Integra

Introdução

Hoje, estamos mergulhados em crises sociais e econômicas, recebemos influências e informações de diversas outras realidades. Nossa sobrevivência tornou-se complexa devido a fatores como: violência, desemprego, fome (não necessariamente na mesma ordem), e nossas crianças ainda sofrem a influência da mídia que massifica as tendências e cria espaços para falsetas e valores controvertidos.

Não podemos, contudo, desprezar ou ignorar a vivência trazida para a realidade escolar, ou seguindo os preceitos legais da tolerância e da inclusão educacional, devemos nos apropriar dessas manifestações e ainda transformá-las em fonte de inspiração.

Partindo do estudo de casa da realidade de uma escola pública da periferia, mais precisamente da baixada fluminense, sinalizou-se uma necessidade de encaminhamento e de tomadas de decisões no tocante aos cuidados com a proposta de trabalho. A começar pelos aspectos sexistas das aulas de educação física e a desportivização das mesmas, tão comuns em nossas práticas, foram necessárias a criação de aulas alternativas em pequenos projetos como ponto de partida.

No entanto era preciso ir de encontro às necessidades e interesses dos alunos para tornar a aprendizagem cada vez mais significativa.
Sempre que tocamos no tema dança ou ginástica, há uma reação, pois, o que propomos são conceitos universais sobre balé, danças folclóricas, danças culturais ou de salão, etc. E geralmente é muito trabalhoso convencer a clientela de que o ritmo não está ligado apenas a esses conceitos. É preciso então desconstruir preconceitos e construir novas alternativas. É preciso estimular a descoberta de forma orientada.

A influência do contexto onde estamos inseridos influi na qualidade e quantidade das vivências rítmicas essenciais para o desenvolvimento do ritmo biológico de cada um, já que sua construção é histórica e influi em sua identidade social.

Construindo conceitos.

Etimologicamente a palavra Rhytmos, do grego, significa aquilo que flui, que se move. Que definiria não só a natureza humana como também as diversas formas de vida encontradas na natureza.

Na verdade ritmo é vida. Todos nós já nascemos com ele. Vem-nos como instinto. Nós, humanos, convivemos com ele ainda no ventre de nossas mães, local superprotegido, rico em sons de líquidos, de fluxos de alimento e o bombear dos batimentos cardíacos de mãe e filho.

O ritmo, diz Cande (s,d), nos é tão necessário, que o nosso espírito tende a ritmar tudo o que é precisamente regular: os passos de um caminhante, o barulho do comboio nos trilhos, os batimentos do coração.

O Ritmo, segundo Le Boulch (Camargo, 1994), é uma organização ou uma estruturação de fenômenos que se desenrolam no tempo.

Para Bode, o criador da Rítmica (ciência do ritmo), é o elemento essencial de tudo que vive. Desde que a vida tem caráter contínuo, o ritmo também é contínuo.

Lapierre afirma: "Ritmo é uma estrutura que se repete ciclicamente".

Dalcrozi diz que "é um princípio vital e é movimento".

Rudolf Bode, alemão, aluno de Dalcrose e criador da Ginástica Rítmica, afirma que o princípio básico do ritmo é o equilíbrio entre os binômios: trabalho / repouso, vigília / sono, agressividade / trégua. Constituindo assim as dualidades que convivem qualquer âmbito da vivência e/ou sobrevivência humanas, ou seja, a contraposição entre relaxamento-tensão-relaxamento, processos constantes em nosso biorritmo de forma espontânea.

Aurélio Buarque define o ritmo como "O agrupamento de valores de tempo, combinados de maneira que marquem com regularidade uma sucessão de sons fortes e fracos, de maior ou menor duração, conferindo a cada trecho características especiais.

Poéticas e definições à parte, o fato é que a cada tempo histórico, a humanidade vem se relacionando com esta capacidade que se aprimora durante a vida das formas mais primitivas as mais avançadas, alcançando uma diversidade cada vez mais instigante e interessante. Passível de ser sistematizada nas suas manifestações artísticas, culturais, seja de forma técnica ou natural, sendo fontes pedagógicas inesgotáveis na formação autônoma dos indivíduos.

Proposta de trabalho rítmico

Há alguns anos atrás, eram comum às festas juninas e folclóricas, que hoje, se transformaram registros menores devido ao risco se tornaram nas localidades de periferias. Com isso, perdemos muitas oportunidades de contextualizarmos as culturas de ritmo dentro da escola.

Tornou-se necessário criar alternativas para trazer a temática, e fazê-la operacional.

Ao criar momentos de expressão cultural de ritmo, logo se apresentam o funk, o axé, etc., que, longe de descriminar ou deixar sem questionamento, é necessário polemizar, fazer análises críticas em torno dessas manifestações tão massificadas e muitas vezes vinculadas à banalização da sexualidade de violência.

Contextualizar implica em criar uma sistemática de trabalho que nos possibilitem construir e ampliar as possibilidades de buscar novos caminhos, minizando ou até neutralizando as distorções criadas no âmbito social.

Uma forma muito especial de sistematizar e desenvolver o ritmo corporal, nas aulas de educação física seria propor a construção ou aproveitamento de materiais recicláveis para posteriormente organizar grupos que experimentarão ritmos e sons variados e outros grupos que realizarão apenas com o corpo movimentos de tensão-relaxamento, podendo partir de músicas já conhecidas e outras, trazidas como sugestão do professor do repertório popular nacional ou mesmo internacional, ou ainda criar outros ritmos no momento.

Em seguida, cada grupo mostrará o que construiu a todo o grupo, organizando mostras especiais em momentos distintos da escola. Como forma mais evoluída de trabalho com percussão corporal e movimento, lembrando o exemplo do grupo profissional que muito contribui para ilustrar e incentivar nossa prática: o grupo STOMP, que compõe peças através de seqüência de gestos e de passos definida pelo ritmo musical executado.

Das composições surgem execuções codificadas e contextualizadas, como aquelas que transmitem informações sobre atividades humanas, como, por exemplo: os esportes (basquete e sua sonoridade percussiva), funções de trabalho como objetos utilizados por cozinheiros, objetos como mesas, cadeiras, etc.

Quem nunca batucou com talheres e pratos ou copos? Todos nós temos essa tendência ao ritmo, batucar nas carteiras da escola é muito comum e o professor sempre reprime essa prática. Talvez se pudermos dar vazão a essa tendência, quanto poderíamos descobrir através de uma sistematização da mesma?

Materiais alternativos como tubulações, tampas e baldes de lixo, isqueiros, rodos vassouras, sacos plásticos, pias, baldes, calotas de carros, caixinhas de fósforo, chaves, bastões, enfim, criaríamos como o grupo Stomp, formas infinitas de desenvolvimento corporal.
Poderíamos ainda atrair parcerias com artistas percussionistas para auxiliar na construção das peças ou números expressivos.

Conclusão

A proposta concretiza uma forma simples de trabalho, tomando como base o ritmo, sem entrar em conteúdos mais profundos, através da prática consciente, trazendo desmembramento para o futuro aproveitamento em alguma especialidade de dança e até mesmo de desportos como a ginástica rítmica.

Esta proposta pode ainda ser inserida de acordo com a série, nível, ciclos, conforme a disponibilidade e contexto de cada professor.
Se o corpo é social e sua história de movimento e do gesto vem sendo escrita através de um mapeamento do mesmo, é nele que podemos buscar o conhecimento.

Esse corpo vem sendo modelado em seu contexto biopsicossocial, e a história não pode desprezar o fato de que o ritmo dos movimentos sociais, das massas, da consciência a respeito desse corpo passa por um trabalho de auto conceito e o ritmo corporal é uma fonte imprescindível nessa formação.

Trazer ao contexto da escola os conteúdos da dança, através das atividades rítmicas, supõe uma sistemática eficiente e que se justifica como temática definitiva da Educação Física escolar, basta buscarmos caminhos para efetivarmos essas premissas.

Auxiliar de forma definitiva a construção da autonomia, através da história e realidade de vida de cada um país, é preciso refletir sobre as polêmicas trazidas pelos conceitos conturbados de corpo e de cultura corporal que não agridam sua natureza. Para que através da formação consciente, possamos torná-lo cidadão participativo e construtor de sua própria historia, tornando agradáveis os seus gestos, palavras, falas e símbolos.

Obs. A autora, professora Kátia Monteiro Nardi leciona na rede estadual (RJ) e é posgraduanda na UFF.

Bibliografia.

  • Artaxo, Inês - Gisele de Assis Monteiro - Ritmo e Movimento. Phorte e Editora - ano 2000.
  • Barros, Dayse e Haroldo Braga - Ginástica e Música.Ed. Rhytmus - 1983.
  • Weineck, J. - Biologia do Esporte. Ed. Manole - 1991.
  • Anchieta, J. - Ginástica Afro-Aeróbica Ed. Shape - 1995.
  • Autores, Coletivo de - Metodologia de Ensino de Educação Física 1992.
  • Santin, S. - Educação Física - Uma abordagem filosófica da Corporeidade. Ijui, Editora - 1987.