medida em que várias funções orgânicas debilitadas na DP são mediadas pela função autonômica.

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