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Revisitando os Anais dos últimos Congressos Brasileiros de Educação Física (X, XI, e XII CONBRACE, I, II, III, IV e V ENFEFE e X Congresso de Volta Redonda) observamos que a quantidade de trabalhos referentes a Educação Física Escolar vem aumentando significativamente, sendo em todos eles o assunto de maior número de apresentações. Vários temas têm sido abordados, muitas experiências relatadas e compartilhadas, porém a quantidade relacionada a temática da avaliação é, do nosso ponto de vista, pequena.

Em termos de bibliografia também identificamos uma grande ausência de publicações específicas de avaliação em Educação Física.

Fazendo uma média quantitativa encontramos em torno de 2 a 3 trabalhos, no máximo, apresentados sobre avaliação nestes eventos, ressaltando que em muitos deles não houve nenhuma apresentação sobre a temática. Este silêncio nos parece sintomático.

Ao nos debruçarmos sobre o tema da avaliação a primeira consideração a fazer é a de que tratar de avaliação da aprendizagem é tratar da totalidade do fazer pedagógico, já que o processo avaliativo dasencadeia questionamentos acerca dos objetivos, conteúdos, metodologias, relação professor/aluno, aluno/aluno, sociedade/escola, etc. Ou seja, todo processo educativo é colocado a prova quando questionamos as práticas avaliativas que utilizamos em nosso cotidiano. Ele é assim um aspecto nuclear do processo ensino-aprendizagem.

Sobretudo, falar de avaliação leva necessariamente a questionamentos acerca do papel do professor enquanto promotor do desenvolvimento do outro (aluno) e do seu compromisso com a qualidade deste desenvolvimento. Com certeza esta é uma temática complexa e geradora de muitas expectativas e ansiedades, principalmente quando observamos que para avaliar bem é necessário se ter clareza de onde se quer chegar com este desenvolvimento, tanto em termos de aquisição de conteúdos, quanto em termos de utilização deste conteúdo para a intervenção construtiva na sociedade. O que observamos é que a Educação Física escolar iniciou há pouco tempo (década de 80) um questionamento mais crítico e contundente sobre a sua função social nos meios escolares. Dessa forma, entendemos que o silêncio sobre a temática da avaliação está relacionado, do nosso ponto de vista, a essa noção, ainda imatura, sobre o seu papel enquanto promotora de um desenvolvimento significativo na escola.

Historicamente o significado da avaliação baseou-se no princípio de medir. Segundo Franco (1995:15), a psicologia enquanto buscava o seu status de ciência, fundamentou o seu conhecimento na concepção positivista de ciência, cujos princípios de verdade estão baseados nos métodos experimentais que possibilitam medir, quantificar os resultados, buscando um conhecimento objetivo. Para isso multiplicaram-se procedimentos objetivos e, pretensamente neutros, de coleta de dados acerca da realidade e do desenvolvimento dos alunos.

Souza (1995) reforça esta consideração, apontando que a partir da década de 30 do século XX ampliou-se muito no Brasil a idéia de medidas, através dos testes padronizados. que mediam o alcance dos objetivos educacionais. Este modelo é chamado objetivista.

Conforme Franco (1995), as dificuldades do modelo objetivista aceleraram discussões sobre outras possibilidades, na tentativa de se contrapor a este. Assim surge a abordagem subjetivista ou idealista da avaliação, tendo o indivíduo como centro do processo. Este modelo significou um avanço em relação ao anterior, em função da atenção dispensada ao aluno, entendendo-o como sujeito ativo na construção de seu conhecimento. No entanto ele ainda moutrou-se insuficiente para dar conta da realidade educacional, já que a centralização excessiva no indivíduo atomizado não permitia entendê-lo como ser histórico, social e culturalmente localizado. Além disso, a repulsa preconceituosa contra qualquer tipo de quantificação tornou-se quase um dogma.

No período pós-64, com a ditadura militar, o modelo objetivista em sua vertente tecnicista, intensifica-se novamente.

Na tentativa de romper com o modelo tecniscista e subjetivista da avaliação do rendimento escolar, surgem análises históricas, sociológicas e econômicas. Esta tendência inicialmente teve um viés de análise excessivamente macrosocial, ocultando aspectos fundamentais do processo ensino-aprendizagem.

Atualmente alguns autores tentam superar estes modelos entendendo que a avaliação do rendimento escolar necessita centralizar a sua atenção no desenvolvimento do aluno entendido como ser social, histórico e cultural. Hoffmann (1993) considera que a avaliação do rendimento escolar deve ir além da simples medida, promoção e classificação do aluno, para ser entendida como uma busca de qualidade do ser no seu máximo de potencialidade sem padronizações prévias. Para Luckesi (1995), avaliar o rendimento escolar implica, além da coleta, análise e síntese sobre o objeto avaliado, a qualificação destes dados para posterior tomada de decisão. Perrenoud (1999) considera que a avaliação constitui um instrumento de análise do processo educativo, dos erros e dos acertos, objetivando subsidiar a "regulação das aprendizagens", isto é, o redirecionamento no sentido de suplantar as dificuldades educacionais. Demo (1996), considera que a avaliação escolar tem o compromisso de manter vivo o processo de reconstrução permanente da qualidade, havendo, portanto uma coincidência entre o diagnóstico permanente da realidade, e a forma de intervir nela num sentido reconstrutivo. Significa pois competência histórica para conjugar qualidade formal (aquisição de conhecimento) e política (uso deste conhecimento).

Diante das diversas concepções relativas a avaliação do rendimento escolar, consideramos que estes autores apresentam grandes avanços no sentido de redirecionar a avaliação para que ela cumpra o papel de ser um instrumento a serviço da qualidade da educação. Entendemos qualidade aqui na perspectiva de Demo (1996:26) como sendo o acesso e manejo de instrumentos conceituais que permitam uma intervenção crítica, ética e comprometida com uma sociedade marcada pelo mínimo possível de exclusão. A leitura que fazemos acerca das abordagens atuais da Educação Física escolar partem dessas concepções de avaliação.

Cumpre inicialmente identificar o recorte que procedemos em relação às abordagens da Educação Física. Selecionamos, para efeito deste trabalho, as quatro abordagens estudadas por Darido (1999) por estas terem publicações suficientes nos permitindo assim uma identificação mais fidedigna de suas concepções de avaliação, bem como por serem as mais conhecidas e estudadas atualmente. São elas: construtivista-interacionista (João Batista Freire), desenvolvimentista (Go Tani), sistêmica (Mauro Betti) e crítico-superadora (Celi Taffarel e outros).

A abordagem construtivista-interacionista, desenvolvida por João Batista Freire, foi divulgada em seu livro "Educação de corpo inteiro-teoria e prática da Educação Física" em 1989. A proposta busca nos estudos de Jean Piaget e sua teoria construtivista, a fundamentação necessária para atuação em Educação Física escolar. Freire considera que cabe ao professor de Educação Física a construção do conhecimento sistematizado e escolarizado, através das práticas corporais lúdicas. Em sua obra explicita várias críticas aos modelos de avaliação em Educação Física mecanicistas e com padronizações rígidas do domínio psicomotor. Em contrapartida apresenta sugestões acerca de uma avaliação que leve em conta a individualidade e a subjetividade humana. Se contrapõe aos modelos avaliativos que se utilizam apenas das mensurações e propõe que se busquem avaliar os campos pouco observáveis de forma qualitativa. Do nosso ponto de vista este modelo encaixa-se perfeitamente no modelo subjetivista (citado por Franco,1995), visto sua atenção preponderante no indivíduo, em sua subjetividade e na enorme aversão a qualquer tipo de mensuração durante o processo avaliativo.

A abordagem desenvolvimentista é divulgada e defendida no Brasil através da obra "Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista" escrita por Go Tani et alli em 1988. Sua fundamentação está calcada nos processos da aprendizagem motora, através da taxionomia desenvolvida por Gallahue e aperfeiçoada pelos autores da abordagem. Cabe ao professor de Educação Física proporcionar experiências motoras que favoreçam a aquisição de habilidades por parte dos alunos, em graus cada vez mais elevados. . No texto da abordagem não encontramos um capítulo específico sobre avaliação, mas fica explícito que o processo avaliativo é de fundamental importância, já que o professor necessita estar atento durante todo o processo para verificar que experiências são mais adequadas para levar o seu aluno a progredir dentro das etapas de desenvolvimento. Consideramos, entretanto, que o modelo de avaliação utilizado está relacionado ao modelo objetivista (citado por Franco, 1995), visto a padronização do comportamento esperado e previamente determinado, e a visão objetiva de desenvolvimento e comportamento humano. O indivíduo (aluno) não é visto em sua historicidade, em sua realidade sócio-econômica e cultural, o comportamento motor esperado é padronizado e organizado em etapas (taxionomia), e por fim, no uso de fichas individuais sistematizadas para acompanhar o progresso dos alunos.

A abordagem sistêmica, divulgada e defendida por Mauro Betti através, principalmente do seu livro "Educação Física e sociedade" em 1991, entende que dentro das características gerais dos modelos sociológicos de sistemas, a Educação Física escolar encontra-se no último nível de decisões e, portanto, com um grau de liberdade de ação e opinião diminuídos. Entretanto, Betti considera que o professor apesar disso, ainda tem muitas condições de acatar ou não as decisões dos níveis hierárquicos superiores. Portanto, cabe ao professor de Educação Física trabalhar com seus alunos várias possibilidades, dentro da sua convicção filosófica sobre o homem, a sociedade e o papel da educação, que busquem a formação de uma personalidade crítica, criativa e consciente. Betti considera então alguns instrumentos disponíveis para acionar tais propostas que são os princípios da não exclusão, da cooperação, da honestidade e da diversidade. Em nenhum momento de sua obra, porém, o autor trata da questão da avaliação. Consideramos que isto ocorre devida ao fato desta obra nõa se propor a apresentar um modelo sistematizado e metodologicamente organizado de Educação Física escolar. A preocupação central parece ser a apresentação do percurso trilhado pela Educação Física historicamente e seus papéis conforme o contexto, a partir de uma análise sociológica dos sistemas para, posteriomente, apresentar as possibilidades que existem de trabalho com Educação Física escolar, no sentido crítico com vistas a transformação social.

A abordagem crítico-superadora é aprsentada e divulgada pelo livro "Metodologia do ensino da Educação Física", escrito por Celi Taffarel et alli, em 1993. Esta proposta fundamenta-se na pedagogia crítico-social dos conteúdos de Dermeval Savianni e José C. Libâneo. Baseada nesta concepção os autores propõem que a Educação Física escolar se utilize dos conteúdos historicizados da cultura corporal para aprofundarem a reflexão do aluno sobre o processo de construção da realidade e seus determinantes históricos, políticos, sociais e culturais, numa apreensão crítica do conhecimento. Especificamente sobre avaliação do rendimento escolar os autores apresentam a preocupação de que a avaliação não tenha apenas uma dimensão técnica, mas que "sirva de referência para análise da aproximação ou distanciamento do eixo curricular que norteia o projeto pedagógico da escola" (Taffarel,1993:103). Assim entendem que a avaliação é fundamental e central dentro do processo pedagógico, e consideram que ela tem relação direta com o projeto histórico explicitado nos plano educacionais da escola e do professor. Quanto aos instrumentos e critérios os autores apontam para a urgência em romper com as visões que homogeinizam e condicionam os indivíduos. Consideramos que a proposta apresentada por esta abordagem aproxima-se bastante das perspectivas apresentadas pelos autores que buscam na avaliação um instrumento a serviço da qualidade do ensino, sobretudo Demo. A dimensão política da qualidade é bastante evidenciada numa perspectiva de busca incessante pela transformação social.

Levando em conta nossas leituras e discussões, concluímos que a avaliação do rendimento escolar possui ampla bibliografia, mas que, especificamente, em Educação Física existe uma enorme carência de discussões. Mesmo as abordagens, que são propostas metodológicas atuais, fundamentadas e organizadas, encontramos algumas ausências de discussão. Consideramos, por fim, que a abordagem crítico-superadora é a que apresenta uma concepção de avaliação mais próxima do que entendemos por avaliação a serviço da qualidade do ensino, com vistas à construção de uma sociedade mais crítica, criativa, consciente e com justiça social.


Obs.
A autora, professora Amparo Villa Cupolillo, é professora do Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino e coordenadora do GEPEFE da UFRRJ, o autor Rodrigo Emiliano Pinto é professor substituto do Departamento de Teoria e Planejamento de Esnino e membro do GEPEFE da UFRRJ, os demais autores, Frederico dos Santos Furtado, Adalgisa Maria de Castro, Anderson Luiz Felix Barbosa, Paulo Ricardo Santos Pinto, Sheila Raquel Ferreira Segóvia, Wecisley Ribeiro do Espírito Santo, Leonardo de Souza, Reginaldo Xavier da Silva e Cinthia Cristiane da Silva Marujo são estudantes de licenciatura em Educação Física e membros do GEPEFE da UFRRJ.

Referências bibliográficas

  • Betti, Mauro. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.
  • Darido, Suraya Cristina. Educação Física na escola: questões e reflexões. Araras: Topázio, 1999.
  • Demo, Pedro. Avaliação sob o olhar propedêutico. Campinas: Papirus, 1996.
  • Hoffman, Jussara. Avaliação mediadora. Uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Educação & Realidade, 1993.
  • Franco, Maria Laura P. B. "Pressupostos epistemológicos da avaliação educacional" in, SOUSA, Clarilza Prado de. Avaliação do rendimento escolar. Campinas: Papirus, 1995.
  • Freire, João Batista. Educação de corpo inteiro-teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1997.
  • Souza, Clarilza Prado de (org.). Avaliação do rendimento escolar. Campinas: Papirus, 1995.
  • Luckesi, C. Cipriano. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 1995.
  • Perrenoud, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens-entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
  • TAaffarel Celi N. Zülke et alli. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1993.
  • Tani, Go et alli. Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU/EDUSP, 1988.