Avaliação escolar: Para além das presentações
Por Micheli Ortega Escobar (Autor).
Em IV EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Cabe-me apresentar neste encontro científico da área de Educação Física a problemática da "Avaliação Escolar", porém, devo esclarecer que não é meu propósito abordar a docimologia e seu estudo dos elementos objetivos de aferição de conhecimento na escola. Pretendo ir mais além e expor as conexões existentes entre os aspectos formais e informais da avaliação, vez que eles explicitam a subordinação da avaliação escolar às funções sociais da escola as quais encontram explicação nas relações que se estabelecem entre educação e sociedade. Assim sendo, é importante fazermos, de início, algumas considerações sobre as mudanças que o governo impôs ao sistema educacional brasileiro.
Na tentativa de superar mais uma das suas crises cíclicas o capitalismo implementa medidas atentatórias à liberdade dos nossos países por ele denominados "do terceiro mundo" ou, no seu vocabulário dito moderno, "emergentes". Como conseqüência dessas medidas, asseguradas pelo controle das instituições encarregadas de preservar esse poder econômico - tais como o FMI e o BID -, os países pobres e dependentes somos desnacionalizados, nossos Estados negam-se a assumir a responsabilidade sobre as políticas sociais, perdemos nosso patrimônio público e nossos serviços sociais.
Para minimizar a resistência às mudanças em curso, o capitalismo mantém em primeiro plano um processo de enquadramento das consciências na idéia de que esse violento sacrifício social é indispensável para se atingir as benesses de um mundo tecnologicamente mais desenvolvido, processo que nos exige manter a clareza de que, embora as agências internacionais prescindam da cultura local para homogeneizar os povos, os processos sociais fazem parte da história do país, os tecnológicos não.
Mas, não é difícil perceber que a moldagem subjetiva, no quadro atual, além de provocar o alarmante estado de passividade de grandes setores da população, incluindo-se aí professores de todos os níveis, impede a compreensão clara das diretrizes que modificam as taxas de exploração adequando-as aos objetivos de acumulação capitalistas, mudam o papel do Estado e redefinem a composição da classe trabalhadora esmagando, ao mesmo tempo, as possibilidades de reação política e ideológica e, mais ainda, impede compreender que as diretrizes que redefinem o papel da educação atingem a nós educadores, dramaticamente, nas condições objetivas de trabalho.
FREITAS, L. C., em conferência proferida no VI ENDIPE, em 1991, alertou para o rumo que o capital estaria dando à educação pelos seus interesses com a formação do novo trabalhador. Na mira do capital estaria a avaliação sistemática da didática e das metodologias específicas, com destaque para a matemática e a alfabetização, especialmente a partir dos resultados que elas geram. Para ele, junto à imagem do novo trabalhador estaria sendo requerida a presença de uma nova didática e de um novo professor. Entretanto, essa nova didática nada mais seria do que o estudo de métodos específicos para o ensino de conteúdos considerados prioritários. A formação do professor poderia ser aligeirada, dando lugar à formação de um prático. Dessa forma os determinantes sociais da educação e o debate ideológico poderiam vir a ser considerados secundários, uma perda de tempo motivada por um excesso de politização da área educacional.
Isso foi nove anos atrás. Hoje vivemos a realidade que foi apontada, nessa ocasião, como hipotética.
Sendo necessário ao capitalismo suprimir em grande escala forças e potencial produtivo, a educação tornou-se um problema devido ao número de conquistas sociais acumuladas no setor, por isso a privatização em todos os níveis e a transformação das escolas e universidades em instituições produtivas, com o qual geraram-se duas conseqüências: a primeira, a transferência - ou partilha - do controle do aparato escolar ao capital. A segunda - considerando que a necessidade de introdução de novas tecnologias obrigou ao capital a abrir mão de um nível mais elevado de educação -, o aumento do controle mais direto do projeto político pedagógico da escola concretizado nas provas externas ou "provões".
Se o Estado aumenta o controle sobre a instituição escola, que já é uma agência de controle simbólico, é por que esse controle está dirigido à preservação dos objetivos do projeto político. E tem mais, a avaliação externa desqualifica o professor pela perda do controle do seu processo de trabalho o qual obriga-o a adaptar a avaliação interna à externa. Aumenta o poder do estado dentro da sala de aula e diminui o do professor.
No entendimento básico de que a educação não pode ser tratada fora das relações sociais darei continuidade a questão da avaliação utilizando os dados da Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Educação da UNICAMP em 1997. O estudo fazia parte de uma Linha de Pesquisa que se desenvolve no Laboratório de Observação e Estudos Descritivos dessa Faculdade, sob orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos de Freitas. O objetivo foi contribuir com a reconstrução do campo da Didática apontando sua superação pela teoria pedagógica. Indicamos áreas prioritárias de investigação denominando-as "problemáticas significativas" e utilizamos como referência teórico-metodológica o materialismo histórico-dialético. Com intuito de fornecer bases para a formação de categorias de análise na área da Didática, examinamos material sobre prática pedagógica, coletado em três âmbitos: 1º. Na produção em torno da Didática por autores nacionais que, segundo sua própria expressão, procuravam manter-se próximos do marco referencial materialista histórico e dialético sem no entanto assumir a crítica das suas obras, somente retiramos delas abordagens específicas das problemáticas em estudo. 2º. Na produção de conhecimento específico da área de Educação Física constituída pelas dissertações de mestrado de três Universidades - USP, UFRJ e UFSM escolhidas por serem as primeiras a instalar mestrados na área - e pelas obras de literatura especializada do período 1982/92 e 3º. Num estudo de campo para vivenciar as práticas correntes em Educação Física numa escola do 1º Grau da Rede Estadual de Pernambuco, cidade do Recife. Nossa hipótese de trabalho era que nas problemáticas significativas da prática pedagógica podiam ser encontrados, de forma embrionária, elementos da própria teoria pedagógica. Examinamos os aspectos constitutivos iniciais de cada uma delas, abordando-as aos pares: organização do trabalho pedagógico/seleção, organização e sistematização do conhecimento e avaliação/objetivos, considerando-as categorias pares por serem categorias interpenetradas pelos seus contrários.
Organização do trabalho pedagógico/seleção, organização e sistematização do conhecimento
Examinamos as contribuições selecionadas à luz dos seguintes critérios: a) abordagem de uma escola concreta: a escola capitalista, o que significa apreender não apenas o conteúdo-forma do ensino, senão o conteúdo-forma da escola, compreendendo suas relações com a base material; b) referência a um projeto histórico claro para situar as propostas de mudanças no âmbito das relações Estado-sociedade; c) compreensão de que a permanência no nível das categorias do materialismo histórico, sem uma formulação das categorias próprias da prática pedagógica, promove análises mecanicistas da escola que podem supervalorizar seu potencial de ação na perspectiva de mudanças sociais; d) compreensão de que a elaboração das categorias a partir da prática pedagógica deve acontecer à luz do materialismo dialético; e) compreensão de que o enfoque materialista histórico-dialético só pode vincular-se a uma pedagogia claramente socialista; f) abordagem da educação no movimento histórico da luta de classes; g) abordagem do trabalho enquanto princípio educativo, destacando-se o papel de controle do capital através da organização do trabalho e dos mecanismos de apropriação do conhecimento, ambos aqui considerados como expressões político-pedagógicas dos conflitos de classe que se materializam no complexo espiralado da unidade de ensino, na unidade de ação e no trabalho coletivo.
Considerando que no marco teórico-metodológico materialista histórico-dialético a amplitude e o caráter de uma teoria são dados pelo grau de fundamentabilidade do seu princípio determinante, representado, naquelas de maior importância, pela tese cuja veracidade já foi autenticamente estabelecida, o pressuposto para estabelecer as bases da teoria pedagógica foi o princípio da atividade prática. Para o marxismo é a atividade prática - no sentido que lhe é atribuído por MARX, de ser atividade livre, universal, criativa e autocriativa - o meio pelo qual o homem faz, produz e transforma seu mundo, humano e histórico, e a si mesmo. Para manter essa coerência, ao longo do nosso trabalho, abordamos a teoria como
"(...) atividade que deve compreender não só a descrição de certo conjunto de fatos mas, também, sua explicação, o desenvolvimento de leis a que eles estão subordinados" (KOPNIN, 1978:238) e buscamos na prática pedagógica da escola pública a contrapartida necessária para não tornar a teoria uma mera abstração.
O trabalho como organizador curricular e como princípio fundante de uma pedagogia superadora - socialista - foi, na nossa investigação, uma categoria de análise que nos propiciou um exame mais aprofundado das teses sustentadas pelos diferentes autores sobre as problemáticas em estudo. Encontramos divergências acentuadas na interpretação desse princípio educativo, certamente em razão das divergentes interpretações do materialismo dialético, à luz do qual ele não se expressa somente quando estabelecida uma relação direta dos alunos com a politecnia, pois ele está presente em todo o conteúdo da escola - expressão do projeto político pedagógico que dá forma à organização global do trabalho pedagógico da escola e da sala de aula - e do conteúdo do ensino. Assim, e embora autores como LIBÂNEO (1991) definam a especificidade da educação pelo trabalho não material, a estrutura e conteúdo do processo de aprendizagem exigem a abordagem da ontogênese do pensamento científico e das suas regularidadaes pela lógica histórico-objetiva. Em outros termos, na sua gênese na atividade - trabalho - material, pois o princípio do trabalho se traduz, mais do que num programa explícito de atividades pedagógico-laborais, no direcionamento do ensino pelas contradições produzidas no interior da escola pelo modo de produção capitalista, em último termo, razão da opção política do sistema educativo. A prática da sala de aula não se relaciona diretamente com a prática social senão pela mediação da organização global da escola.
A coleta dos dados da prática de Educação Física, da rede estadual, foi realizada com ajuda da gravação de 25 aulas, na íntegra, em fitas de video-tape. Uma leitura analítica cuidadosa e aprofundada nos permitiu ver que os fatos que aconteciam durante a aula e que tinham relação com as problemáticas em estudo, davam-se em dois tipos de ocorrências: o primeiro envolvia eventos que surgiam durante o desenvolvimento da aula, ocasionalmente e, embora mantivessem um mesmo dado comum, não se repetiam da mesma forma em todas elas, pelo que os denominamos "episódios". O segundo tipo agrupava ações que apareciam habitualmente na organização do trabalho do professor, em todas as aulas, de forma raramente alterada, demostrando-nos que integravam a própria estrutura da sua prática e que, portanto, possuíam um potencial quantitativa e qualitativamente expressivo, por isso decidimos identificá-las como "ações de rotina".
Na TABELA 3 podem ser observados detalhes quantitativos dos episódios e ações de rotina coletados.
A seguir procedemos à análise mais rigorosa até identificar certos aspectos afins, coincidentes e importantes que por se apresentarem de forma constante, estável e subsistente, indicando a presença de um invariante pudessem conduzir-nos à generalização - lembre-se que a investigação procura explicações dentro da prática e que essas explicações virão a ser conceitos ou categorias -, assegurando com esse procedimento que ela não fosse imposta de fora. Logo, agrupamos essas classes de ação sob um título que traduzia, do modo mais fiel possível, os traços essenciais captados.
Para os diversos agrupamentos de episódios e ações de rotina realizadas em cada problemática consideramos conveniente manter o nome de "Generalizações", vez que cada uma continha dados essenciais. Deve-se ter presente que a intenção era a de reunir evidências para a elaboração de categorias que subsidiassem a construção de uma teoria pedagógica; portanto, essas generalizações foram apontadas como elementos que assinalam a emergência de categorias nas problemáticas selecionadas. Nosso marco teórico para essa decisão foi o de que as categorias, refletindo as ligações e os aspectos universais do mundo exterior, "(...) são, ao mesmo tempo, graus do desenvolvimento do conhecimento, momentos que fixam a passagem do conhecimento de certos estágios do desenvolvimento a outros". CHEPTULIN (1982:59).
Na prática do Professor ficou evidente a relação da sua forma de organização do trabalho com os objetivos do projeto político da escola. A 1º Generalização foi construída com o conteúdo de episódios e ações de rotina em que agia sobre o comportamento dos alunos através de uma ação intensiva para desenvolver disposição ao acatamento de normas preservadoras de hierarquias sociais e condutas socialmente determinadas - às quais se outorga peso considerável na expectativa de sucesso do processo ensino-aprendizagem - que mantém um estado aparente de eqüidade no tratamento de todos.
A importância que o professor atribuía ao disciplinamento dos alunos pode ser apreciada no tempo da aula que dedicava, por exemplo, à organização em formações determinadas por ele, aparentemente por facilitar seu processo de controle, para realizar as exercitações - 4 minutos em média, equivalente a 8% do tempo total da aula - ou o tempo dedicado à aferição da freqüência - 6,3 minutos em média, equivalente a 13% do tempo total da aula. FIGURA 1.
Sintetizamos assim o conteúdo da 1ªGeneralização: "Professor normatiza comportamento dos alunos" extraído de um total de 136 episódios e 2 atividades de rotina do seguinte teor:
Iniciava a aula fazendo a chamada de cada uma das sete turmas separadamente desde a 5º A até a G; antes de responder os alunos deviam formar-se em filas, pela ordem, na sua frente;
Determinava a forma em que deviam organizar-se os alunos dentro da quadra;
Realizava a divisão dos alunos sempre pelo nível de conhecimento do Futsal;
Interrogava, mas não aparentava estar prestando atenção à resposta dos alunos pois ele mesmo falava em voz alta a resposta desejada;
Face aos erros na execução das habilidades ameaçava o aluno com a possibilidade de ter que treinar a aula toda até conseguir;
Ameaçava mandar embora meninos que brigavam entre si;
A freqüência era fator de reprovação.
Era consistente o número de ações do professor que implicavam formas explícitas da desvinculação da organização do trabalho pedagógico da atividade prática, do trabalho. Entendemos que a atividade jogar, como toda atividade humana, não existe fora do sistema de relações da sociedade. Portanto, é uma atividade que, como toda atividade objetiva, no dizer de LEONTIEV (1979:11-14), gera não somente o caráter objetivo das imagens, senão também a objetividade das necessidades, das emoções e dos sentimentos. Queremos dizer com isso que a organização do trabalho no modo capitalista de produção reflete-se na forma em que o professor trata a atividade jogar, privada das suas qualidades sensíveis, da mesma forma que delas é despojado o trabalho. Contraditoriamente, no entanto, esse trabalho artificial constitui-se em preparação dos alunos para o trabalho, especialmente pela ação disciplinadora.
A redução dos procedimentos metodológicos à aquisição de normas técnicas, a ausência da unidade metodológica, a separação teoria-prática e a desvinculação do conhecimento do trabalho social - como produção real e atividade concreta socialmente útil -, que podem ser observados nos episódios e ações de rotina coletados, demonstram que os princípios ideológicos da organização do trabalho no modo de produção capitalista estão presentes na prática pedagógica.
Sintetizamos assim o conteúdo da 2ªGeneralização:"Professor fragmenta o conhecimento" extraído de um total de 70 episódios e 6 atividades de rotina do seguinte teor:
Fragmentava o conhecimento do jogo em partes que apontavam para a especialização dos movimentos e das funções de cada pessoa, por exemplo: domínio e controle da bola - condução -passes rasteiros e pelo alto, chutes rasteiros e pelo alto - dribles e atividades táticas - posicionamentos, movimentação, marcação, jogadas ensaiadas, faltas, escanteios, laterais, centros; sistemas de jogo; regras;
Fazia repetir mecanicamente a habilidade o máximo de vezes que o tempo determinado por ele mesmo permitia;
Ensinou os movimentos especializados separados das suas táticas de uso durante o jogo em doze aulas;
Os alunos foram separados por sexo;
No "jogo" agia como se estivesse arbitrando um jogo esportivo oficial, dando ordens sobre a forma em que os alunos deviam realizar a atividade;
Sob uma temperatura de 36 a 38 graus não explicou o que era o "aquecimento";
Explicava que a falta de materiais esportivos não lhe permitia desenvolver trabalho melhor.
Uma terceira generalização contemplou aqueles episódios e ações de rotina referentes à organização temporal da prática pedagógica do professor, nos quais se traduzia, de forma evidente, a significação da unidade-aula, como tempo pedagogicamente determinado para o ensino, na formação de determinadas noções de tempo nos escolares através de uma seqüência fixa e inalterada das atividades, de uma específica relação tempo/cumprimento de obrigações e da imposição de uma certa valorização do tempo;
Sintetizamos assim o conteúdo da 3ªGeneralização:"Professor organiza sua prática no tempo aula" extraído de um total de 01 episódios e 6 atividades de rotina do seguinte teor:
As principais atividades da aula tinham uma ordem quase rígida: iniciava com a chamada para aferição da freqüência; continuava com a corrida de aquecimento; organizava os alunos em filas ou colunas para se exercitarem; explicava e demonstrava o que iria a ensinar; os alunos realizavam as tarefas; encerrava a aula.
Permanecia quase toda a aula com a caderneta de freqüência na mão;
Consultava o relógio até 5 vezes durante a aula;
Saiu sem dizer nada aos alunos que permaneceram jogando; voltou depois de dez min;
A aula era iniciada com a corrida ao redor da quadra, mas o professor mantinha jogando, no espaço interno, os alunos da turma de Segundo Grau do horário anterior, como forma de que os faltosos recuperassem as aulas;
Organizava a exercitação em dois grupos, dos menores e dos maiores; enquanto um praticava o outro grupo ficava esperando sentado ao sol. O primeiro grupo ia embora assim que terminava a prática; normalmente era o grupo dos menores;
Nas exercitações individuais todos os alunos tinham quase o mesmo tempo para praticar a tarefa - no máximo 4 vezes para cada menino -. Nas coletivas, os maiores sempre tinham mais tempo.
No QUADRO 1 observa-se a forma em que o professor organizava a utilização do tempo na sua aula. A dinâmica de organização do tempo da aula chamava a atenção pela regularidade, ao longo das 25 aulas, com que o professor conduziu sua prática. No QUADRO 2 pode ser analisada a distribuição detalhada do tempo em cada uma das aulas observadas.
O tempo efetivo da aula, determinado em 50 minutos pela atual normatização escolar, foi reduzido em média a 33,6 minutos, quer dizer, diminuído em 16 minutos para cada aula, principalmente pelo atraso no início da aula em 8,2 min, equivalentes a 16% do tempo total, bem como pela antecipação do término dela, numa média de 7,6 min, o que equivale a 15% do tempo total. Na FIGURA 1 pode-se apreciar comparativamente a duração média das atividades da aula.
A redução do tempo efetivo da aula, além de repercutir negativamente nas possibilidades concretas do trato com o conhecimento, era agravada pela falta de dedicação da atenção do professor integralmente ao seu trabalho (Coluna 4), pois, durante o tempo em que os alunos estavam desenvolvendo a tarefa que o mesmo tinha-lhes assinalado, concentrava-se em assuntos alheios à aula - passeava pela quadra, conversava com pessoas que se encontravam por perto, olhava a caderneta que conservava na mão, etc. -, usando desse modo uma média de 3,7 minutos em cada (Coluna 5).
É interessante o dado oferecido por BOHME (1985), USP, que, também preocupada com a racionalização e o controle do trabalho na prática pedagógica do professor, constatou que a duração das aulas, no universo pesquisado de 119 escolas, aproximadamente, do município de São Paulo, é, em média, de 31 minutos.
As informações coletadas demonstraram que as preocupações das crianças não eram preocupação do professor e, muito menos, o reconhecimento das relações dinâmicas e recíprocas entre essas preocupações e a realidade atual. Aliás, em todo o trabalho observado não encontramos indícios de uma reflexão anterior nesse sentido. Podemos constatar, através das entrevistas informais, que as crianças estabeleciam certas relações entre o papel da escola e suas expectativas de futuro, assim como entre a aula e as experiências da sua vida diária, o qual não teve nenhuma forma de tratamento por parte do professor. Os alunos manifestavam, por exemplo:
"(...) a aula de Educação Física é boa porque o professor ensina futebol e ensina bem os passes, mas Português, Matemática e Ciências são mais importantes do que a Educação Física";
m"(...) é melhor aprender na praia porque jogamos mais tempo e entre todos a gente se corrige e fica mais animado e gostoso";
"(...) Gosto de jogar vôlei na rua, com os amigos, porque jogam juntos meninas e meninos e todos aprendem a jogar juntos";
"(...) a Educação Física não tem nada a ver com qualquer outra disciplina da escola";
"(...) a Educação Física deve ensinar coisas referentes ao esporte e aos esportistas";
"(...) a Educação Física ensina vôlei, futebol de campo e de salão, basquete, natação, judô e karatê";
"(...) as meninas devem jogar queimada ou vôlei, pois são jogos para mulheres";
"(...) O objetivo da Educação Física é desenvolver as condições para praticar esportes";
"(...) Esse conhecimento é importante porque o esporte serve para brincar nas horas de descanso";
"(...) Gosto da Educação Física porque gosto de jogar bola e mais tarde ser um jogador profissional";
"(...) Não é necessária a Educação Física na escola porque a gente também aprenderia a jogar no campo e na rua, mas na escola é mais organizado";
"(...) a Educação Física é importante porque as pessoas que fazem esporte têm boa saúde".
"(...) As outras disciplinas da escola ensinam coisas para depois a gente poder trabalhar, por exemplo, fazendo contas; a Educação Física ensina para formar o trabalhador (jogador), dos clubes de futebol";
"(...) Gostamos de Educação Física porque queremos ser jogadores de futebol profissional. Os jogadores de futebol ganham muito dinheiro e também podem ter uma loja de roupas para jogar e outras coisas para praticar esporte";
(...) A Educação Física é importante para ser forte e ter habilidade em todas as coisas, mas, disse H, é mais importante para aprender coisas que os pobres, como eu não podem aprender assim como a natação; um primo dele (disse que era um pouquinho rico) vai para uma escola particular e lá aprende, já nada até golfinho".
A prática do professor explicitava o desenvolvimento de relações sociais marcadas pela desconsideração das características pessoais individuais dos seus alunos, ao promover a homogeneização, pelo desrespeito ao interesse deles pelo conhecimento, objeto da aula; pelos seus desejos, aspirações e necessidades e, ainda, o estabelecimento de relações sociais em que o seu plano de ação e projeto histórico atropelavam os planos e projetos dos seus alunos. Isso também pode ser observado no fato de ter dado início à disciplina no mês de Março, bastante tempo depois das outras disciplinas da escola, sob alegação da falta de caderneta de freqüência - material de trabalho cuja falta não impede o desenvolvimento da aula- desconsiderando o interesse dos alunos na Educação Física, claramente manifestado nas suas declarações e enfaticamente demonstrado pela animação com que jogavam sem sua presença ou quando lhes permitia jogar à vontade.
A organização espaço-temporal da disciplina, a começar pela distribuição das aulas de Educação Física nos períodos e horários da escola - fora do horário regular dos alunos -, bem como os rituais organizacionais impostos pelo professor - a separação de sexos, a separação entre fortes e fracos e a ausência da unidade metodológica - são pesado obstáculo para mudanças dessas relações de trabalho e para a construção de formas democráticas de gestão escolar, além de afastarem a possibilidade da criação de alternativas didáticas para a disciplina.
A maciça presença de 8,28 episódios e 14 ações de rotina por aula, comprovada na relação matemática, confirmou uma prática autoritária que não somente desconhece a necessidade da auto-organização dos alunos, senão que se levanta como barreira intransponível para que eles ampliem os conceitos de coletividade e auto-organização. Na prática esses conceitos são limitados: o primeiro, a um restrito sentido de equipe, e o segundo, apenas, ao da organização como colocação de jogadores em seus lugares e funções, o que impede que os alunos se reconheçam a si mesmos como sujeitos, se envolvam na gestão escolar e assumam responsabilidade pelo projeto político-pedagógico da escola. O significado dado pelo professor ao coletivo opõe-se ao sentido atribuído pelos seus alunos, do qual, mesmo de forma implícita, fazem parte o objetivo comum e a auto-gestão: "(...) é melhor aprender na praia porque jogamos mais tempo e entre todos a gente se corrige e fica mais animado e gostoso". "(...) Gosto de jogar vôlei na rua, com os amigos, por que jogam juntos meninas e meninos e todos aprendemos a jogar juntos".
Encontramos na produção analisada inúmeras explicações sugerindo que há uma indiferenciação entre conteúdo do ensino e conteúdo da escola, este último determinante da organização do trabalho pedagógico e alicerce histórico da aula e dos conteúdos/matérias escolares. Essa forma de abordagem nos remete ao próprio esquema didático da escola capitalista - aluno-professor-conteúdo - negando qualquer possibilidade de superação e afastando a prática como única e real mediação entre o aluno e o conhecimento. Origina-se aí o que poderíamos chamar de grande equívoco, porque colocando-se o professor no lugar da prática, a relação direta com o mundo - trabalho socialmente útil - fica aos encargos da imaginação do professor através de recursos didáticos, vazios e artificiais - que PISTRAK apelidou, perspicazmente, de "acrobacias metodológicas". É importante ressaltar que FREITAS (1995:101-104), de modo extremamente consistente, defendendo o trabalho como mediador fundamental, substitui no esquema didático formal "professor" por "trabalho material", restabelecendo a unidade teoria-prática e reafirmando o trabalho socialmente útil como mediador homem-conhecimento.
Vê-se que o princípio do trabalho deve explicitar-se numa nova organização do ensino na escola, na qual a aula não represente a separação trabalho intelectual- trabalho manual, nem assegure a estrutura de poder dentro da escola, especialmente na ação homogeneizadora e disciplinadora. Nosso estudo revelou que a união trabalho-ensino representa um desafio à manutenção da coerência das propostas que buscam a superação das velhas práticas. Não são raras afirmações, como as formuladas por LIBÂNEO (1990:225), de que o ensino não é a prática da vida e sim um vínculo com essa prática, que ele busca resultados para o trabalho ou que relaciona-se com a atividade prático-transformadora, tendo como objetivo principal e imediato a transmissão e assimilação do saber. No íntimo dessas asseverações verificamos a exclusão de duas premissas básicas: a primeira, que o elemento fundante da atividade não material desenvolvida na escola é o trabalho material produtivo ou socialmente útil, pelo qual uma prática pedagógica superadora não pretende a mudança da consciência precedendo uma futura nova prática, pois é a prática que muda a consciência. A segunda, que o processo constitutivo das diversas formas de pensamento é o "(...) processo objetivo da atividade humana, movimento da civilização humana e da sociedade como autêntico sujeito do pensamento" (LENIN apud DAVÝDOV 1982:279), ou seja, o pensamento de um homem é o movimento de formas de atividade da sociedade historicamente constituídas e apropriadas por ele. Isso significa que na escola se trabalha com o conhecimento já assimilado pelos homens e que o principal problema didático, portanto, numa perspectiva superadora, não é transmitir conhecimento para ser assimilado, mas a partir de uma determinada prática pedagógica, utilizando-nos dos termos de MARX (apud DAVÝDOV 1982:307), "(...) reduzir o movimento visível que só aparece no fenômeno ao verdadeiro movimento interno".
Deve-se entender, assim, que os métodos didáticos não podem ser confundidos com ordenações sistêmicas de procedimentos, que terminam, inevitavelmente, assumindo a forma de um método geral de ensino, o qual, em último termo, nada mais é do que uma normatização que visa à mecanização das atividades intelectuais e que representa um meio de controle. Proposições desse teor trazem oculto o neo-tecnicismo como ação pedagógica do capital, cuja forma expressiva é o "(...) treinamento massivo, intensivo, periódico e rotineiro com ênfase nas técnicas de motivação e desenvolvimento da personalidade e do comportamento" (FIDALGO, 1994:35).
Hoje não é difícil ver que a "nova racionalidade" instalada pela filosofia da "nova direita" está patrocinando a transmutação do neo-tecnicismo numa nova Didática.
Embora procedimentos como exposição verbal, demonstração, estudo dirigido, grupos de trabalho e outros viabilizem o trabalho docente, é somente o trabalho, como gênese do conhecimento humano, que pode orientar a estruturação das disciplinas em harmonia com o método científico da exposição do material, quer dizer, a atividade que reproduz o movimento desse material e na qual subsistem em original forma docente as situações e operações que foram inerentes à investigação do objeto. (DAVÝDOV 1982:416).
Todavia, a opção - revolucionária - de uma nova didática por uma metodologia calcada na teoria do conhecimento materialista histórico-dialética exige, também, a coerente escolha de uma teoria psicológica da mesma raiz, pois o professor deverá encontrar as operações que possam promover nos alunos a apreensão das abstrações, generalizações e conceitos constitutivos do conhecimento das diferentes disciplinas. A teoria pedagógica superadora da Didática não será um corpo de regras prontas para o professor aplicar. Ela deve se delinear como um conjunto de princípios norteadores e de categorias advindas da prática pedagógica, cuja evolução histórica, bem como suas formas de superação, constituem-se em objetos dessa teoria.
Procurando entender as relações internas entre a organização do trabalho pedagógico e o trato com o conhecimento - seleção, organização e sistematização - analisamos a natureza da prática - mediação - da metodologia da Educação Física, análise que, na nossa compreensão, poderia ser realizada tendo em vista qualquer outra disciplina, como História, Artes ou Matemáticas. Na ótica de referência, a Pedagogia, como ciência prática da educação, entende o processo educacional em sua totalidade e em sua especificidade qualitativa, de forma que a abordagem das questões próprias da educação se dá em relação ao processo real da vida do homem, das suas relações sociais - de trabalho e de classe - e do seu modo de produção entre outros aspectos. Não é o conhecimento do conteúdo o elemento definidor para se estudar o ensino dos conhecimentos específicos que a educação transmite, como na História, Biologia, Artes ou Matemáticas. Tenha-se presente que a ciência não evolui na busca de diferenças e sim na busca de regularidades enquanto essência. Isso deve significar que a teoria pedagógica interessa-se pelas regularidades ou o que há de comum na prática do ensino das diversas disciplinas escolares, ou seja, não se pode pensar no salto qualitativo da Didática desligado da base de uma ciência pedagógica. Por isso preocupou-nos a união dos aspectos específicos, oriundos do conhecimento/conteúdo ensinado, com os aspectos gerais ou princípios norteadores da teoria pedagógica: " O particular é a unidade do singular e do geral" (CHEPTULIN 1982:195). Em outros termos, preocupou-nos o caráter dos nexos internos entre a organização do trabalho pedagógico e o trato com o conhecimento/conteúdo da disciplina Educação Física, nexos que, provavelmente, a investigação dentro de uma outra metodologia também traria à luz, desde que não fosse realizada uma análise a-histórica das fases do seu desenvolvimento e da realidade atual da sua apresentação como fenômeno em estudo.
Pelas opiniões coincidentes encontradas nas dissertações e na prática da escola vimos que a especialização do professor numa determinada prática esportiva é o critério principal para a seleção do conhecimento na disciplina Educação Física. Como segundo critério, unanimemente, foi apontada a "preferência das crianças", critérios que traduzem um notório desvinculamento escola/realidade atual. A decisão do professor observado não fugiu dessa norma, pois ele levou em consideração que a escola já tinha uma equipe formada - por ele - e que atuava com certo sucesso em competições até de nível estadual.
O trato com o conhecimento se dá sob a forma dos processos de seleção do conteúdo, ou conhecimento, objeto de estudo da série ou ciclo, da organização ao longo dos graus, séries e/ou ciclos de ensino e da sistematização ou formação dos conceitos - sistemas de generalizações conceituais -, que permitem aos alunos apreender a explicação das regularidades e dos nexos internos do conhecimento em questão. A análise do material coletado revelou aspectos que nos permitiram identificá-lo ao conteúdo desses conceitos, pelo qual passamos a utilizá-los como generalizações.
É necessário fazer um esclarecimento sobre os procedimentos metodológicos que usamos para a análise da prática do professor em relação ao trato com o conhecimento. Enquanto nas problemáticas anteriores as generalizações emergiram do conteúdo do material coletado, neste último caso, no obstante possa parecer incoerência, utilizamos generalizações já elaboradas, decisão justificada porque "seleção", "organização" e "sistematização" são conceitos já desenvolvidos e fundamentados por outros autores - DAVÝDOV (1982), VARJAL (1990), COLETIVO DE AUTORES (1992) -, indicando a existência de um acervo de conhecimento de potencial analítico capaz de permitir o exame mais aprofundado do trato com o conhecimento na sala de aula, como era o nosso objetivo.
Sintetizamos assim o conteúdo da 1ªGeneralização:"Professor seleciona o conhecimento" extraído do exame do seu plano de trabalho e explicações dele próprio. Como dados eloqüentes consideramos aqueles que demonstravam a relevância social atribuída ao conhecimento em questão para ser selecionado como conteúdo da disciplina e, portanto, a relação dele com o projeto histórico, com a realidade atual, com o projeto pedagógico da escola e com a necessidade de o aluno fazer a leitura da realidade. Também procuramos aqueles que indicavam a consideração das possibilidades de distribuição, dadas pela natureza do conhecimento, e das possibilidades dos alunos para apreendê-lo, assim como das condições estabelecidas pela escola e pelo professor para torná-lo apreensível. Outros aspectos tidos como importantes foram a organização das condições espaço-temporais e a normatização escolares postas pela escola, em geral, e pela disciplina, em particular.
Nas conversações informais com o professor, só obtivemos manifestações sobre a primeira questão; a decisão de ensinar Futebol de Salão, nas séries do masculino, obedeceu ao fato de esse ser um jogo da sua especialidade e da "preferência de muitas crianças". Note-se que essas razões já foram encontradas na produção da área, indicando que é notório o desvinculamento escola/realidade atual. Na decisão do professor também influiu o fato de a escola ter uma equipe formada - por ele - que já tinha tido sucesso em competições até de nível estadual.
Quanto à 2ª generalização: "Professor organiza o conhecimento" o professor só afirmou que não via razão para diferenças de abordagem nas séries porque o jogo era o mesmo.
A organização do conhecimento ao longo das séries e/ou ciclos é dada pela forma em que a escola promove a assimilação do conhecimento nos escolares, forma resultante da vinculação de uma determinada teoria do conhecimento com uma determinada abordagem da psicologia cognitiva, que fundamenta a reflexão pedagógica no processo de escolarização, resultando na divisão do conteúdo das disciplinas para as diferentes séries, assim como incidindo sobre a determinação do tempo necessário para os alunos aprenderem, tendo em conta, ou não, suas condições individuais diferenciadas.
Em relação à 3ª generalização: "Professor sistematiza o conhecimento", julgamos indicadores da sistematização do conhecimento do jogo os procedimentos com que o professor apresentava o assunto ou tema, promovia nos alunos a constatação dos elementos componentes do conceito, a interpretação da significação deles, a compreensão das suas funções e, finalmente, a explicação sobre o conhecimento em questão.
Pesquisamos também esses indicadores no planejamento elaborado pelo professor. Na prática colhemos os seguintes episódios (31) e atividades de rotina (2) com os quais procedeu a formação de conceitos sobre o futebol de salão e sobre esporte nas suas aulas.
Demonstrava todas as habilidades com a bola, situando-se no centro da quadra para ser bem observado pelos alunos; simultaneamente descrevia oralmente e com muita gesticulação aquilo que estava demonstrando;
Explicava até quatro movimentos diferentes de uma só vez. Os alunos permaneciam calados, não faziam perguntas;
Depois de determinar como a tarefa devia ser executada, perguntava sucessivamente a cada componente da fila ou grupo, no momento de iniciar a ação: "O que é para fazer?", mas não aparentava estar prestando atenção à resposta do aluno, pois ele mesmo a dava em voz alta, e.g.: "Dominar com a parte interna do pé!";
Não fazia correções individuais e raramente assinalava um erro em particular, senão que se dirigia a todos repetindo a ordem já dada, e.g., se um aluno confundia a parte interna com a parte externa do pé no momento da dominação, ele dizia: "Prestem atenção, minha gente, têm que dominar com a parte interna, entenderam?; Internaaaa!" - gritando;
Anunciava que fariam uma síntese do aprendido na aula anterior. Sentava os alunos na sua frente e começava a falar em voz bem alta. Detalhava as formas de dominação da bola, com a parte externa, interna e com a sola do pé, a dominação alta, na coxa e no peito e a condução da bola com a parte externa e interna do pé realizadas nas aulas anteriores. Enquanto falava, os alunos tentavam acompanhá-lo, conseguindo apenas repetir o final das palavras, num eco confuso em que se ouvia com clareza apenas o final de cada palavra, mas sempre ficava sobressaindo a voz do professor;
Informava aos alunos que aprenderiam uma habilidade mais complexa do que as que vinham exercitando, quer dizer, o domínio da bola com os pés e com o peito, dizendo: "Agora vamos aumentar o grau de dificuldade, vamos dominar com a cabeça". Após isso mandava executar;
Mandava jogar aplicando o conhecimento adquirido sobre condução e passes, mas os alunos jogam à vontade sem que pudesse ser observada a utilização das técnicas ensinadas. Ficava evidente que todos estavam gostando de jogar sem preocupação pela execução correta de técnicas e regras;
A temperatura média era 36 graus e o professor dizia aos alunos que a corrida era para "aquecimento"; não explicava isso nem os alunos perguntavam nada;
Durante o tempo em que os alunos corriam, o professor dava ordens de "não acelerar e respirar corretamente". Não explicava o que era respirar corretamente nem os alunos perguntavam nada a respeito;
Os elementos fundantes do processo de sistematização envolvem a forma de colocar os alunos em contato com o conhecimento ou partes dele; a forma de tratar as etapas constitutivas da generalização, desde a percepção direta ou representações do real - nas quais é possível encontrar dados substanciais e não substanciais - até a formação dos diferentes conceitos que fazem o conteúdo do jogo Futebol de Salão. A apreensão do enredo do jogo demanda a conceituação das funções das habilidades próprias para jogá-lo - funções da habilidades específicas e o seu uso mais adequado técnica e taticamente - assim como a análise mental das relações e conexões desses conhecimentos em direção a uma sistematização explicativa das diversas manifestações particulares dessas qualidades e relações internas que virão a ser refletidas nessa sistematização.
Isso exige do professor promover nos alunos a compreensão: a) das possibilidades dos movimentos especializados, ou técnicas, para os objetivos do jogo, assim como dominar, conduzir, passar, driblar ou outros; b) das afinidades e diferenças das técnicas em relação à força, velocidade, potência, pontaria e outros componentes qualitativos e quantitativos das ações; c) das possibilidades de generalizar o que, nas técnicas e táticas do jogo, destaca-se como comum e similar e que logo se comprova existir em todos os jogos desse tipo, como elemento invariante, estável e reiterativo característico, por exemplo, dos jogos de bola; d) de que a gênese do jogo é a atividade lúdica, historicamente determinada e socialmente construída, conexão geral do conhecimento dos jogos e determinante do seu conteúdo e da sua estrutura de totalidade; e e) das relações entre o conhecimento do jogo, a Educação Física e as outras disciplinas da escola.
O professor precisa refletir com seus alunos sobre a extinção dessa qualidade sensível de certas atividades lúdicas, no momento em que, absorvidas pelos mecanismos de produção do sistema capitalista, são transformadas em atividades produtivas, a exemplo do futebol profissional. Essa reflexão deve promover a compreensão de que o conhecimento selecionado para a disciplina Educação Física, bem como sua organização nas diferentes séries, integra um todo coerente sobre a sociedade, a natureza, o pensamento, a técnica e os modos de ação, sob o ponto de vista de uma concepção científica e histórica do mundo. MAKARENKO, oportunamente, lembra-nos "(...) Para educar o futuro homem de ação, não se deve eliminar o jogo, mas organizá-lo de tal forma que, sem desvirtuar seu caráter, contribua para formar as qualidades do trabalhador e cidadão do futuro" (1981:48).
O planejamento fornecido pelo professor continha os seguintes dados: "JUSTIFICATIVA: Esse plano visa orientar e desenvolver, através dos treinamentos o sentido técnico-tático do desporto". A seguir pormenorizava os objetivos já analisados na problemática anterior e distribuía assim suas aulas: "CICLO SEMANAL": "os treinamentos serão desenvolvidos em 2 sessões semanais"; continuava com o "DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES TÉCNICAS": Domínio e controle da bola: com o peito, com a parte interna, externa e sola do pé, com a coxa e a cabeça. Condução: parte externa e interna do pé, coxa e cabeça. Passes rasteiros e pelo alto: de bico, parte externa e interna do pé, peito do pé, calcanhar, cabeça, peito e coxa. Chutes rasteiros e pelo alto: peito do pé, parte interna e externa do pé, bico, bate-pronto e voleio. Dribles. Atividades Táticas: posicionamentos, movimentação, marcação, jogadas ensaiadas, faltas, escanteios, laterais, centros. Sistemas de jogo. Regras. Jogos".
Para melhor analisar os dados obtidos, elaboramos um quadro (QUADRO 3) com as médias do tempo utilizado por cada atividade com que o professor tratou o conhecimento. Pode-se observar que o tempo destinado foi, em média, de apenas doze minutos, isso porque reduziu o tempo total da aula a uma média de 33,6 min (Fig.1, Col 2), do qual deve ser descontado o tempo que usou na aferição da freqüência ou chamada, na corrida e na organização dos alunos para realizar as práticas.
No QUADRO 4 pode ser analisada a distribuição detalhada do tempo para o trato com o conhecimento em cada uma das 25 aulas observadas.
Especificamente, o professor dedicou, em média, 15,9 min por aula (FIGURA 1) para o ensino do Futsal, tempo considerado quando da exercitação de maiores e menores simultaneamente. Da listagem de 37 assuntos que o professor registrou no seu planejamento, nas vinte e cinco aulas só observamos o trato com os seguintes: domínio e controle da bola: com o peito, parte interna, externa e sola do pé, de coxa e cabeça; condução: parte externa e interna do pé, coxa e cabeça; passes: com a parte externa, interna e peito do pé, com a cabeça; chutes: com a parte interna e externa do pé e de bico; reposição da bola, num total de 18 assuntos.
Esses conteúdos foram organizados aleatoriamente ao longo das aulas observadas, quer dizer, não havia, externamente, um critério para ordenação dos temas. Às vezes numa mesma aula tratava até quatro habilidades diferentes, enquanto que, outras vezes, um mesmo assunto ocupava duas ou três aulas. Durante doze aulas os alunos jogaram à vontade, sem que pudessem ser percebidos esforços do professor para ensinar qualquer um dos temas programados. Pudemos observar, ainda, que aquelas em que o professor deixava os alunos jogarem à vontade situaram-se no fim do primeiro semestre e início do segundo, o que sugere uma relação com a disposição física do professor para dar aulas. Acreditamos que o início do segundo semestre, em relação a uma boa disposição, foi prejudicado porque o professor, segundo conosco comentara, trabalhou intensivamente nas férias de inverno.
Os episódios e ações de rotina expõem que os principais procedimentos do professor para promover a aprendizagem foram a demonstração, a explicação verbal e a repetição mecânica de habilidades especializadas, caracterizando um ensino empirista e utilitário desprovido do principal elemento necessário à formação do pensamento científico nos escolares, qual seja, o estabelecimento de uma relação adequada com o conhecimento a ser apreendido. Pensamos que essas habilidades, cuja razão de ser encontra-se no motivo lúdico da atividade - motivo que se origina na trama tática do jogo gerando motivação -, quando isoladas da estrutura de totalidade da atividade, explicitam a tentativa da escola de "neutralizar" as diferenças entre os conteúdos, ensinando-os como habilidades escolares, furtando, com isso, dos alunos a possibilidade de compreender que o conhecimento é uma produção social realizada sob formas históricas diversas. Tampouco observamos nos procedimentos didático-metodológicos do professor a preocupação em estimular os alunos a levantarem diferentes vias de ação para a solução ou desenvolvimento de uma tarefa, impedindo, assim, o desenvolvimento da criatividade, que, contraditoriamente, era um dos seus objetivos.
A importante questão da organização do conhecimento ao longo das séries não foi motivo de preocupação nas abordagens metodológicas dos nossos interlocutores da área da Didática. Já na literatura especializada da Educação Física encontramos uma produção a esse respeito. Nos mestrados esse tema não tem sido motivo de estudo.
O COLETIVO DE AUTORES (1992), preocupado com a forma em que a escola promove a assimilação do conhecimento nos escolares, propõe a organização do tempo do ensino básico em ciclos que, de certa forma, representam a superação da organização seriada. Essa proposta significa a vinculação de uma determinada teoria do conhecimento com uma determinada abordagem da psicologia para fundamentar a reflexão pedagógica no processo de escolarização e a divisão ou organização do conteúdo das disciplinas nas diferentes séries. A proposição de uma forma de superar a seriação, pelos autores citados, objetiva, principalmente, proporcionar aos alunos o tempo necessário para a aprendizagem e para atingir com sucesso a conceituação ou explicação dos fenômenos em estudo, quer dizer, promover nos alunos a constatação dos elementos componentes do conceito, a interpretação da significação deles, a compreensão das suas funções e, finalmente, a explicação sobre o conhecimento em questão. Entendemos que essa proposta do COLETIVO DE AUTORES (1992) coloca aspectos fundamentais da categoria organização do trabalho pedagógico/trato com o conhecimento.
Na área de Educação Física também encontramos sugestões interessantes em relação à organização do tempo pedagógico numa tentativa de superar a dimensão temporal da unidade áulica, ainda que no momento atual não seja possível a alteração imediata da organização seriada. TAFFAREL e outros (1995) apresentam proposições para o redimensionamento do tempo pedagógico após constatarem, dizem as autoras, a farsa levada em curso nas escolas, onde, por inúmeras razões, o tempo é deliberadamente burlado, o trabalho instrucional menosprezado e os alunos alienados da sua tarefa de aprender. Apontam que o processo de construção social do conhecimento pode ser incentivado e facilitado pela organização do tempo pedagógico em oficinas, laboratórios, seminários integrados e interativos e festivais de cultura corporal e esportiva, de forma que o processo básico de aprendizagem se desenvolva pela vivência da qual se promovem percepções significativas e relevantes. Do universo referencial da cultura corporal e esportiva criticamente elaborada, bem como do universo de referência da escola e dos alunos - sua estruturação, suas injunções, suas experiências, sua consciência manifesta, seus conhecimentos prévios de senso comum ou não, suas representações sociais -, estabelecem-se confrontos de interesses, intenções, conhecimentos, competências humanas relacionais pela via da unidade metodológica na perspectiva da interdisciplinaridade. Na visão desses autores o conhecimento escolar deverá atender à natureza da concepção e finalidades da educação, dadas pelo projeto histórico, considerando possibilidades temporais que atendam, efetivamente, às necessidades dos alunos.
Em geral, o problema do tempo necessário para aprender não esteve no foco de atenção de nenhum dos autores de propostas de novas didáticas.
A preocupação constante de não realizar análises a-históricas manifestou-se no nosso trabalho pela atenção às perspectivas de desenvolvimento social e educacional do tipo de homem que o futuro exige, das condições em que ele realizará seu trabalho e as qualidades cujo aperfeiçoamento deverá ser propiciado para tanto ou, de outro modo, ao expressar com clareza o projeto histórico subjacente às idéias pedagógicas defendidas. Em nosso modo de ver, como dito anteriormente, a abordagem histórica promove as funções de explicação, valorização e prognóstico do princípio dialético da unidade do lógico e do histórico, no entanto, nesse ponto levantaram-se as principais divergências com nossos interlocutores.
LIBÂNEO (1986:13) reconhece que as tendências pedagógicas "(...) são sempre subordinadas a uma visão de projeto histórico", mas essa afirmação precisa ser radicalizada, pois uma crítica geral da sociedade capitalista não permite a identificação inequívoca das fontes geradoras dos problemas a serem pesquisados; além disso, projetos históricos diferentes alimentam diferentes concepções de educação e de sociedade. É essa a razão pela qual, nos aspectos ligados às nossas problemáticas em estudo, e tendo em vista uma nova Didática, as teses defendidas por OLIVEIRA (1992), WACHOWICZ (1989) e LIBÂNEO (1984, 1990, 1991) apresentaram como principal limite para serem avaliadas como superadoras a falta do recurso à prática e a especificação de um projeto histórico claro que permitisse a delimitação do conteúdo das categorias da Didática da escola capitalista. A abordagem materialista não pode ser traduzida em aspectos do conteúdo metodológico ou das categorias da dialética marxista. Ela implica articular o método de análise da realidade e o sistema de categorias explicativas do modo de produção capitalista, e sua superação, com indicações tático-estratégicas que, além de tudo, não se dissociam da orientação político-partidária - onde, senão, poderia se gestar uma teoria revolucionária? - da luta a ser travada para atingir as transformações sociais almejadas.
Como aspecto preponderante da categoria-par organização do trabalho pedagógico/trato com o conhecimento, propusemos a "realidade atual" como conceito fundamental para o trato com o conhecimento, conceito que deve ser compreendido como referência política, decorrente do projeto histórico que dá origem ao projeto político pedagógico da escola. Sem medo de sermos ousados, queremos afirmar que somente a clareza do caráter dessa referência pode impedir que a escola insista em defender como tarefa a "distribuição democrática do saber historicamente acumulado" enquanto subtrai desse conhecimento os laços com o projeto de transformação da sociedade e a possibilidade de promover as explicações do real, do momento histórico em questão, portanto, do projeto de "homem" que a escola quer formar.
O nosso trabalho reforçou a abordagem do Projeto político-pedagógico como estratégia para intervir na realidade social e de, a partir de uma reflexão pedagógica capaz de interpretar as relações sociais de uma sociedade historicamente determinada, interferir no seu desdobramento numa dada direção. Por isso a referência da "realidade atual", hoje, como balizadora das decisões pedagógicas, deve implicar não apenas o entendimento geral dos efeitos da planetarização do capitalismo, manifestados no aumento dramático, imoral, da miséria e exclusão social da classe trabalhadora brasileira, senão, principalmente, dos seus efeitos concretos no nível das exigências que estão sendo impostas ao sistema de ensino.
Atender a realidade atual como norte do trato com o conhecimento é colocar as problemáticas pedagógicas no contexto dos conflitos sociais que acirram a luta de classes determinando para a classe trabalhadora a perda do direito ao trabalho, à terra, à saúde, o recrudescimento do analfabetismo e da violência, a mortalidade por doenças decorrentes da destruição do meio ambiente e outros. Realidade atual implica, ademais, perspectivar o ensino em relação ao "contemporâneo", que não é, infelizmente, o progresso científico e tecnológico chegando a todos, senão as conseqüências trágicas das novas formas de exploração e de aculturização nos nossos países menos desenvolvidos. Esse "contemporâneo", apregoado pela direita, cobriu com doces ilusões a miséria para se colocar como real. Enfim, "realidade atual" é os determinantes sociais da educação confrontando o dia-a-dia da prática pedagógica. Desse modo, a prática do professor necessita orientar-se no conhecimento aprofundado da luta ideológica contemporânea que se manifesta, na área pedagógica, nas características que o capitalismo imprime às tarefas sociais da escola, assim como o neotecnicismo, alimentando-as com correntes de pensamento idealistas - entre outras, neopositivismo, existencialismo, pragmatismo -, as quais isolam a escola dos problemas que afetam a sociedade e incrementam a contraposição dos interesses individuais aos sociais. Contudo, essa leitura não indica que defendemos como primeira tarefa a mudança das consciências, pois o conteúdo da mudança alicerça-se no conhecimento científico concretizado numa nova prática não respaldada pelo senso comum. Uma prática dialética fundamenta-se no caminho da percepção ativa ao pensamento abstrato e desse à prática. Entretanto, distribuir democraticamente o conhecimento historicamente acumulado acerba a contradição da manipulação do aluno pela informação e do condicionamento do seu comportamento e modos de pensar, e por isso impõe-se o norte de um Projeto Histórico claro, para ajudar o professor a distinguir as ações necessárias para a formação de um determinado Homem para um determinado mundo do trabalho.
Um Projeto Histórico não capitalista - "contra hegemônico" - no qual se aponte a superação das atuais estruturas sociais indica, necessariamente, face à questão da pedagogia, a rejeição radical de teorias pedagógicas sobre normas e valores para uma sociedade capitalista de relações harmoniosas e solidárias - na qual seria possível a realização e a emancipação do indivíduo -, vez que essas teorias negam o caráter classista da educação e da pedagogia, afirmando-se na natureza "invariável" do homem e dos processos educacionais próprios para cada sistema social. Por isso o Projeto Histórico é o eixo em torno do qual devem definir-se as orientações pedagógicas, assegurando dessa forma que o "estatuto progressista" do discurso seja menos uma qualificação ideológica do que objetivamente revolucionário.
Tanto os autores das dissertações de mestrado como os de literatura específica da área não contemplaram nos seus trabalhos a cientificidade e historicidade do processo cognitivo e a base material que o determina, desconsiderando, ainda, os conteúdos do ensino na totalidade do conteúdo da escola. Embora reconheçam uma função social nesta, não a percebem na sua essência, e isso faz-se evidente no modo em que deslocam o núcleo problemático da forma e conteúdo da escola à forma e conteúdo do ensino.
Em relação ao conhecimento, e ainda que a avaliação determine o acesso a ele, na nossa pesquisa explicitou-se que, no caso específico da Educação Física, disciplina cujo controle é dado pela freqüência do aluno, os mecanismos seletivos não têm, apenas e somente, na nota o ponto de ancoragem da avaliação. Essa tarefa parece ser exercida a contento pelos mecanismos de controle da organização do trabalho pedagógico encobertos pela transformação recíproca avaliação-objetivos. Precisamos pensar, para perspectivar uma nova prática pedagógica, que se a nota é tida como uma simbolização numérica de conceitos qualitativos aduzidos à aprendizagem dos alunos, esses conceitos devêm de objetivos globais da escola que não são formulados independentemente do projeto histórico que a cerca. Portanto, não se pode pedir ao professor "(...) ser competente na construção de instrumentos que meçam com confiança e validade todos os objetivos que visa alcançar", como sugere MEDIANO (1989:142). Não é o conteúdo do ensino, e sim o conteúdo da escola o mais poderoso orientador da ação do professor em relação aos conceitos qualitativos que emite sobre o aluno.
Avaliação/objetivos escolares
Podemos afirmar que o caráter da função social da escola se concretiza no projeto político pedagógico que direciona a dinâmica do poder num âmbito de luta que, além da organização do trabalho pedagógico e do trato com o conhecimento se dá, principalmente no da avaliação e determinação dos objetivos escolares. A escola utiliza-se de vários recursos e procedimentos pedagógicos sob uma determinada organização curricular e administrativa a fim de instruir e habilitar profissionalmente o aluno, transmitir e produzir conhecimento, funções educacionais que a sociedade lhe assinala. A avaliação do ensino é uma das práticas pedagógicas que integra o ritual escolar dessas funções específicas por isso pode ser explicada como "o conjunto dos mecanismos de eliminação/manutenção dos alunos na escola". (FREITAS, 1995).
É na categoria "trabalho" que se encontra a possibilidade analítica reveladora da verdadeira função da avaliação na escola capitalista, vez que a escola e o processo escolar foram organizados e reorganizados de forma tal que as salas de aula se converteram no lugar apropriado para acostumar-se às relações sociais do processo de produção capitalista, no espaço institucional adequado para preparar as crianças e os jovens para o trabalho, de forma não conflitiva", afirma ENGUITA (1989:3-81), acrescentando que é necessário se conseguir a submissão ativa que o trabalho industrial exige do operário assalariado, garantindo-se a obediência, a disciplina, a pontualidade, a ordem, e isso torna a escola uma instituição privilegiada para exigir esses "méritos" educativos necessários ao processo de trabalho produtivo.
O caráter das relações sociais no interior da base material de produção capitalista, do processo de alienação, cada vez maior, do trabalhador em sua relação com o processo, os meios e o produto de seu trabalho, manifesta-se na impossibilidade de decidir o que produzir, na falta de poder para determinar o procedimento pelo qual serão obtidos os objetivos fixados para seu trabalho, na perda de controle sobre a própria atividade, na fragmentação ou na parcelarização do trabalho - reduzido a um monótono e rotineiro número de atividades simples, destituídas de significado e fixadas num determinado tempo "adequado" de trabalho -, na estratificação, na hierarquização, em outros termos, na desqualificação do trabalho. Isso é perceptível na organização do trabalho pedagógico na escola - seu papel reprodutor das relações do processo de produção e o direcionamento da sua ação preparatória para o trabalho alienado - e confirma os propósitos da avaliação como elemento de controle na hegemonia do processo de subordinação dos trabalhadores aos interesses do capital.
A avaliação é mais do que a realização de uma "prova" e só pode ser entendida se considerada sua relação com as outras ações que ocorrem no interior da sala de aula e da escola à luz de uma teoria que revele a essência da totalidade social na qual está inserida. É na avaliação e nos momentos avaliativos que mais agudamente se manifestam as relações de poder dentro da escola e onde desemboca o processo seletivo e discriminatório. De acordo com a origem social, é diferente o destino social da mão-de-obra manual e intelectual para atender às diferentes demandas do sistema de produção capitalista.
O processo de avaliação, reforçado pela ideologia liberal reformista, que defende a graduação dos alunos de acordo com certos tipos de performance, com certos tipos de conhecimento e com certas capacidades técnicas ou produtivas, é supostamente objetivo e científico. Seleciona os mais "capazes", que, desempenhando as funções mais relevantes no processo produtivo ou estimulando a manutenção do sistema, virão a ter recompensas mais elevadas. As vítimas da eliminação, ou seja, da evasão e do não-acesso à escola, terão funções menos destacadas no processo de divisão social do trabalho e, provavelmente, serão marginalizadas pelo subemprego ou desemprego. O campo da avaliação é produtor/legitimador da hierarquia escolar porque o processo seletivo acaba se traduzindo na alocação de indivíduos às várias funções na divisão do trabalho, utilizando a argumentação da "objetividade" para que os enquadrados em funções menos desejadas aceitem os resultados como justos, já que foram submetidos a uma avaliação que legitima essa situação como natural. É isso que permite, inclusive, ao Estado manter o controle social e prevenir a formação de um exército de pessoas insatisfeitas. Por fatos como esse, para compreender o fenômeno da avaliação e captar a sua dinâmica interna, deve-se considerar o contexto social em que ela se dá, as relações sociais que nele se corporificam, essencialmente a nível do trabalho e suas múltiplas determinações.
Eficientemente encoberta, essa ideologia não deixa entrever que os efeitos do processo seletivo recaem, particularmente, sobre os alunos da classe social que que não participa integral e efetivamente do processo produtivo, que se vende para garantir a própria sobrevivência e, portanto, anula-se e é dominada. A estrutura econômico-social capitalista impede essa classe social de usufruir muitos dos benefícios da sociedade, entre eles apropriar-se da cultura dominante, a qual, pelo valor mercantil a ela atribuído, transforma-se em "capital cultural" que promove vantagens a quem o detém. A eliminação subentende um conjunto de relações objetivas entre a classe social e o sistema de ensino, por isso o futuro escolar é relativo ao futuro objetivo e coletivo da classe social a que pertence o aluno, como afirmam BORDIEU e PASSERON (1975). As condições objetivas de estudo e respectivo êxito configuram a "esperança subjetiva", que pode ser entendida como produto da interiorização das condições objetivas, o qual depende diretamente das condições determinadas pelas oportunidades concretas de êxito próprias de sua categoria, sendo esse um dos mecanismos que contribui para as probabilidades objetivas de continuar no sistema de ensino. À esse respeito, FREITAS (1991), ressalva que a origem de classe não determina mecanicamente a "esperança subjetiva", senão que ela está sujeita a alterações em função de procedimentos de eliminação/manutenção presentes no processo seletivo e da luta de classes existente.
As investigações de BORDIEU e PASSERON (1975), BAUDELOT y ESTABLET (1986), ENGUITA (1989), FREITAS (1990-1991-1992) e outros constatam que os aspectos afins, coincidentes e importantes sobre o fenômeno da avaliação apresentam-se de forma constante, estável e subsistente na prática pedagógica, indicando a presença da invariante "seleção", fato que a configura como categoria de extrema generalidade - dada pela riqueza do seu conteúdo -, que permite analisar adequadamente a realidade posta pela contradição "eliminação-manutenção" no interior da escola capitalista.
A elucidação dos nexos internos da avaliação com a função social da escola capitalista impede aceitar que seja considerada, apenas e limitadamente, como função didática, assim como o faz LIBÂNEO (1991:196), aduzindo que é um componente do processo de ensino que visa, através da verificação e qualificação dos resultados obtidos, determinar a correspondência desses com os objetivos propostos e, daí, orientar a tomada de decisões em relação às atividades didáticas seguintes".
Na área de Educação Física encontramos interpretações semelhantes, por exemplo em CARDOSO (1988), UFSM, o qual questiona a avaliação por comparações e propõe a alternativa de avaliar a partir de observações individuais, dessa forma centrando o processo no aluno e transformando a nota em um resumo educativo. Para ele, a ciência não dá ajuda concreta para avaliar, no entanto auxilia na visão crítica sobre ela, mas, como a argumentação pedagógica não a justifica pode ser um auxilio-a interpretação do significado das aulas. Na produção registrada nas dissertações de mestrado não encontramos outras abordagens da avaliação fora a de medição e aferição da aprendizagem instrucional.
Os autores que desenvolvem sua produção no marco teórico idealista, mecanicista e biologizante de interpretação da atividade humana, assim como aqueles que o fazem com ajuda das epistemologias psicológicas, defendem, coerentemente, a avaliação como aferição e mensuração através de testes motores padronizados, entre eles: ESCOBAR STROHER (1982) USP, GOBBI (1987) UFSM, GARCIA (1987) UFSM, MELCHERTS (1983) e TANI et al. (1988).
O deslocamento do foco da atenção dos aspectos mais problemáticos da avaliação para os de caráter docimológico, na Educação Física, evidencia a falta de percepção das articulações da avaliação com o projeto histórico e com o projeto político pedagógico da escola, por isso, em forma geral, esses autores desconsideram que na avaliação confrontam-se significados sociais e sentidos pessoais em que se interpenetram, dialeticamente, os interesses e necessidades de classes antagônicas. A visão idealista, abstrata, da escola e dos alunos impede-lhes aprofundar seu olhar no núcleo essencial dessa instituição.
O COLETIVO DE AUTORES (1992:95-113), num enfoque mais crítico, elaborou alguns caminhos possíveis para mudanças na avaliação: a) Inter-relacionar a avaliação existente em diferentes níveis - de aprendizagem, curricular e institucional -, na busca da unidade de ação, em função dos objetivos gerais da escola, consonantes com o seu projeto pedagógico e histórico assumido, coletivamente, pelo corpo social da escola; b) Facilitar a auto-organização do coletivo dos alunos, na sala de aula e na escola, para promover o aprendizado de formas democráticas de trabalho; c) Tornar a relação professor-aluno dialógica e comunicativa, de modo que permita um processo de decisão, execução e avaliação participativo; d) Superar as práticas avaliativas usualmente adotadas pela escola, exclusivamente nos termos de mensuração e quantificação, substituindo-as por práticas produtivo-criativas, vinculadas à atividade social real; e) Reinterpretar o insucesso escolar e o erro para não fazer deles fontes de culpa ou castigo que ocultem razões de classe; f) Selecionar os conteúdos conforme o seu significado social, o qual deverá ser explicitado pela avaliação, tomando o trabalho como princípio educativo; g) Fazer com que a avaliação incida sobre a aprendizagem e sobre o ensino, buscando a emergência da visão de totalidade do processo; h) Buscar formas de expressão dos resultados da aprendizagem que representem a "ordenação, compreensão e expressão" de uma realidade concreta - num concreto pensado - que contemple a inter-relação quantitativa e qualitativa e i) Promover a discussão do coletivo escolar - professores, alunos, pais, pessoal de serviço - sobre a avaliação de hábitos e valores.
A análise da produção teórica que examinamos permitiu afirmar que a avaliação de ensino: a) tem referências num determinado projeto histórico e constitui-se em importante categoria para elucidação da teoria pedagógica em construção; b) tem um significado que deverá ser buscado no caráter capitalista da escola; c) exige para sua compreensão mais ampla o reconhecimento e a identificação dos elementos responsáveis pelas formas que assume na escola capitalista - seu "núcleo interno essencial" -, que é diferente, e muitas vezes contraditório, em relação as suas manifestações; d) é elemento determinante do processo pedagógico por delimitar os aspectos instrucional, disciplinar e de hábitos e valores; e) corporifica em suas manifestações mecanismos próprios do processo de trabalho do modo de produção capitalista, como a fragmentação, a disciplina, a hierarquização, a alienação e a segregação, mecanismos esses, que explicitam-se no trabalho do professor, em sala de aula, durante os eventos avaliativos e nas relações de poder neles estabelecidas, incidindo dramaticamente na seleção, evasão e eliminação dos alunos e f) enquanto expressão do trabalho pedagógico que se dá dentro de certas relações de poder, tem como base de sustentação o processo de seleção e eliminação, o qual, mantido pela forma de organização do trabalho pedagógico e do trato com o conhecimento, revela os verdadeiros objetivos da escola, objetivos que nem sempre são os proclamados.
Os interesses de classe explicam a contradição que gera a necessidade de os países capitalistas se preocuparem com a educação dos trabalhadores, já que essa formação de quadros qualificados para competir no mercado internacional e, portanto, a educação científica e a elevação geral do nível da educação, carregam o perigo de limitar o poder da ideologia burguesa.
A crise econômica e social em permanente agravamento desafia a escola para determinar objetivos e escolher conteúdos de ensino sem abstrair a referência à luta de classes e ao projeto histórico. Deve-se reconhecer que as finalidades das disciplinas integrantes do currículo escolar estão determinadas por propósitos humanos atrelados a interesses individuais e coletivos que surgem e se desenvolvem em determinadas bases materiais da existência humana, como é o trabalho, e, portanto, os objetivos escolares expressam necessidades e interesses sociais impossíveis de ser modificados individual e voluntariamente ou a partir de uma prática isolada. Nesse sentido, lembramos com MARX (1987:56) que: " (...) Não se trata, como na concepção idealista da história, de procurar uma categoria em cada período, mas sim de permanecer sempre sobre o solo da história real; não de explicar a praxis a partir da idéia, mas de explicar as formações ideológicas a partir da praxis material; chegando-se, por conseguinte, ao resultado de que todas as formas e todos os produtos da consciência não podem ser dissolvidos por força da crítica espiritual, pela dissolução na "auto-consciência" ou pela transformação em "fantasmas", "espectros", "visões", etc.- mas só podem ser dissolvidos pela derrocada prática das relações reais de onde emanam essas tapeações idealistas; não é a crítica, mas a revolução a força motriz da história, assim como da religião, da filosofia e de qualquer outro tipo de teoria".
Quanto aos objetivos educacionais é corrente, como o faz LIBÂNEO (1991) categorizá-los em gerais e específicos. Os primeiros definen as perspectivas da prática educativa na sociedade brasileira e são explicitados pelo sistema escolar do mais amplo ao mais específico, a partir dos ideais e valores dominantes na sociedade; pela escola, a partir de um plano pedagógico e didático - de consenso do corpo docente em relação à filosofia da educação e à prática escolar - e pelo professor, que concretiza no ensino da matéria a sua própria visão de educação e de sociedade. Os específicos particularizam a compreensão das relações escola-sociedade e a do papel da matéria de ensino, devendo estar vinculados aos objetivos gerais. Na formulação deles o professor deve considerar, entre outras orientações, que os conhecimentos, habilidades e capacidades objetivados tenham aplicação na vida futura do aluno; que indiquem o resultado do trabalho dos alunos - o que deve ser feito, memorizado, etc - e que sejam compreendidos claramente por eles de forma que os introjetem como seus.
Se olharmos esse último aspecto à luz da categoria atividade veremos que, para os alunos introjetarem objetivos como sendo os próprios, deve existir uma clara relação entre o objeto direto da ação com o motivo da atividade na qual se insere essa relação, quer dizer, para eles deve ter um sentido que não é produto da ação voluntarista do professor e, sim, de uma "prática" educativo-social que só pode ser outra, diferente, fundamentalmente, da atual.
Também LIBÂNEO propõe que os objetivos sejam formulados como resultados a atingir, porque assim facilita-se o processo de avaliação diagnóstica e de controle. Observe-se que dessa forma se expõe o fundo tecnicista da "avaliação por objetivos", aliás defendida décadas atrás. Esse autor aponta três significativos aspectos que envolvem a definição de objetivos: a realidade atual, as orientações do sistema escolar e o plano pedagógico-didático da escola, contudo, há uma conceituação um tanto imprecisa em relação à qualidade dos nexos estabelecidos com a realidade social, com o caráter do sistema educacional e com as possibilidades de ação do professor. Não é um simples enunciado que torna socialmente relevante um conteúdo, nem pode ser responsabilidade do professor determinar essa relevância estabelecendo relações com exigências de transformação da sociedade surgidas, apenas, da sua interpretação pessoal; menos, ainda, a responsabilidade de decidir as tarefas que cabe ao aluno desempenhar como cidadão. Essas são tarefas de um coletivo social emergente que, com base num projeto histórico superador, faz a leitura da realidade e projeta objetivos que, por serem coletivos, são socialmente relevantes. É esse coletivo social que defende seus direitos na escola através de um projeto elaborado coletivamente, onde o processo de conscientização se realiza pela única via de formação da consciência: a prática social coletiva e revolucionária.
Os objetivos elaborados na forma de diretrizes para a prática pedagógica constituem-se em finalidades de classe, cujo significado não aparece à observação da sala de aula em formas explícitas e episódicas, senão que fundamentam - constante, maciça e implicitamente - toda a atividade prática do professor. O caráter de classe evidencia-se mais fortemente naqueles específicos da Educação Física, referentes a habilidades técnicas corporais, vez que incidem no desenvolvimento biológico, psicológico e fisiológico dos alunos, não obstante ele dependa, na realidade, de condições materiais concretas, o que resulta em possibilidades desiguais de desenvolvimento e de apreensão dessas habilidades. Portanto, não é equivocado afirmar que a ambigüidade dos mais gerais e as contradições entre as possibilidades concretas da prática pedagógica para atingir aqueles mais específicos acusam a tentativa de abstrair a luta de classes e ofuscar a significação real das finalidades do sistema educativo, aliás, finalidades cujo cumprimento é zelosamente vigiado pela avaliação.
A disciplina Educação Física parece ser o âmbito de avaliação mais ideologizado na escola, pois, ao longo da história, tem recebido a incumbência de promover o alcance dos mais incríveis objetivos. GHIRALDELLI (1988:17-20), na sua análise de tendências da Educação Física, mostra alguns exemplos: "(...) Agente de saneamento público, na busca de uma sociedade livre de doenças infecciosas e dos vícios deterioradores da saúde e do caráter do homem do povo", ou "(...) selecionadora de "elites condutoras" capaz de distribuir melhor os homens e mulheres nas atividades sociais e profissionais". Também "(...) a formação de homens e mulheres sadios, fortes e dispostos à ação" e "(...) a caracterização da competição e da superação individual como valores fundamentais e desejados por uma sociedade moderna".
Considerando esse histórico não é raro encontrar na produção específica da área objetivos direcionados ao dominio de habilidades específicas - com sistemas avaliativos baseados em testes de habilidades - acompanhados de discursos que escondem essa tarefa seletiva. Veja-se, a título de exemplo:
"(...) necessidade de se considerar parâmetros de crescimento e de desenvolvimento na elaboração de um planejamento de Educação Física, para que se atinja a educação global do indivíduo, facilitando a integração com as outras áreas, alcançando o objetivo maior da educação transformadora". CARVALHO (1989), UFRJ.
Suspeitamos que elaborar objetivos de ensino sob a forma de frases padronizadas não é mais do que um recurso burocrático, legitimado pela disciplina Didática, destinado a preservar a mistificação, o segredo e a hierarquia dos verdadeiros propósitos da ação da escola, e, embora seja ressaltada, por diversos autores, a possibilidade de mudanças a partir da "força de vontade" ou "compromisso" do professor, não serão essas qualidades as que vencerão as determinações implícitas na organização do trabalho pedagógico, especialmente, via avaliação. Verificamos, também, que a disciplina defende a determinação dos objetivos como proposições ideais que dependem de critérios e desejos de sujeitos isolados. Se contempladas as relações geral-particular, conteúdo-forma, parte-todo e elemento-estrutura da escola, veremos que os motivos que levaram a classe dominante a construí-la fazem parte da essência dessa instituição, de modo que toda e qualquer parte do processo educativo virá a refleti-los. Talvez por isso a Didática tenha-se debatido na busca de formulações estereotipadas para dar uma forma convincentemente científico-pedagógica àquilo cuja essência, oculta, não permite mudanças, senão, apenas, nas aparências.
Podemos dizer que, sob a formalidade do vocabulário didático-metodológico dos objetivos, encontram-se expressos interesses de classe, interesses plasmados no projeto histórico que dá vida à escola e que, portanto, constitui-se na única e verdadeira fonte e filtro dos objetivos escolares. É o projeto histórico que explica o seu conteúdo ideológico e os métodos que são utilizados para determiná-los; é a natureza desse projeto que lhes atribui a função valorativa de critérios essenciais na análise da "eficácia do ensino". Dessa forma, elaborar objetivos que se oponham aos fins políticos atuais da escola - sua finalidade seletiva e de preparação para o trabalho -, como estratégia de luta, é, no mínimo, ingênuo, pois as finalidades estão perpetuadas a nível da estrutura geral do sistema.
Nossa investigação demostrou que a avaliação e os objetivos estão dados pela natureza da organização do trabalho pedagógico, que reflete o projeto histórico hegemônico. A avaliação, todavia, parece modular as principais categorias da prática pedagógica. Na perspectiva de uma pedagogia socialista, os objetivos deverão ser - como objetivos articulados com o trabalho e com o processo avaliativo implícito na própria prática - propostos, analisados, conhecidos na sua essência e aprovados pelo coletivo. Será necessário identificar, claramente, a relação entre eles, os interesses de classe, a realidade atual e as possibilidades e limites da prática pedagógica para atingi-los.
As mudanças desejadas são possíveis só no impulso de um novo projeto histórico. A avaliação, não limitada à medições e aferições de aprendizagens instrucionais - via testes padronizados -confirma nos isso.
No exame dos dados da prática de avaliação na escola, consideramos os episódios, protagonizados pelo professor, que explicitassem mensuração e/ou julgamento referentes aos aspectos instrucional, disciplinar e de valores, quer dizer, utilizamos o conceito de avaliação abrangente não apenas a provas ou eventos avaliativos formais, senão, também, os não formais, que, como demostrado, constituem os mecanismos de eliminação/manutenção dos alunos. Assim posto, optamos por trabalhar com episódios explícitos de avaliação, quer dizer, aqueles em que o professor fazia uma avaliação pública de um aluno, ou da classe como um todo, desconsiderando a avaliação implícita no próprio método de ensino. Embora tivesse-mos clareza, pelos nossos estudos e pelo trabalho de FREITAS (1993:10) que essa distinção é tênue, a utilizamos por ser ela, no momento, viabilizadora de um primeiro acesso ao fenômeno da avaliação "ao natural". Vê-se que não é possível separar os episódios instrucionais dos disciplinares e de valores como se esses últimos fossem ideológicos e os primeiros não. Todos têm funções ideológicas, são práticas impregnadas das características da organização do trabalho capitalista.
Embora a motivação seja alvo de preocupação e lhe seja atribuída grande responsabilidade pelo sucesso do ensino, na prática pedagógica do professor de Educação Física encontramos, contraditoriamente, um processo no qual os alunos sofriam a desconsideração das suas motivações, a repressão da sua espontaneidade, dos seus desejos e, com isso, uma pressão tendente a moldar e/ou mudar seus valores. Nesta generalização elencamos, então, episódios e ações de rotina nos quais o professor desenvolvia esse processo através da evidente indiferença pelo desempenho do aluno, pelo uso do silêncio como exteriorização da sua reprovação - aplicação do "gelo"-, pela negação de chances de manifestação pessoal, pela desvalorização do esforço pessoal, pelo oferecimento de melhores condições de exercitação aos maiores, mais fortes e mais hábeis e indiferença pelas expressões explícitas de desrespeito pessoal entre os alunos, além de outras.
Sintetizamos assim o conteúdo dessa 1ª Generalização: "Professor age sobre os valores do aluno", extraído de um total de 79 episódios e 8 atividades de rotina do seguinte teor:
Ordenava que os alunos jogassem, mas ficava em pé, no mesmo lugar, sem falar com eles em momento nenhum;
Acompanhava de perto, apenas, a exercitação da fila ou grupo mais próximo a ele; dificilmente ia até os outros mais afastados;
Quando falava, não se dirigia a ninguém em particular;
Enquanto os alunos realizavam a tarefa determinada conversava com outras crianças ou conferia a freqüência de outros alunos;
Não fazia correções individuais e quando um aluno errava não lhe fornecia ajuda individualizada, apenas repetia a ordem anteriormente dada, dirigindo-se a todos;
Enquanto os alunos realizavam a tarefa passeava pelo local com ar ausente ou olhando em torno distraidamente. Não olhava o que os alunos estavam fazendo;
Quando chamava a atenção de um aluno, o resto da turma manifestava deboche, escárnio, zombaria, através de risos, palmas, assobios e gritinhos agudos e estridentes. Ele não interferia;
Diminuía o tempo da aula, retardando o início e adiantando o horário de finalização, com isso diminuindo o tempo de jogo, situação agradável e motivadora para os alunos;
Na segunda generalização incluímos episódios e ações de rotina nos quais, explicitamente, o professor colocava o aluno em situações adversas, inaceitáveis, hostis, através da ameaça usada como arma para obter comportamentos desejados, comprometendo desse modo, permanentemente, a auto-imagem e a auto-estima do aluno. A freqüência dos episódios durante as vinte e cinco aulas demonstrou, como assinala ENGUITA (1989:191-217), que a autoridade exercida no âmbito de pequenas coisas assegura a tendência de sua força ser total.
Sintetizamos assim o conteúdo da 2ª Generalização: "Professor age punitivamente sobre o aluno", extraído de um total de 19 episódios e 2 atividades de rotina do seguinte teor:
Mandava jogar dizendo que iria avaliar o ensinado na aula anterior, mas não especificava como faria essa avaliação e, no final do jogo, não voltava a tocar no assunto;
Fazia dois grupos, um em que colocava os maiores que já sabiam jogar, no qual também havia alunos da equipe da escola, e outro dos menores, no qual havia muitos que não sabiam futebol de salão. Na hora de jogar dava mais tempo para os maiores e menos para os menores. Quando ambos os grupos se exercitavam simultaneamente, os menores jogavam no campo de barro e capim e os maiores na quadra;
Olhava ameaçadoramente para um aluno que errava e dizia: "Vamos se preparando para a avaliação, pessoal!"
Irritado com os risos e conversações da turma, permanecia em silêncio -até três minutos- olhando os alunos com ar ameaçador;
Durante a exercitação aprovava, de vez em quando, alguns alunos com a palavra "certo!" ou "correto!". Sempre que falava aos alunos o fazia com a expressão muito séria, raramente sorria. Para os que erravam não dizia nada, mas olhava-os duramente;
Colocava os menores e os maiores em filas separadas. Os menores da turma que tinham, manifestamente, menos habilidade, brincavam entre si enquanto esperavam sua vez. Durante uma exercitação um aluno dos maiores não conseguiu fazer o passe de bola solicitado frente ao que o professor disse: "Se não é capaz, meu amigo, venha para esta fila, viu!" e assinalou a fila dos menores;
Observando que alguns alunos não executavam corretamente o exercício avisou: "Vamos melhorar o domínio e a precisão, minha gente! Vamos avaliar na próxima aula";
Comunicava que irá avaliar o domínio da bola, a condução, a progressão e a reposição em situação de jogo, portanto os alunos deveriam empenhar-se em fazer bem; porém encerrava a aula sem fazer quaisquer apreciações sobre o nível de habilidade demonstrado no jogo pelos alunos;
Num momento em que o professor estava organizando a exercitação, um aluno, que parecia não ter entendido algo, lhe fez uma pergunta, o professor respondeu algo com expressão muito irritada e em voz baixa o que provocou gritos, risos e assobios de gozação da turma para com o colega;
Num momento de muito barulho, risos e conversação dos alunos o professor disse: "Não vou ficar cobrando bom comportamento... não vou me desgastar! Na próxima aula só vai ficar quem quer aprender; quem não quer, vai sair da escolinha, tá certo?";
Um aluno, dos menores da turma, não conseguia arremessar para o lado sem virar os pés e sem levantar os calcanhares, como o professor demonstrou:
P -Eh! não ouviu que não é para levantar os pés, rapaz?
N -(Repetiu a reposição sem conseguir deixar os calcanhares colados no chão).
P -(Gritou) Não levanta os pés!!!... (Dirigiu-se para um dos maiores): R., mostre para N. como se faz! (R. demostrou corretamente).
P -Dirigindo-se novamente a N.: Tá vendo como R. sabe fazer, rapaz?! ... Toma jeito, menino!;
Na terceira generalização agrupamos os episódios em que se explicitava o exercício de ações repressivas, humilhantes, vexatórias e/ou violentas de um aluno para com outro, ações que evidenciaram que o processo de punição não era conduzido somente pelo professor, senão, e surpreendentemente, também pelos próprios alunos. O registro de 29 episódios demonstra que isso acontecia com uma freqüência de mais de um por aula. Ao nosso modo de ver, fatos como esse associam-se - e portanto o reforçam - ao processo de desmotivação e de moldagem dos valores dos alunos;
Sintetizamos assim o conteúdo da 3ª Generalização: "Alunos agem repressivamente entre si", extraído de um total de 29 episódios do seguinte teor:
Alunos próximos à criança que acabava de ser punida pelo professor, imitando os gestos e fala dele e, rindo, repetiram a reprimenda em voz baixa e chamaram J. de "complicador". J. abaixou a cabeça e permaneceu quieto, em silêncio e manifestamente atingido;
J. era um aluno que demonstrava pouca familiaridade com o futebol de salão; em ocasião anterior já tinha sido chamado de "complicador" pelo professor. Dessa vez, quando ele fez uma tarefa sem errar, vários meninos gritaram alvoroçadamente: "Agoooora! ... seu complicador!";
J. era repetidamente alvo de mofa. No momento em que demonstrava dificuldade em segurar a bola que lhe foi lançada, um colega lhe gritou: "Vai, Maria mulhé..., segura, sua safada!";
Quando um aluno tentava executar uma tarefa, mas não acertava, a turma batia palmas, ria e assobiava;
Quando o professor repreendia um aluno o resto da turma manifestava deboche com risos, palmas e gritos estridentes;
Como característica de extrema importância dos aspectos da problemática da avaliação, e elemento subsistente e invariante das três generalizações, podemos apontar o caráter aversivo que impregnava a prática observada, demonstrado, de forma maciça, por cento e vinte e sete episódios e dez ações de rotina. Ele se associava aos procedimentos instrucionais e disciplinares do professor - colocando-se como elemento central - e se traduzia em ameaças e punições como meio de obtenção dos comportamentos por ele desejados. Assim, ficou em relevo: a) a constante avaliação dos valores assumidos pelos alunos; b) a punição freqüente professor-aluno e aluno-aluno e c) os raros incentivos do professor e a inexistência de incentivos entre os alunos na prática pedagógica do professor observado.
Embora não tenhamos acompanhado a totalidade das 72 horas da carga horária da disciplina, pensamos ser lícita a afirmativa "caráter aversivo que impregna a prática observada", a qual pressupõe que a prática não observada também teria essa qualidade, se aceitar-mos que existem evidências da "tendência dos sujeitos observados a suprimir comportamentos negativos, aumentar os desejáveis ou reduzir a atividade em geral frente à presença do pesquisador", como comprovam, entre outros, SELLTIZ, WRIGHTSMAN e COOK (1987).
Na primeira generalização, "professor age sobre valores do aluno" - 79 episódios, numa relação matemática de 3,16 por aula, mais 8 ações de rotina -, densifica-se o fundo aversivo pela sua evidente associação com a "normatização do comportamento dos alunos", analisada na problemática anterior, e com as outras duas generalizações desta problemática.
O professor mantinha uma clara separação entre os alunos mais fortes - que de certa forma já dominavam o Futebol de Salão, pareciam ter mais idade e possuíam um físico mais avantajado - e os mais fracos - que não tinham domínio do jogo, pareciam ter menos idade e sua aparência era bem mais franzina -, que se revertia em desvantagens para o segundo grupo, o qual passava a ter menos tempo de exercitação (FIGURA 1, Colunas 7 e 8) e sofria comparações negativas sobre seu desempenho. Todavia, é interessante observar que os alunos não estavam alheios a certos aspectos das questões avaliativas, por exemplo:
"(...) Não gostamos de ser avaliados, pois na hora ficamos nervosos".
"(...) O professor gosta mais dos que sabem jogar bem".
"(...) Não posso vir a todas as aulas, acho que isso me prejudica. Os que não precisam trabalhar têm mais sorte".
"(...) A avaliação é necessária para mostrar os alunos que sabem e os que não sabem".
"(...) Os que não aprendem são desinteressados ou não têm condições de fazer as coisas, e por isso tiram nota ruim".
"(...) A avaliação é importante para o professor ver quem aprende e tem condições de ser um bom jogador. Os alunos que tiram nota ruim é porque não gostam de jogar bola".
"(...) O professor vai fazer uma turma de física (marinheiro, polichinelo e abdominais) para os que tiram nota ruim, fazem desordem, dizem palavrões e não gostam de jogar futebol".
"(...) Na avaliação se saem melhor os meninos mais fortes porque eles treinam mais do que a gente; as equipes são formadas pelos maiores".
De outra parte, dois aspectos são coincidentes e certamente precisariam de uma observação e análise sociológica mais aprofundada. Referimo-nos às atitudes manifestamente vexatórias e humilhantes, tanto da parte do professor quanto da parte dos alunos. Registramos 15 episódios de deboche explícito dos alunos com os companheiros que fracassavam no seu empenho para realizar determinadas habilidades ou eram repreendidos pelo professor. No mesmo sentido, assinalamos como ação rotineira do professor a não interferência para inibir energicamente essas atitudes. Também, nas entrevistas os alunos expressaram que era difícil estabelecer amizade com os garotos das outras turmas, especialmente os menores com os maiores e vice-versa. Face a questões como essa perguntamo-nos se esse desrespeito e agressividade relaciona-se apenas a uma forma de resistência à imposição de juntar-se com colegas de outras turmas ou é uma prática comum a alunos e professores, permitida e incentivada pela estrutura da organização do trabalho pedagógico e pela forma e conteúdo da escola.
O aprofundamento na problemática dos objetivos escolares explicita como eles reforçam o conteúdo imposto pela organização e objetivos do trabalho do modo de produção capitalista à atividade pedagógica e qual é seu verdadeiro sentido no processo de avaliação disciplinar e de valores. Nesse processo eclodem as contradições provocadas pela sua função de preservação da mistificação, do segredo e da hierarquia dos verdadeiros propósitos da ação burocratizada da escola no confronto com as possibilidades concretas da prática pedagógica.
Intenções ou propósitos do professor de promover a apreensão pelos alunos de determinados conhecimentos, comportamentos/atitudes e valores, configuram episódios e ações de rotina encontrados nas outras três problemáticas, demonstrando que os objetivos identificam-se com a avaliação na sua tarefa moduladora do processo de ensino, desencadeando contradições entre o conteúdo e a forma da escola capitalista, a exemplo do chamado "currículo oculto", definido por APPLE (1986:-113) como normas e valores implícitos ensinados na escola, mas dos quais não se fala nas elaborações de objetivos ou fins realizadas pelos professores.
Dos dados obtidos em episódios e ações de rotina com conteúdos do tipo acima assinalados, emergiram duas generalizações. Na primeira, agrupamos aqueles em que o professor agia para seu propósito de que os alunos aprendessem o Futebol de Salão - "Futsal", nos meios esportivos -, incentivando a prática dos seus movimentos característicos e especializados, expressando verbalmente a importância dos vários aspectos desse jogo como esporte de rendimento e justificando, de diversas formas, a necessidade de tê-lo como conteúdo escolar.
A segunda generalização teve origem nos episódios que continham traços de práticas ideológicas tendentes a estimular a formação de personalidades com características apropriadas à submissão/acatamento de normas, ordem, autoridade e hierarquia; a promover a despersonalização e a formação de determinada noção temporal - embutida na rotina de seqüência das atividades práticas -, assim como uma determinada noção de atividade livre.
Sintetizamos assim o conteúdo da 1ªGeneralização: "Professor age para objetivos explícitos" extraído de um total de 5 episódios e 3 atividades de rotina do seguinte teor:
Comunicou aos alunos que o objetivo das aulas era aprender o futebol de salão. Não explicou o porquê desse objetivo; os alunos ouviram em silêncio sem fazer perguntas ou comentários;
Fazia dois grupos, um em que colocava os maiores que já sabiam jogar, no qual também havia alunos da equipe da escola, e outro dos menores, no qual muitos que não sabiam futebol de salão. Na hora de jogar dava 7 min. para os pequenos e 12 min. para os maiores;
Encerrou a aula sem fazer quaisquer apreciações sobre o nível de desempenho que os alunos atingiram em relação aos objetivos que apontou no início;
Um aluno manifestou cansaço e falta de ar durante a corrida; o professor disse que isso tinha características de problema asmático e reclamou que o exame médico dos alunos era funda-mental para dar segurança no seu trabalho;
No seu planejamento da disciplina encontramos a elaboração de objetivos da seguinte forma:
"OBJETIVOS DE FORMAÇÃO: Formar e projetar talentos que possam no futuro servir às equipes representativas da escola. PSICOMOTORA: desenvolvi-mento das qualidades físicas e aprimoramento técnico/tático e dos fundamentos do jogo. COGNITIVO: desenvolvimento do sentido da atenção, percepção, raciocínio e criatividade. AFETIVA: favorecimento do crescimento pessoal (personalidade, confiança, perseverança, equilíbrio emocional, etc). Ao relacionamento em grupo (companheirismo, solidariedade, respeito, lealdade, etc)".
O grande número das atividades de rotina parece confirmar que o significado e sentido dessas finalidades não aparecem sempre à observação da sala de aula em formas explícitas e episódicas, senão que fundamentam - implícita, maciça e constantemente - toda a atividade prática do professor.
Sintetizamos assim o conteúdo da 2ªGeneralização: "Professor age para objetivos ocultos" extraído de um total de 195 episódios e 19 atividades de rotina do seguinte teor:
Iniciava a aula aferindo a freqüência de cada uma das sete turmas separadamente, desde a 5ª A até a 5ª G; exigindo que os alunos respondessem à chamada alinhados em filas, pela ordem da lista, na sua frente;
Determinava a forma em que deviam organizar-se os alunos dentro da quadra e conduzia pessoalmente cada menino para o lugar que ele desejava;
Determinava as exercitações e o local da sua realização sem demonstrar preocupação pela opinião dos alunos a respeito;
Ameaçava mandar embora meninos que brigavam ou brincavam enquanto estavam na fila esperando sua vez;
Cada aluno devia repetir mecanicamente a parte das atividades do jogo que o professor demonstrava - fora da situação de jogo - o máximo de vezes que o tempo determinado pelo mesmo permitia;
Na aula de Educação Física os alunos eram separados por sexo;
A seqüência da aula era sempre a mesma;
Consultava o relógio até 5 vezes durante a aula;
Nas exercitações individuais todos os alunos dispunham de quase o mesmo tempo para praticar a tarefa, geralmente no máximo de 4 vezes. Nas coletivas os maiores sempre dispunham de mais tempo;
Na hora de "jogar" agia como se estivesse arbitrando um jogo esportivo formal, dando ordens sobre a forma em que os alunos deviam realizar a atividade e exigindo um deter-minado rendimento;
Durante a aula só ele falava, não dialogava com os alunos sobre o tema da aula ou as atividades desenvolvidas. Depois que determinava a tarefa a ser feita perguntava a cada aluno "O que é para fazer?", mas não esperava a resposta nem aparentava estar prestando-lhe atenção, pois ele mesmo respondia em voz alta, por exemplo: "Dominar com a parte interna do pé!";
A generalização "Professor age para objetivos explícitos" coloca-nos face à colisão entre as determinações da normatização e organização do espaço e tempo pedagógico escolares e os propósitos do professor, demonstrando que, embora seja ressaltada por diversos autores a possibilidade de mudanças a partir da "força de vontade" ou "compromisso", é evidente que não serão os esforços isolados de um professor - por mais que denodados - os que vencerão essas determinações.
Não temos explicações do próprio professor sobre os critérios e métodos com os quais elaborou os objetivos instrucionais, disciplinares, de valores e atitudes que desejava atingir com sua prática pedagógica, mas acreditamos que os dados nos fornecem pistas para conhecer a resposta.
O professor definiu como objetivo de "formação" formar e projetar talentos que pudessem, no futuro, servir às equipes representativas da escola, discriminando como meio para conseguir isso a incidência da sua ação em três aspectos: psicomotor, cognitivo e afetivo. A ambigüidade dos objetivos mais gerais e as contradições postas pelas possibilidades concretas da prática pedagógica para atingir aqueles mais operatórios - que ao nosso modo de ver refletem a tentativa de ofuscar a significação real das finalidades do sistema educativo - evidenciam-se, principalmente, no que o professor denominava de "aspecto afetivo", no qual pretendia favorecer o crescimento pessoal em termos de personalidade, confiança, perseverança, equilíbrio emocional e do relacionamento em grupo, assim como o companheirismo, a solidariedade, o respeito e a lealdade.
Em objetivos desse tipo parece-nos fundamental a análise de dois aspectos: em primeiro lugar, do marco teórico conceitual das concepções do professor, quer dizer, especificamente, da teoria do conhecimento e lógica de raízes positivistas reforçadas pelo conteúdo da escola - ao qual subjaz o projeto histórico capitalista - que o orientavam para o tratamento fragmentado do conhecimento e para a elaboração de perspectivas idealistas para o seu trabalho. Em segundo lugar, a análise das contradições dos objetivos parciais de cada disciplina com a realidade atual. No caso, por exemplo, de que fosse considerado como progresso do conhecimento, em relação à realidade atual, que a Educação Física se fundamentasse em paradigmas da área das condutas motoras ou psicomotoras, este deveria ser acompanhado de uma correspondente atualização de métodos e fundamentação teórica pelo professor, assim como da unidade metodológica, envolvendo as outras disciplinas, caso contrário os resultados apontariam, como acontecido, mais uma contradição provocada pelas possibilidades objetivas da prática pedagógica.
À luz da dialética, as perspectivas formuladas em relação à formação da personalidade, além de ambíguas, podem ser consideradas idealistas, porque, como indica LEONTIEV (1981), a personalidade do indivíduo deve ser compreendida como qualidade gerada pelo movimento do sistema das relações sociais objetivas dentro das quais está inserida sua atividade vez que a personalidade surge pela primeira vez na sociedade, que o homem se manifesta dentro da história - assim como a criança o faz na vida cotidiana - somente como individuo dotado de determinadas propriedades e capacidades naturais, e que devém uma personalidade só quando age na qualidade de sujeito de relações sociais.
É possível afirmar que os objetivos de desenvolver confiança, perseverança, equilíbrio emocional, companheirismo, solidariedade, respeito e lealdade eram negados pela própria ação do professor sobre os valores dos alunos - como visto no conteúdo da 2ª generalização.
Os objetivos, como antecipação de futuro, precisam ser elaborados sem se perder de vista as possibilidades concretas da prática pedagógica para atingi-los. Quando esse requisito não é atendido a prática da sala de aula é estéril e representa, na realidade, mais um obstáculo para o acesso ao conhecimento. No aspecto de formação psicomotora, por exemplo, o professor determinou a necessidade do desenvolvimento das qualidades físicas e do aprimoramento técnico/tático dos fundamentos do jogo Futebol de Salão. Sabe-se, no entanto, que se o Futsal estiver sendo tratado como esporte de rendimento - o caso em observação - as qualidades físicas a serem desenvolvidas são: resistência aeróbica, resistência anaeróbica alática e lática, velocidade, força dinâmica, força explosiva, agilidade, flexibilidade e coordenação. Considerando que o jogo é essencialmente anaeróbico, para determinação do nível de solicitação do esforço - duração da exercitação e tempo de recuperação -, nas idades assinaladas, deverá ser levado em conta que a resistência anaeróbica, que usa das fontes energéticas do ATP (alática) e da glicose (lática), por razões psicofisiológicas, não pode ser sistematicamente exercitada antes dos 14-15 anos. A partir dessa faixa etária os métodos de treinamento devem ser aplicados prudentemente. A explicação dessa limitação é a menor capacidade de recuperação dos indivíduos nessas idades e faixas inferiores. (TELES, 1994).
Na análise dos dados das dissertações de mestrado e da literatura especializada os objetivos referentes a habilidades técnicas que incidem no desenvolvimento biológico, psicológico e fisiológico dos alunos apareceram fundamentando toda a prática pedagógica da disciplina, demonstrando assim, no trato com o conhecimento, a desvinculação do trabalho social como produção real e atividade concreta socialmente útil - por exemplo, a prática do jogo desprovido das suas qualidades sensíveis. Esse fato confirma que, embora a escola use o trabalho artificial como princípio pedagógico, não libera o ensino da sua tarefa de preparar para o trabalho, especialmente pela sua ação disciplinadora a partir da redução dos processos de ensino à aquisição de normas técnicas e da separação teoria-prática. Essa ênfase na ação disciplinadora, como preparação para o trabalho, manifestou-se, ainda, na forma em que o professor desenvolveu, ao mesmo tempo, atividades diferentes com diferentes grupos, maximizando o controle sobre a produtividade deles em relação aos objetivos. A sua ação para a formação de determinadas noções de organização temporal foi, também, notória pela inculcação da idéia linear de tempo através da organização da aula em partes, nas quais os acontecimentos se desenvolviam numa ordenação de antecedência e precedência imposta, arbitrariamente, pelo poder da sua autoridade, especialmente ao organizá-la em partes que reafirmavam a cisão manual-intelectual, por exemplo, ao determinar momentos para o ensino verbal das ações do jogo e momentos para colocá-las em ação.
Verificamos a unidade, ligação e interdependência das duas categorias pares. A avaliação/objetivos, explicitando-as no movimento contraditório manutenção e eliminação do aluno - já constatado por FREITAS 1991, 1994 - num processo em que os aspectos informais, referidos à avaliação de valores e atitudes, especialmente disciplinares, encobrem os aspectos formais da avaliação instrucional. Além disso, entre ambas as categorias se deu um jogo de transformação constante de uma na outra; ora a avaliação apresentou-se como objetivos, ora os objetivos apresentaram-se como avaliação. Embora os objetivos proclamados fossem: "(...) favorecimento do crescimento pessoal (personalidade, confiança, perseverança, equilíbrio emocional)" a ação do professor revelou objetivar submissão, acatamento de normas, ordem, autoridade e hierarquia, despersonalização, formação de determinadas noções de tempo e de valorização dele. Os menos favorecidos (fisicamente) tiveram menos chances de aprender (tempo e condições materiais), mesmo que, aparentemente, o tratamento fosse igual para todos. Repetiu-se na escola o processo de alienação sofrido pelo trabalhador através do trabalho explorado que é alheio a sua natureza. Embora a avaliação se relacione à atividade - objetiva e subjetiva - de apropriação e objetivação, pois o homem está sempre avaliando suas realizações, quer dizer, sempre estão se confrontando seus objetivos em relação a elas, no processo escolar observado a atividade dos alunos foi imposta e nem sempre os objetivos dela foram os deles próprios.
O pensamento científico pode promover a identificação das relações intrínsecas entre a avaliação e os objetivos escolares, o qual não diz relação somente ao projeto político pedagógico da escola, senão ao projeto histórico. Uma nova prática avaliativa, superadora, portanto, precisa ser uma prática que rejeite todo e qualquer mecanismo que legitime a exclusão social - especialmente aqueles observados nas práticas da Educação Física, referidos à avaliação de condições e/ou habilidades desportivas que decorrem de possibilidades limitadas em seu desenvolvimento pela classe social do aluno. É preciso que se envolva diretamente o aluno pela via da determinação de objetivos socialmente valiosos para que seja, efetivamente, um instrumento de superação para seu processo de formação, o qual pode ser dado pela sua participação real na definição dos objetivos e não somente participação na discussão de objetivos já determinados, vez que essa discussão oculta os objetivos de conciliação de classes sociais, à semelhança do artificio utilizado pelo CQT ao criar estruturas hierárquicas paralelas para estabelecer a cooperação capital/trabalho. Para isso é fundamental que o coletivo de professores e alunos determinem objetivos socialmente valiosos, tendo clara compreensão do processo global de escolarização e das suas metas e conhecimento da cisão do próprio homem pela cisão mão/cérebro - pensar/fazer, decorrentes da especialização e do treinamento de habilidades específicas. Com FIDALGO (1994) podemos dizer que da apreensão das habilidades específicas devem um processo de autonomia outorgada e só das habilidades integradas ao projeto geral devem a autonomia real.
A legislação condiciona a prática da disciplina Educação Física dando à avaliação um determinado significado e finalidade, conteúdo e forma. Constatamos na nossa análise que, em forma geral, a elaboração de conhecimento específico dessa Disciplina - nas dissertações de mestrado e na literatura especializada - sugere os fundamentos da avaliação na aptidão física, assentada em critérios gerados no sistema esportivo de alto rendimento que visam, em primeiro lugar, à seleção, ou em critérios que emergem de teorias psicomotoras e que outorgam aos objetivos o caráter de proposições ideais dependentes de desejos de sujeitos isolados. Constitui-se em exceção a tese de um grupo de autores sobre as determinações implícitas na organização do trabalho pedagógico via avaliação. O COLETIVO DE AUTORES (1992) reconheceu a necessidade de se elaborar uma nova proposta de avaliação aduzindo que a Educação Física atual está condicionada pelos significados que lhe são atribuídos tanto pela legislação vigente como pelo processo de trabalho estabelecido no interior da escola e pelos conhecimentos e concepções dos professores e alunos envolvidos. Nesse confronto, onde entram em questão projetos diferentes e antagônicos - expressaram os autores - tem prevalecido a orientação oficial advinda do sistema esportivo, a qual determina as condições de organização da disciplina dentro da escola conferindo-lhe um determinado significado, conteúdo, forma e finalidade. O significado é a meritocracia ou ênfase no esforço individual, a finalidade é a seleção, o conteúdo é aquele advindo do esporte e a forma é dada pelos testes esportivo-motores.
Podemos dizer que identificamos, a partir das nossas análises, como elementos constitutivos da categoria organização do trabalho pedagógico/trato com o conhecimento: currículo ampliado, coletivo escolar, auto-organização dos alunos, teorias do conhecimento, interdisciplinaridade e unidade metodológica, realidade atual e seleção, organização e sistematização do conhecimento. Esses elementos se organizam em torno, fundamentalmente, da categoria trabalho e são, portanto, profundamente modulados pela categoria avaliação/ objetivos.
Destacou-se, também, à nossa vista que a interdisciplinaridade não ocupou a atenção dos autores com os quais dialogamos. Idéias próximas às de interpenetração de método e conteúdo para abordagem de um determinado objeto de estudo giraram, apenas, em torno de certas possibilidades de trabalho conjunto, especialmente planejamentos coletivos, os quais, mesmo pela falta da estrutura de totalidade da visão dos autores, a partir dos relatos, nada mais foram do que pontes artificiais entre as diversas disciplinas.Mas as referências colhidas demonstram que existe a possibilidade de se desenvolver na escola um processo semelhante ao que origina a elaboração de conhecimento interdisciplinar, quer dizer, do conhecimento que permite a apreensão da realidade em todas suas relações e interconexões. FREITAS (1991 e 1994) é o único dos autores a desenvolver essa temática, postulando a unidade metodológica como a possibilidade da interdisciplinaridade na escola. Ainda, com respeito à importância do coletivo com estratégia para superar as contradições apontadas, ficou demonstrado que os autores de dissertações e de obras especializadas não contemplam a defesa de objetivos socialmente valiosos - inscritos num projeto histórico claro - nem de sistemas de autogestão a partir de formas democráticas, de divisão, organização e direção das tarefas.
Na Educação Física, o COLETIVO DE AUTORES faz propostas, um tanto tímidas, defendendo a articulação dos objetos de estudo de cada uma das disciplinas componentes do currículo escolar (1992:29). Da mesma forma, são os únicos a considerar a dimensão e o caráter do currículo escolar chamando a atenção sobre as articulações entre organização escolar, normatização escolar e trato com o conhecimento. Acreditamos que essa concepção chamada por eles de "currículo ampliado" deve ser incorporada como elemento constitutivo da categoria organização do trabalho pedagógico-trato com o conhecimento, merecendo, todavia, estudos mais aprofundados que neste trabalho não foram contemplados por fugirem dos propósitos do mesmo.
Ainda, face ao problema da unidade metodológica, podemos afirmar que a superação da prática pedagógica requer que ela se manifeste, fundamentalmente, na ação de todas as disciplinas para o desenvolvimento de um outro tipo de pensamento nos alunos, ou seja, um pensamento que reflita as premissas de relação teórica com a realidade e, portanto, da compreensão da tarefa que cada um deve desempenhar para a superação das atuais estruturas sociais. A função das disciplinas não pode ser o desenvolvimento de habilidades e destrezas específicas que, sob o disfarce de "habilidades escolares" preparam o trabalhador sonhado pelo projeto capitalista. A Matemática, por exemplo, deve promover a reflexão sobre o mundo das magnitudes e a forma com que o homem resolve esses problemas; a Educação Artística deve objetivar não somente o domínio de certas técnicas de execução das diversas expressões artísticas - modelagem, desenho, escultura, etc. - como também a capacidade de discriminação dos juízos estéticos veiculados nos materiais artísticos, pois eles veiculam, em último termo, uma determinada ideologia de classes. Enfim, a Educação Física não pode centrar seus objetivos no domínio das técnicas de execução das diferentes atividades corporais sem promover a leitura das visões de mundo transmitidas socialmente por elas.
A organização do trabalho pedagógico/trato com o conhecimento - seleção, organização e sistematização - apareceu, na nossa investigação, profundamente modulada pela categoria avaliação/objetivos, pondo em xeque a idéia de que as contradições da avaliação poderiam ser superadas pela via do conhecimento, já que não é este, apenas, a ser avaliado dentro da escola.
Nosso estudo da prática da Educação Física corroborou a presença dos aspectos das relações entre escola-sociedade, em forma saliente os relacionados à avaliação informal, assim como a ação do professor sobre os valores do aluno a partir da punição, a qual, surpreendentemente, apareceu, também, na própria relação dos alunos entre si. Os alunos sofreram uma constante pressão para moldar ou mudar seus valores, pressão patenteada na desconsideração das suas motivações e na repressão da sua espontaneidade e dos seus desejos. O professor desenvolveu esse processo através de atitudes de indiferença pelo desempenho do aluno, pelo uso do silêncio como exteriorização da sua reprovação - aplicação do "gelo"-, pela negação de chances de manifestação pessoal, pela desvalorização do esforço pessoal, pelo oferecimento de melhores condições de exercitação aos maiores, mais fortes e mais hábeis. O processo de constituição da auto-estima do aluno apareceu descarnadamente, explicitando uma face extremamente cruel das relações de força e poder dentro da escola, pois o professor colocava o aluno em situações adversas e hostis, inaceitáveis, através da ameaça usada como arma para obter os comportamentos desejados. Como já apontamos, esse processo mostrou uma relação, se possível dizer, de cumplicidade subjacente, na conduta dos próprios alunos, explicitada nas ações repressivas, humilhantes, vexatórias e violentas entre si mesmos. Na nossa concepção o desrespeito e agressividade dos alunos entre si e a não interferência do professor para inibir energicamente essas atitudes são práticas permitidas e incentivadas pela estrutura hierárquica da organização do trabalho pedagógico e pelos valores privilegiados no projeto histórico capitalista.
Olhar para a prática esportiva na escola requer que os objetivos relacionados com a formação corporal, física, dos alunos, sejam recolocados no âmbito das relações sociais reais de uma sociedade de classes. Se a escola assume o aperfeiçoamento da capacidade de rendimento físico, o desenvolvimento de habilidades específicas, hábitos higiênicos e capacidades vitais e desportivas, pela sua própria função seletiva, não estará assumindo, ocultamente, o objetivo da seleção eugênica dos alunos? À escola, inserida num projeto histórico superador, cabe a elaboração e socialização do conhecimento necessário à formação omnilateral. Capacidade de rendimento físico, desenvolvimento de habilidades básicas, hábitos higiênicos e capacidades vitais e desportivas são absolutamente dependentes das condições materiais de vida dos indivíduos, e seu desenvolvimento, incremento e aperfeiçoamento são possíveis a partir de um projeto coletivo que se concretiza, somente, pela ação decisiva do Estado na promoção das condições materiais básicas para toda a população.
Engajada num projeto histórico superador, os valores privilegiados pela escola precisam ser os que sobrepõem o coletivo ao individual, que defendem o compromisso com a solidariedade e respeito humanos e promovem a compreensão de que jogo se faz "a dois", de que é diferente "jogar com" o companheiro do que jogar "contra" ele. Essa ação seria o germe do movimento de oposição às práticas orientadas pelos valores do esporte de "altos rendimentos" alimentados pela exacerbação da competição, pelo sobrepujar e pela violência tolerada do treinamento.
Não é difícil perceber que a meritocracia divide e reforça os campos do poder do esporte. O Ministério da Educação já realizou campanha dos jogos escolares cujo slogam era: " Quem joga, joga. Quem não joga, aplaude", fazendo presente a questão da alienação pela perda da subjetividade; dos que jogam, porque esse jogo passa a ser trabalho, e dos que aplaudem, porque seu espaço de ludicidade é restringido à observação visual. Isso aponta a necessidade imediata da mudança nas concepções de avaliação decorrentes do modelo competitivo do esporte de alto rendimento e o desafio de reinventar as práticas competitivas, pois uma prática superadora precisa ter como pressuposto a rejeição da seleção que acoberte quaisquer formas de exploração do homem pelo homem ou que ameace a massividade como processo de participação popular e sistemática nas atividades esportivas como prática permanente.
A decisão tomada pelo professor observado - e acatada pela escola, tendo em vista a necessidade de participar das competições dos "Jogos Escolares" -, de ensinar o Futebol de Salão, além de não contemplar a interferência dos alunos na definição dos objetivos, findou na distribuição de um conhecimento essencialmente técnico e, embora essa distribuição pudesse vir a ser defendida como "democrática", contraditoriamente, o aluno foi afastado da possibilidade de se reconhecer como criador e auto-criador e reconhecer seu desenvolvimento material e espiritual. O conhecimento distribuído reforçou, na realidade, a intromissão dos ideais capitalistas pela indução do aluno a "(...) querer viver para ter e sonhar com novos produtos" (ANTUNEZ, 1994:99). Lembremos as declarações dos alunos:"(...) ser jogadores de futebol profissional. Os jogadores de futebol ganham muito dinheiro e também podem ter uma loja de roupas para jogar e outras coisas para praticar esporte".
Talvez um bom começo para a construção de uma prática pedagógica, voltada à construção da cidadania, seria elaborar coletivamente, tendo em vista o tão sonhado projeto político-pedagógico superador para a Educação Física, os conceitos da prática social que nesse momento defende, contrapondo aos de democracia os de "instituições democráticas", aos de participação popular os de "coletivismo", aos de aumento do bem-estar material e espiritual dos trabalhadores e do povo os de "fomento da saúde, do lazer, do esporte, das habilidades vitais, produtivas e esportivas, de vida sadia e de solidariedade", tendo como pano de fundo um projeto histórico socialista. Nossa sugestão para concretizar essa nova prática seria:
Afirmar o esporte e outras formas da cultura corporal, no currículo escolar, como conhecimento inalienável de todo cidadão, independentemente de condições físicas, raça, cor, sexo, idade ou condição social.
Selecionar o conhecimento considerando as modalidades que encerrem um maior potencial de universalidade e compreensão dos elementos gerais da realidade atual, empregando os critérios de atual e de útil na perspectiva das classes sociais.
Resgatar práticas que possam, de um lado, contribuir efetivamente para o desenvolvimento da consciência crítica e, de outro, constituir formas efetivas de resistência.
Privilegiar a unidade metodológica como possibilidade de compreensão da cultura corporal numa perspectiva interdisciplinar.
Buscar os instrumentos de avaliação no próprio objetivo de construção das práticas corporais.
Compreender o professor como um trabalhador orgânico da educação e do ensino: organizador, divulgador, incentivador, pesquisador - engajado na dinâmica socio-cultural da comunidade escolar -, que se utiliza, como mais experiente, da atividade prática, "o trabalho social", como única mediação entre o homem e o conhecimento, para promover a auto-consciência dos seus alunos.
Relacionar as possibilidades da prática esportiva às possibilidades reais dadas pelas ações nas áreas da saúde, cultura, bem-estar social, habitação e planejamento urbano, entre outras.
Obs. A autora pertence à URCA/CNPQ
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