Avaliação em Educação Física Escolar: Um Relato de Experiência
Por Sebastião Carlos Ferreira de Almeida (Autor).
Em VI EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Este trabalho tem como objetivo estabelecer relações entre a avaliação em Educação Física escolar baseada num modelo tradicional de ensino e a forma como são realizadas as instruções no meio militar. Após a descrição de algumas das experiências vividas como aluno e enquanto e como licenciando de Educação Física, de maneira informal em escolas públicas no Rio de Janeiro, o autor tece comentários acerca do assunto, relacionando as com experiências vividas nos treinamentos físicos militares. As experiências estarão relacionadas com citações dos autores que concebem a atuação dos professores como pregressa à vida acadêmica do mesmo, reportando às suas vivências como aluno nos níveis fundamental e médio.
Os relatos estão permeados da inconsistência na abordagem de conteúdos e de como o processo de avaliação mostra-se ineficiente e descompromissado com o processo ensino-aprendizagem.
Saberes pré-profissionais
Alguns autores (Tardif & Raymond, 2000; Holt Reynolds 1992 apud Tardif & Raymond, 2000;) defendem o ponto de vista de que a atuação do professor é influenciada pelas suas experiências como aluno. O saber-fazer do professor é embasado por uma gama de experiências que os autores definem como "fontes pré-profissionais do saber-ensinar" (Tardif & Raymond, 2000, p.217).
Os professores são trabalhadores que foram imersos em seu lugar de trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15.000 horas), antes mesmo de começarem a trabalhar. Essa imersão se expressa em toda uma bagagem de conhecimentos anteriores, de crenças, de representações e de certezas sobre a prática docente. (idem, p 218)
Fica claro que experiências anteriores ao processo formador do magistério são importantes para a constituição dos seus saberes profissionais, deixando marcas indeléveis que não são alteradas de forma efetiva pela formação acadêmica.
Holt Reynolds (1992) apud Tardif & Raymond (2000), diz como os futuros professores do secundário "(...) aderem espontaneamente a uma visão tradicionalista" (p.220). Relata em suas pesquisas, "... que a visão tradicionalista do ensino tem raízes na história escolar anterior desses futuros professores, os quais concebem o ensino a partir de sua própria experiência como alunos no secundário" (idem, p.221).
Importante se torna então a abordagem dos saberes que permeiam a prática da Educação Física. Segundo Costa (1994, p.26) "a aprendizagem da profissão docente não principia com a freqüência de um curso de licenciatura em ensino; é algo que o professor realiza durante toda a vida". É, neste sentido, que o professor aprende e apreende determinadas formas de agir e pensar antes mesmo de freqüentar o curso de licenciatura em Educação Física.
Os professores e a dinâmica das aulas
O autor teve contato com a disciplina Educação Física, durante a sua vida escolar, a partir da 5ª série, sendo ministrada pelo mesmo professor até a 7ª série. As aulas transcorriam de forma não diretiva e o conteúdo era o futebol de salão durante todo o ano. Os alunos se interessavam bastante pelas aulas. Alguns, porém, não apreciavam a prática de tal atividade e eram discriminados por isso. Os alunos que demonstravam um desempenho elevado se sobressaiam nas aulas e eram bem vistos pelo professor nas aulas de Educação Física, como exemplos a serem seguidos. A dinâmica das aulas não permitia que os alunos se apresentassem de forma participativa. Não havia espaço para opinar sobre os conteúdos trabalhados.
No livro Coletivo de Autores (Soares et alii, 1992, p. 101), faz menção a esse modelo de professor ao citar como os conteúdos das aulas são abordados: "... o foco do ensino tem sido o sistema esportivo, determinando-se, a partir daí, os objetivos voltados predominantemente para promover o treinamento do esporte,...".
A par disso - como ocorria em situações em que havia distúrbios de disciplina - algumas aulas eram intensas ao ponto de deixar os alunos menos preparados fisicamente esgotados, muito se assemelhando ao estilo militar. Esse modelo encontra raízes nas diretrizes que norteavam a Educação Física (Ghiraldelli, 1992).
Algumas semelhanças puderam ser observadas durante o processo de formação no curso de formação de sargentos do exército (CFS), onde os alunos eram escalados, para serem guias da ginástica de aquecimento, que tinha por objetivo servir como preparação para o treinamento físico militar. Umas das funções do sargento é dirigir as atividades durante o treinamento físico militar. Esse ponto remete a citação feita por Soares: "Isso pode ser verificado nas vezes que o professor, durante uma aula (...) atribui aos alunos a responsabilidade de dividir grupos, equipes, cabendo isso aos identificados como "líderes" em função de suas competências e habilidades para a atividade" (Soares et alii, 1992, p. 99).
Eram reunidos dois grupos: os 1º tenentes-alunos oriundos de cursos de nível superior da área biomédica (médicos dentistas e farmacêuticos); e os alunos do curso de formação de sargentos, de nível primário. Conforme a hierarquia militar, eram posicionados os tenentes-alunos a frente dos alunos do CFS e as performances daqueles podiam ser observadas durante toda a sessão da ginástica de aquecimento. Por terem idade maior que a dos alunos do CFS, os tenentes-alunos atingiam índices menores que os primeiros. No entanto, a exigência da performance estava relacionada com o posto superior que ocupavam. Eles próprios se exigiam muito e sucumbiam na tentativa de se equiparar os alunos do CFS mais aptos a atingirem os índices estipulados para as atividades em função de serem mais jovens .
Cabe aqui ressaltar a similaridade entre o modelo militar e a ênfase na performance: o instrutor (professor) atinge níveis elevados de performance, o que impele os alunos a buscarem atingir os mesmos níveis e se sentirem diminuídos ao não conseguirem.
Outro ponto a se observar é a relação verticalizada muito observada na instrução militar. Esse fato também aparece na imposição da atividade intensa infringida pelo professor que se coloca como um rígido treinador, punindo condutas que ferem a sua autoridade de professor.
Como licenciando de Educação Física tive a oportunidade de assistir a algumas aulas de Educação Física para uma turma do ensino médio. Havia formatura inicial para a realização da chamada e treinamento de marcha em todos os moldes militares. A disciplina era rígida o e professor exemplificava todas as técnicas que deveriam ser executadas pelos alunos de maneira correta e vigorosa o que, após essa execução, impingia nos alunos o dever da execução correta, dando espaço a repreensões severas aos alunos que não conseguissem realizá-las.
Essa experiência se aplica totalmente ao que Coletivo de Autores relata:
"Nessa linha de raciocínio pode-se constatar que o objetivo é desenvolver a aptidão física. O conhecimento que se pretende que o aluno apreenda é o exercício de atividades corporais que lhe permitam atingir o máximo rendimento de sua capacidade corporal" (Soares et alii, 1992, p. 36).
Os conteúdos e os objetivos das aulas citadas se baseiam na prática, no desenvolvimento da aptidão física, de forma que os alunos mais aptos à atividade física - por terem a oportunidade ou o interesse em praticar atividades físicas fora do âmbito das aulas de Educação Física - se sobressaiam em detrimento de alguns que não atingiam a mesma performance daqueles.
O processo avaliativo
Os exemplos citados trazem informações importantes que corroboram para as conclusões obtidas pelas pesquisas de Souza (apud Ferreira et alii, 1993). O modelo avaliativo adotado por aqueles professores em muitos pontos se assemelham ao modelo clássico que a autora faz referência .
Nas experiências no nível fundamental, o processo de avaliação não era claro. Eram formuladas "... pela consideração da presença em aula, sendo este o único critério de aprovação e reprovação, ou, então, reduzindo-se a medidas antropométricas..." (Soares et alii, 1992, p. 99). O mais importante era que os alunos estivessem presentes e participassem do futebol.
No caso das aulas no nível médio, as avaliações se compunham de verificações práticas das técnicas ensinadas durante o referido período, ficando aquele mais preparado fisicamente com um somatório considerável, ainda que a frequência e a participação nas aulas também se somasse à nota final.
Souza (apud Ferreira et alii, 1993) ao relacionar as tendências de avaliação do processo ensino-aprendizagem localiza essa sistemática da avaliação no modelo da Tendência Clássica de avaliação: " A avaliação enquanto medida privilegia a mensuração das evidências observáveis do comportamento humano, procurando mensurar, a partir de escalas métricas ou de tabelas quantitativas previamente definidas ..." (idem, p. 122).
Esses relatos trazem dados que ratificam os resultados da pesquisa feita por Souza : " Os docentes partidários desta tendência explicitaram em suas falas uma preocupação com aspectos relacionados à performance e à execução correta dos jogos e habilidades desportivas (...) independentemente do nível de desenvolvimento do educando." (idem, p.137). Importante enfatizar o detalhe de que o desenvolvimento da aptidão física se sobrepões à individualidade do aluno, não tendo o processo avaliativo a função de acompanhar como está se dando o processo ensino-aprendizagem.
Esses entendimentos negligenciam, entre outras coisas, o fato de que a avaliação contém um caráter "formal", aparente, explicativo e assumido pela escola, por exemplo, na determinação de períodos para avaliação e de notas, na seleção dos talentos esportivos etc. contém, ainda um caráter "não formal" expresso em todas as condutas e comportamentos que constantemente, durante a aula, o professor utiliza para situar o aluno em relação aos seus conhecimentos, habilidades e valores (Soares et alii, 1992, p. 99).
A avaliação torna-se então uma formalidade a ser seguida pelas normas do estabelecimento de ensino ou uma forma de avaliar as condições físicas do aluno, uma busca de aptidões.
Concluindo: uma proposta superadora
Uma prática nas aulas de educação física que seja diversa da apresentada nos exemplos é a que a define como: "... uma prática pedagógica que, no âmbito escolar tematiza formas de atividade expressivas corporais como: jogo, esporte, dança, ginástica, formas estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura corporal." (Soares et alii, 1992, p. 50).
A Educação Física precisa incutir nos alunos o desejo de criar e recriar atividades corporais propostas. Não é preciso descartar os conteúdos técnicos, porém é preciso que se dê a eles uma abordagem contextualizada aos mesmos e não os priorize como exclusivo.
Obs. O autor, Sebastião Carlos Ferreira de Almeida, é licenciando da UFRJ
Referências bibliográficas
- Medina, J. P. S., A Educação Física cuida do corpo ... e "mente", Editora Papirus,15 ed, São Paulo, 1981.
- Ghiraldelli, P., Educação Física Progressista, Edições Loyola, 4 ed, São Paulo, 1992.
- Soares, C. L. et alii, Metodologia do Ensino de Educação Física / Coletivo de Autores, Cortez, São Paulo, 1992.
- Souza, N. P. Avaliação na Educação Física (p.121-149). In: FERREIRA NETO, Amarílio et alii, Ensino e Avaliação em Educação Física, Ibrasa, São Paulo, 1993.
- Costa, F. C. da, Formação de professores: objetivos, conteúdos e estratégias. (pp. 26 a 39) Revista da Educação Física, Vol 5, Nº 1, Maringá: 1994.
- Tardif, M. & Raymond, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. (pp. 209 - 244). Revista Educação e Sociedade, n.º 73, ano XXI, Campinas: CEDES, 2000.