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Nunca é demais repetir a máxima resultante de minha tese de doutorado que irá completar duas décadas: o maior legado do esporte é o atleta. Sem essa figura não existiriam Jogos Olímpicos, nem tampouco qualquer campeonato regional. Não teríamos que discutir os elefantes brancos deixados pelas cidades após a passagem de caravanas que dizem promover os maiores espetáculos do planeta. E alguns dirigentes e políticos nem teriam cadeiras onde se sentar.

Esse preâmbulo seria desnecessário se o movimento esportivo tivesse sido pensado, estruturado e dirigido por aficionados praticantes da prática agonística ou competitiva, e não por burocratas que a tudo assistiam sem suar a camisa. Ao determinarem os rumos e as regras de diferentes práticas corporais, eles também moldaram uma cultura esportiva que no futuro se tornaria um monolito rígido e pesado movido apenas pelos detentores do conhecimento dos meandros institucionais. Esse discurso seguido de uma prática intensiva de exercício de poder levou os dirigentes a se alocarem em uma plataforma separada, por um abismo, de atletas que gastavam todo seu tempo a se dedicarem a treinos para alcançar o objetivo maior que é a vitória. E, quanto mais o tempo passou, mais esse abismo se alargou e aprofundou.

Poucos foram os atletas que, cientes das mazelas separatistas do mundo esportivos, se dispuseram ou tiveram as condições materiais necessárias para se preparar e atravessar a fronteira rumo à condição de dirigente. Compreensível. Os dias dos atletas têm as mesmas 24 horas dos de quaisquer outros seres humanos.

Outro elemento agravante desse cenário é a característica competitiva inerente a atletas que chegam ao nível olímpico e internacional. Treinados para ser os melhores, os primeiros, em tudo o que fazem são exímios na competição, mas pouco conhecem da cooperação -- exceto aquela instrumental que leva à busca de um objetivo, repetido como um mantra, que é a busca da vitória.

E assim passaram-se anos, décadas, mais de um século. Esporte e política caminharam juntos, muito embora quisessem fazer crer que fossem fenômenos heterogêneos. A política era vista apenas como evento externo, poderoso, feito para pessoas especiais preparadas para o seu exercício.

Enquanto o autoritarismo dominou o mundo, promoveu guerras e genocídios, o esporte seguia como uma atividade insípida, inodora e incolor, bela em si mesma, avessa a conflitos. E sempre que possível repetia-se o mantra que esporte e política não se misturam. Até que as novas gerações passaram não apenas a repetir, como também a acreditar, que esporte e política não se misturam. Mas, seria possível viver em sociedade sem a prática da política?

Para felicidade daqueles que não acreditaram em profecias autorrealizadoras, foi retirada das janelas a cortina que impedia a entrada da luz e dos ventos da vida democrática, porém não sem conflito. Alguns atletas pagaram com suas carreiras esse enfrentamento. Outros, aproveitando as brechas deixadas pelo vazio do poder se sentaram em cadeiras vacantes e passaram a exercer da mesma forma opressora o poder do qual foram vítimas.

Ao que tudo indica o ano em que os Jogos de Tóquio não aconteceram entrará para a história não só como aquele em que uma pandemia deixou mais de um milhão de mortos. Ele será lembrado pelos atletas estadunidenses que foram para as ruas exercer sua cidadania e exigir o fim do racismo. Fará lembrar da atleta Carol Solberg, que exerceu seu direito de expressão e fez lembrar a todos que a falta de união é a fonte de exploração.