Resumo

Resumo O objetivo deste estudo é descrever e discutir o ponto de vista de base jumpers brasileiros sobre os sentidos atribuídos à vida, considerando que a experiência é perpassada pela associação esporte-risco-emoção. Com esta finalidade, estabeleceu-se um caminho de investigação com o qual utiliza-se de pressupostos teóricos acerca de risco, esporte, emoção e romantismo e de relatos das narrativas dos atores sobre suas experiências com o risco, para discutir as noções que permeiam os sentidos atribuídos à vida por esses, bem como apontar para aspectos da cultura que influenciam na opção por um estilo de vida arriscado. Palavras-chave: esporte radical; base jump; risco; emoção; sentidos atribuídos à vida; romantismo.I. Introdução A idéia de risco parece ser amplamente difundida no contexto social moderno enquanto categoria discursiva representativa do controle e responsabilidade sobre o futuro, em direção a uma sociedade segura. São apelos contra os desregramentos alimentares, o uso do tabaco, o estresse, os crimes ambientais e outros, imbricados a prescrições de rotinas para evitar situações de risco face à aquisição de saúde, longevidade, qualidade de vida, estabilidade, segurança, todos pressupondo a vida como um bem maior nesta cultura. Desse modo, supõe-se um caráter negativo do risco e uma eficácia da racionalidade como instrumento de controle das paixões e das emoções, para se ter uma vida segura. Contudo, embora esse seja um discurso predominante nesta cultura, é observável a existência de outros que sugerem um convite para o seu enfrentamento a exemplos dos veiculados a alguns mercados financeiros e mais recentemente aos esportes ou atividades ditos radicais, com os quais se introduz a noção de emoção associada ao risco. A emoção, no caso dos esportes radicais, funciona como uma espécie de componente agradável face o enfrentamento dos riscos controlados e avalizados pelos recursos tecnológicos e pelo cálculo probabilístico. Desta maneira, risco e emoção, associados, assumem um caráter positivo, sob perspectiva da sua experimentação o que leva a crer que o enfrentamento de situações que ofereçam algum nível de risco provoca uma certa emoção agradável e compensadora. A observação desses discursos leva a crer que modelos explicativos do risco têm pouca reciprocidade nesta cultura e que se a sociedade brasileira fosse de fato permeada por elevados níveis de riscos, não se cultivaria a idéia de buscá-los fora do cotidiano, nem haveria tamanha plasticidade em sua prática discursiva. Plasticidade esta, que 2 Esporte e Sociedade ano 3, n.8, Mar.2008/Jun.2008 B.A.S.E. Jump, risco e emoção Rocha induz ao entendimento de que os discursos sobre o risco, ao menos os disseminados em canais não científicos ou técnicos, consistem num apelo para as emoções quer na perspectiva do controle de sua expressão, ou de vivência responsável, moderada, diante das incertezas. Contudo, o recorte realizado para este estudo restringe-se a uma abordagem de risco sob a perspectiva de risco desejado, circunscrito a indivíduos que elegem risco como estilo de vida, vivenciado por meio do campo dos esportes radicais. Esta perspectiva é norteada pelo entendimento de que a opção individual por enfrentamento do risco se dá em meio às inúmeras possibilidades de escolhas fornecidas pela cultura na qual o indivíduo está inserido. Acredita-se, portanto, que a cultura fornece bases e meios para que um base jumper escolha arriscar a vida num salto de extremo risco, embora a vida seja o bem mais valorado no todo cultural. Acredita-se também que tensões, ambigüidades e contradições, são quase sempre inevitáveis na relação indivíduo-cultura, ao menos no Ocidente. A tensão aqui presente caracteriza-se pelo fato de elementos tomados como constitutivos do esporte, tais como desafio, superação, conquista, estarem sendo incorporados em situações de risco extremo nas quais a própria vida faz parte integrante do jogo que se quer jogar. É uma tensão significativa no contexto de uma sociedade moderna na qual há uma forte tendência de preservação da integridade física nos esportes e onde a segurança é um valor. Em face dessa tensão buscou-se com este estudo compreender os significados que estão sendo revelados por base jumpers para a vida, considerando que a experiência é perpassada pela associação esporte-risco-emoção. Nesta direção, o conjunto das observações preliminares e da revisão de leitura conduziu a suspeitar que o esporte base 3 Esporte e Sociedade ano 3, n.8, Mar.2008/Jun.2008 B.A.S.E. Jump, risco e emoção Rocha jump viabiliza um trânsito entre o risco e as emoções perpassado por uma perspectiva romântica de dar sentido à vida. O presente artigo se origina do estudo de doutoramento da autora ainda em fase conclusiva, mas indica algumas pistas que contribuem para o entendimento da relação risco e emoção presentes na experiência com o base jump. Neste sentido, inicia-se por situar o base jump pelo viés do risco a ele associado. Em seguida, realiza-se uma breve incursão na literatura sobre a trajetória cultural da negatividade e da positividade do risco. Por fim, serão comentados alguns dos resultados parciais do estudo acerca das emoções associadas às experiências dos b.a.s.e jumpers e do sentido da vida para eles. II. Base jump: um esporte de extremo risco Base jump é um dentre outros esportes radicais. O termo se constitui das iniciais de Building, Antenna, Span e Earth, - edifícios, antenas, penhascos e terra -, fazendo referência a objetos fixos os quais se configuram em bases para os saltos dos praticantes. Neste rol, estão incluídos torres, mastros, pontes, arcos, guindastes, cavernas ou uma outra formação natural concebida como sendo precipício. O esporte consiste em saltar dessas estruturas fixas utilizando um pára-quedas, de modo geral a atender as seguintes finalidades: a) realizar algum tipo de acrobacia durante o tempo de queda livre, b) não tocar a estrutura durante o salto e c) pousar no centro de um alvo previamente estabelecido, denominado de “mosca”. Há também uma categoria de base jump, chamada de base jump de descobrimento que tem outra finalidade, a de saltar de novos lugares, geralmente explorando novos penhascos pelo mundo. 4 Esporte e Sociedade ano 3, n.8, Mar.2008/Jun.2008 B.A.S.E. Jump, risco e emoção Rocha De acordo com as Federações Nacional e Internacional de Pára-quedismo, só é reconhecido como sendo um base jumper, aquele que tiver realizado ao menos um salto de cada um dos quatro objetos fixos constituintes da sigla que dá nome ao esporte. Feito isso, o nome do praticante passa a constar do ranking mundial com uma pontuação que acresce de acordo com a quantidade e dificuldade dos saltos subseqüentes. O que parece ser muito significativo com relação ao risco que envolve o esporte advém de três probabilidades: a do pára-quedas não abrir e o atleta chocar-se com o solo, a de chocar-se contra a própria estrutura de base do salto, ou a de se enroscar em redes elétricas de alta tensão. Segundo depoimentos de alguns atletas, um “salto baixo” de uma estrutura que se encontra a 500 pés de altitude, está a aproximadamente 10 a 15 segundos do solo e por isso não há tempo suficiente para o acionamento de um pára-quedas reserva. Comentam que embora possa se estimar a probabilidade de acidentes fatais para o caso do pára-quedas não abrir, isso raramente acontece. De outra maneira, a incidência do risco é maior no momento em que eles se lançam em queda livre, uma vez que o corpo está muito próximo da estrutura e pode atingir a velocidade de 200 km por hora antes da abertura do pára-quedas. Nesse caso, se acontecer uma reversão em direção à própria estrutura, devido a alterações no plano de vôo - cálculo equivocado - ou alterações do trajeto ocasionadas por súbitas mudanças na direção dos ventos, o atleta tem pouquíssimos segundos para solucionar o problema antes de se chocar com a estrutura. O índice de mortalidade nesses casos é bem maior porque se o próprio impacto com a estrutura não levar à morte, é preciso que depois do violento choque, ainda estejam perfeitas as condições físicas e mentais do atleta para tomar decisões. 5 Esporte e Sociedade ano 3, n.8, Mar.2008/Jun.2008 B.A.S.E. Jump, risco e emoção Rocha Com essas características o base jump é considerado, no meio dos chamados esportistas dessa categoria e das confederações esportivas de todo o mundo, como sendo um dos esportes que lidera o risco extremo, principalmente pela velocidade com que tudo acontece. Assim reconhecido, convenciona-se que para ingressar no esporte, o indivíduo tenha experiência mínima de duzentos saltos regulares de pára-quedas ditos convencionais, experiência com o equipamento e com saltos realizados à noite, bem como se submeta a testes e avaliação das habilidades em pensamento rápido, exatidão e das suas capacidades físicas de responder corretamente com coordenação, velocidade e precisão a situações de alta pressão. Afora isso deve consultar a lista de fatalidade disponível num site internacional específico de informações sobre esse esporte1, no qual consta a relação de nomes dos atletas mortos durante a prática esportiva e as respectivas causas dos acidentes. Desse modo, o risco está fortemente associado ao base jump. Embora se compreenda que são riscos passíveis de controle e cálculo, o erro predominantemente conduz à morte. Assim sendo, a tensão - vida e morte - perpassa toda a experiência do ator objetiva ou subjetivamente. Mesmo que a prática desse esporte propicie também expectativas de dominar o medo, superar a si próprio, apreender as técnicas relativas ao uso do material e do próprio corpo, exercer controle das emoções diante dos obstáculos e conquistar a vitória diante da tarefa, a vida está em jogo como sendo o bem maior.