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Este trabalho é fruto do estudo monográfico Avaliação na Educação Física Escolar: análise de periódicos do século XX, que objetivou realizar um panorama do estado da arte sobre avaliação veiculado nos periódicos da Educação Física brasileira, bem como refletir acerca do debate acadêmico dessa produção.

Catani e Souza (2001) ao sistematizarem a produção do conhecimento sobre a Imprensa Periódica Educacional Paulista (1890 - 1996), sublinham a possibilidade de desenvolver o trabalho com e a partir da imprensa periódica, indicando duas diretrizes: uma delas é o estudo interno do próprio periódico, denominado de estudos dos periódicos como objeto; a outra é o estudo do periódico como núcleos informativos ou como fonte.

Utilizamos como eixo central a segundo diretriz norteada por Catani e Souza (1999), já que, de modo geral, usamos os periódicos como fonte de estudo. Entretanto, para entendermos os condicionantes históricos que influenciaram a produção/sistematização dos trabalhos sobre avaliação na Educação Física Escolar, foi necessária a análise de alguns aspectos formais do periódico como objeto.

Análise de aspectos formais dos periódicos como objeto de estudo

Para a seleção do corpus documental geral foram considerados os trabalhos que já demonstravam em seu título uma preocupação central com a questão da avaliação. Posteriormente foi realizada uma primeira leitura a fim de identificar quais dos artigos constituiriam efetivamente o corpus da pesquisa.

Nesse sentido, dos 36 periódicos encontrados no Catálogo de Periódicos de Educação Física e Esportes (1930-2000), foram selecionados 57 artigos distribuídos em 16 periódicos. Após a leitura desses artigos, o corpus documental ficou definido em 33 artigos distribuídos em 11 periódicos.

No que tange à distribuição dos artigos, a análise demonstrou que grande parte das publicações concentravam-se na Revista Artus, responsável por 34% dos artigos, o que equivale a onze deles. Desses onze artigos, oito estão na revista de número 9/11 do ano de 1981. É mister salientar que essa revista divulgou os trabalhos apresentados no XIV Congresso Internacional da Associação Internacional das Escolas Superiores de Educação Física (AIESEP), realizado na Universidade Gama Filho, cujo tema foi "Avaliação no Ensino de Educação Física".

Os periódicos, na seqüência, com maior publicação foram: Revista Brasileira de Ciência do Esporte e Revista Brasileira de Educação Física e Desportos, ambas com 15%, o que equivale a cinco artigos; Revista Pensar a Prática com 12%, correspondendo a quatro artigos; Revista Kinesis responsável por 6%, equivalendo a dois artigos; e a Revista da Fundação de Esporte e Turismo, Educação Física/UEM, Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Revista Motus Corporis, Revista Comunidade Esportiva e Revista Esporte e Educação publicaram um artigo cada uma, o que corresponde a 3%.

No que diz respeito ao período analisado, verificamos que o primeiro artigo encontrado é datado do ano de 1976, embora o levantamento bibliográfico tenha correspondido ao período de 1930 a 2000. Ao analisar esses dados, observamos que a produção expressa na década de 1970 se distribui de forma homogênea, situando-se em torno de 15% das publicações totais, o que corresponde a cinco artigos. A década de 1980 concentrava a maior parte da produção de artigos sobre avaliação, correspondendo a 45% das publicações, o que equivale a quinze artigos. Esses, por sua vez, distribuíram-se de forma heterogênea, concentrados, sobretudo, no ano de 1981. Já a década de 1990 é responsável por 40% das publicações, correspondendo a treze artigos. Sua forma de distribuição é homogênea, variando de um a dois artigos publicados por ano.

Os dados evidenciaram, uma descontinuidade temática nas políticas editoriais dos periódicos, provavelmente provocada pela ausência de núcleos de pesquisadores consolidados trabalhando com essa temática. Desse modo, indicamos aqui a necessidade de se investigar outras fontes bibliográficas, como dissertações e teses produzidas na área, a fim de fornecer um aprofundamento do estado da arte sobre avaliação na Educação Física Escolar.

Estudo dos periódicos como núcleos informativos: o debate sobre avaliação na educação física
Tendo em vista a produção científica ora mencionada, buscamos identificar, problematizar e discutir os principais referenciais teóricos que nortearam os estudos sobre avaliação veiculados nos periódicos da Educação Física brasileira.

A análise dos dados indicaram que a produção da década de 1970 teve como referencial teórico os estudos de Popham (1977). O estudo desse autor (1977) está circunscrito na necessidade de estabelecer objetivos comportamentais centralizados nas formas de planejar a seqüência de ensino e o avaliar.

Outro autor que influenciou consideravelmente na produção/sistematização dos estudos sobre avaliação veiculado nos periódicos da Educação Física foi Tyler (1969). Sacristán (1999) afirma que a proposta tyleriana, conhecida como "avaliação por objetivos", fortaleceu-se mais pela contribuição da Psicologia Educativa Cognitiva de orientação condutivista, cujo método postulava a necessidade de dispor de planos de seqüência de instrução muito estruturados que explicitassem a concatenação dos passos de aprendizagem seguidos para o domínio de uma determinada unidade de conteúdo, de modo a comprovar os progressos e as falhas concretas do ensino.

Para os autores dessa proposta, a definição vaga de objetivos se constitui como um importante entrave para a efetivação da avaliação educacional. Segundo eles, faz-se necessário que os professores de Educação Física conscientizem-se de que a avaliação do rendimento escolar está intrinsecamente relacionada com objetivos claros, mensuráveis e fidedignos, pois, como afirmam Singer e Dick (1985, p. 10),

"As escolas devem evidenciar que estão modificando satisfatoriamente comportamentos do aluno e que estes comportamentos podem, de fato, ser medidos. Competências que se pretende atingir são expressas em termos avaliáveis, enfatizando a habilidade do aluno em demonstrar os comportamentos aprendidos, muito embora, nem todos os alunos sejam necessariamente avaliados seguindo os mesmos critérios. Por sua vez, o professor deve prestar conta de seus objetivos que devem ser a) razoavelmente altos, b) expressos claramente sem ambigüidades, c) mensuráveis e d) atingíveis."

Não se pode desconsiderar, como afirma Resende (1995), que há avanços nessa perspectiva em comparação com a proposta de Popham (1977), porque, ainda que ela se reduza ao caráter quantitativo e se limite à avaliação dos comportamentos observáveis e passíveis de serem mensurados, a proposta avança quando passa a considerar a individualidade, propõe referências de comparação baseadas em critérios e não nas normas e possibilita a avaliação de outras dimensões do comportamento humano, para além do motor, com a inclusão da avaliação do domínio cognitivo, afetivo e social.

Ao final dessa década e até o final da década de 1980, observamos uma mudança de referencial na base das discussões referentes ao estudo da avaliação em Educação Física, influenciada pelos estudos de Stufflebeam (1976), cujo modelo é a avaliação como tomada de decisão, para ele a avaliação é o processo de delinear, obter e prover informações úteis para julgar as decisões alternativas, no qual os avaliadores buscam coletar e apresentar informações com o objetivo de auxiliar a tomada de decisão, que será feita por uma outra pessoa à qual caberá a determinação do mérito das informações coletadas.

Encontramos também nessa década a classificação, de dois tipos de testes avaliativos de aprendizagem. O primeiro deles remete-se aos testes referentes as normas, cujo o objetivo é averiguar o desempenho de um indivíduo em relação ao de outros considerado o mesmo mecanismo de medida, o outro, é o teste com referência aos critérios cuja finalidade é averiguar o status de um indivíduo com respeito a algum critério ou desempenho padrão.

Já a década de 1990 é marcada pelo aumento da produção/sistematização dos referenciais teóricos brasileiros, tanto no campo da Educação como no da Educação Física. Essa produção contribuiu de modo significativo para se fazer avançar no debate sobre avaliação. Nesse âmbito, os principais teóricos utilizados do campo da Educação foram: Demo (1992), Freire (1980), Hoffmann (1993), Luckesi (1995), Libâneo (1994), Saul (1988), Saviani (1980, 1983) e Vasconcelos (1995). E da Educação Física brasileira foram: Bracht (1992), Castelani Filho (1988), Silva (1993); Soares (1992) e Kunz (1991).

O final da década de 1980 e toda a década de 1990 caracterizaram-se pela tentativa de superar as práticas avaliativas difundidas na avaliação educacional, voltadas, especificamente na Educação Física, para seus aspectos motores e fisiológicos. Os autores argumentam a necessidade de uma prática avaliativa formativa, contínua e diagnóstica, com base no reconhecimento de que os testes padronizados de rendimento não ofereciam as informações necessárias para compreender o que os professores ensinam e o que os alunos aprendem. Nesse sentido, a avaliação do processo de ensino-aprendizagem na Educação Física deve considerar a observação, análise e conceituação de elementos que compõem a totalidade da conduta humana, ou seja, deve estar voltada para a aquisição de conhecimentos, habilidades e atitude dos alunos. Essa prática resultará num constante processo de ação/reflexão/ação do contexto estudado.

A análise de estudos no campo da Educação, como os de Barreto e Pinto (2001) e Gatti (2002), fornece-nos indícios para destacarmos que a produção/sistematização dos estudos da avaliação na Educação Física acompanhou, ao longo de sua história, o que havia de mais recente no campo da Educação. Essa aproximação está associada, em grande medida, pela vinculação dos profissionais de Educação Física aos programas de Pós-Graduação em Educação, em busca de novos referenciais teóricos para responder à chamada crise de legitimidade da Educação Física.

Tal estudo evidenciou uma lacuna no conhecimento sobre o que está sendo praticado no interior da escola, haja vista que, de um corpus documental de trinta e três artigos, cinco investigaram a prática avaliativa do professor de Educação Física, sendo eles: Capinussú (1984), Santos e Gonçalves (1996), Rombaldi e Canfield (1999), Batista (1999/2000), Rodrigues Filho et al. (1999). Nesse sentido, estamos agora procurando investigar como os professores de Educação Física expressam essa prática avaliativa em seu fazer pedagógico.

Os autores, Wagner dos Santos é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação na UFMG e Bolsista CAPES Amarílio Ferreira Neto é Professor na Universidade Federal do Espírito Santos - Departamento de Desporto, ambos Membros do Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física

Referências bibliográficas

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