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Nuvens pesadas pairam sobre as verbas para pesquisas no Brasil. O “TCU determinou que os repasses de recursos para projetos científicos públicos sejam feitos diretamente às universidades” e não mais ás fundações. Ameaçados, pesquisadores e dirigentes das IFES se defendem atrás do escudo da Autonomia Universitária tema recorrente nos debates nacionais há décadas.

Com esse escudo em punho o professor Naomar da UFBA, coberto de razão, diz que as IFES continuam presas á: inflexibilidade das rubricas, excesso de normas cartoriais que regem as contratações do pessoal docente e administrativo, processos seletivos, transferências e matrículas, leis e regras mais cartoriais que acadêmicas; projetos pedagógicos que seguem, na minúcia, diretrizes curriculares estabelecidas por órgãos externos de regulação, influenciados por interesses corporativos e mercadológicos. Indignado esse colega pergunta por que não recebemos orçamento global, definido por metas e planos? Por que nosso quadro docente e de servidores obedece a regras do serviço público, quiçá adequadas a repartições burocráticas, porém flagrantemente contraditórias com o mandato da inovação acadêmica? Por que nossos conselhos de gestão não têm autonomia para gerir patrimônio, custeio e receita? Por que nossos conselhos acadêmicos têm que seguirem diretrizes e regulamentos de corporações e conselhos? Por que nossos conselhos curadores, reforçados com representação da sociedade, não poderiam fiscalizar operação, orçamentos e prestações de contas?

O jornalista Antônio Gois - da Sucursal do Rio – preocupado com essas importantes questões, procurou explicações junto ao MEC que defendeu o TCU afirmando tem havido abuso no uso dos recursos pelas fundações em pesquisas por meio de práticas que driblam as licitações. Segundo ainda a matéria de Góis a decisão surgiu após várias denúncias de irregularidades, a mais famosa delas de uma fundação da UnB (Universidade de Brasília) que usou recursos para equipar o apartamento do ex-reitor Timothy Mulholland.

Oxigenando o debate Rafael Andrade/Folha Imagem, trouxe à tona a reação de pesquisadores como Luiz Pinguelli Rosa diretor da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ que disse ser esse acórdão um desastre para a pesquisa. “É uma mentalidade burra, de um país visto pela lente de advogados que não conhecem como funciona um centro de pesquisas”. Segundo o cientista, se suas verbas caírem na conta da universidade, e não na de sua fundação de apoio, a instituição não terá condições de gerenciar seus 700 projetos. O argumento de muitos cientistas é que a lei cria lentidão sem impedir a corrupção, pois não garante que a compra seja feita pelo menor valor de mercado devido a atuação de cartéis.

Outra voz contrária foi a de José Raimundo Coelho, tesoureiro da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Para ele a entidade está preocupada: “As pessoas não têm idéia do tempo que pesquisadores perdem com questões burocráticas”. Fundações foram criadas para garantir alguma flexibilidade.

Em que pese todas essas reações dos cientistas o Ministro da Educação apoiou a medida dizendo não ver riscos para a ciência. Em sua opinião, a decisão fortalece as universidades e oportuniza avanços na construção de um marco regulatório que facilite a gestão de reitores, dando mais autonomia na utilização dos recursos. “Não podemos trabalhar somente com um ponto de vista reativo. O acórdão deve ser visto como uma oportunidade para promover modernizações administrativas na gestão das universidades”. Haddad não quer os recursos percam sua natureza em função de repasses feitos para fundações de apoio. “Se a origem dele é pública, ele deve seguir os rituais previstos na legislação”, afirmou o ministro.

Segundo ainda o Ministro, uma das alternativas em estudo, já em uso em alguns projetos, é a abertura de uma conta para receber os recursos no nome do próprio pesquisador. O cientista passaria, então, a gerenciar a verba repassada.

Essa “solução”, além de não resolver o problema, transfere para o pesquisador responsabilidades institucionais difíceis de serem cumpridas nos termos da Lei, isto é, licitação, compra e prestação de contas.

Quanto a inflexibilidade das rubricas orçamentárias a melhor forma de explicar essa estupidez é narrando o caso ocorrido em um zoológico. Lá existia um velho Leão que não urrava mais. As crianças insatisfeitas exigiram a compra de um Leão mais novo e forte. Na semana seguinte lá estava o novo Leão urrando e fazendo a alegria de todos. Com o passar do tempo foi ficando triste e parou de urrar. Indignadas as crianças perceberam na jaula centenas de bananas, o Leão cada vez mais triste e nada de carne. Foram pedir explicações ao diretor que tranquilamente disse: não posso comprar carne para o novo Leão porque ele foi adquirido na rubrica do macaco.

As questões recorrentes explicitadas pelos cientistas em pleno século XXI mostram a miopia dos dirigentes e o imobilismo das políticas públicas. O que existe de novo nessa discussão? Absolutamente nada. Tudo que esta sendo dito é repetição do ocorrido em meados do século XX por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte.

Os que pensam a Universidade como um centro de produção e disseminação do conhecimento e não como um palanque político, sabem que a luta obsessiva entre Estado e Universidade sempre existiu. Um desconfia do outro e o outro do um. Um quer governar o outro que não ser governado. É como um cachorro correndo em círculo atrás do próprio rabo.

Os burocratas de plantão gastam tempo criando mecanismos inibidores de fraudes. Os gestores universitários sufocados buscam a todo custo brechas legais para manter a máquina funcionando. Em meio a essa luta insana esta o TCU com suas auditórias intermináveis, cujos resultados servem muito mais para criar novos mecanismos inibidores do que para simplificar a gestão. Nessa “queda de braço” quem ganha são os cartéis que continuam faturando milhões de reais por meio de conchavos licitatórios, superfaturamentos e imobilizações de processos com recursos descabidos. As exigências documentais cada vez maiores, ao invés de coibir esses mecanismos, aumentam os gastos e a burocracia dos processos. Elas, as exigências, não atingem os acordos firmados entre os participantes das licitações que pagam quantias consideráveis aos concorrentes, com recursos públicos retirados dos aumentos embutidos nas propostas vencedoras. O preocupante é que a Lei 866/93 que trata exclusivamente do processo licitatório prevê em seu art.47 uma variação de até 20% para mais ou para menos nos preços obtidos. Imagine esse percentual num montante de cinco milhões de reais?

Por essa e outras, tanto os que burlam como os que vigiam encontram na realidade justificativa para esses atos. De um lado, os que vigiam se apóiam na sofisticação das fraudes e desvios de verbas, de outro, os que burlam têm nas dificuldades burocráticas o grande empecilho para o uso correto dos recursos em todos os níveis da administração pública. O leitor deve estar se perguntando: o que fazer então diante desse contexto?

Primeiro não esquecer que o escudo da autonomia não é a solução para esse empasse porque a história dos dirigentes das IFES e dos políticos de maneira geral sempre foi marcada pelo clientelismo, nepotismo e improbidade administrativa. Inúmeras são as denuncias; as prisões; as cassações de mandatos; as perdas dos direitos eleitorais e muitas outras sanções judiciais aplicadas á presidentes, senadores, deputados, prefeitos, vereadores e Reitores envolvidos em crimes contra o erário público. Muitos, também são os montantes de recursos, pagos a mais ou devolvidos pelas IFES aos Ministérios por incapacidade de atender as exigências burocráticas das licitações.

Segundo, parafraseando Chauí (1998) numa perspectiva geral, autonomia, poder e ética se fundem na figura do dirigente e confundem o imaginário social. Essa confusão tem feito com que as pessoas generalizem imagens e conceitos a respeito dos gestores, da política, da justiça e da ética.

Essas imagens transitam por vias conflitantes. Uma que trata a política universitária como se fosse algo puro, justo e perfeito e os dirigentes como anjo, santos, verdadeiros redutos de probidade, honestidade, justiça e atenção ao bem comum e outra que concebe essa política e seus seguidores como desonestos, corruptos, ladrões e interesseiros.

Tanto num como em noutro caminho essas imagens tem contribuído para a perpetuação de utopias, crenças e discussões intermináveis como a da autonomia universitária. No sentido “latu” a autonomia dificilmente se concretizará, pois tanto os que santificam como os que diabolizam as políticas, desconsideram a principal questão: a confusão entre qualidades privadas individuais e qualidades públicas das instituições. Voltaire em 1758 afirmou que o homem é um ser passional, que luta pelo seu interesse mesmo que isso custe á vida de outros homens. Concretamente é ambicioso, invejoso, imprudente, medroso, impiedoso, mas também, amoroso, generoso, compreensivo, razão pela qual não pode ser entendido e visto descolado dessas qualidades.

Terceiro, a recorrência do debate sobre a Autonomia Universitária em pleno século XXI, talvez encontre explicação nas idéias de Espinosa , quando afirma: todo direito é um poder, isto é, nosso direito vai até onde possuirmos poder para realizá-lo e força para garanti-lo. O desejo natural de cada um é governar e não ser governado. A ética somente se realiza se for livre e somente é livre se for autônoma, isto é, se resultar de uma decisão interior ao próprio indivíduo e não fruto da obediência a uma ordem, um comando ou pressão externa inibidora de sua liberdade. Por isso, a autonomia universitária não é possível em uma sociedade heterônoma como a nossa.

Por último, os entes federados e suas instituições precisam ter consciência da unicidade de seus corpos. A IFES não podem ser vistas pelos entes federados como concorrentes ou inimigas e vice-versa, porque são regidas pelas mesmas Leis e o sucesso de uma depende do sucesso da outra. Essa falta de sintonia fina tem criado essa paranóica desconfiança entre estes órgãos. Some-se a isso a lentidão punitiva prevista em Lei para as práticas ilícitas dos gestores. A justiça precisa ser mais ágil e os culpados exemplarmente punidos. O Estado e seus aparatos repressivos não devem continuar considerando todos os gestores desonestos, razão pela qual precisam ser controlados e vigiados e, os gestores vendo o Estado como entrave para sua realizações. A superação dessa situação poderá ocorrer quando os Ministros,

Governadores, Prefeitos e Reitores dentre outros, deixarem as qualidades públicas dos entes federados e das IFES prevalecerem sobre as qualidades privadas e poderes individuais que tanto almejam.