Resumo

Presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como um elemento que atravessa diferentes disciplinas e objetivos pedagógicos, o lazer, ao ser abordado no âmbito da Educação Física (EF), é comumente apontado como um momento em que os estudantes poderão vivenciar, autonomamente, as diferentes práticas corporais aprendidas na escola (Brasil, 2018). Para isso, mais do que pensar em movimentos e técnicas, o documento em questão nos convida a olhar para a cultura e os sentidos presentes nos conteúdos da EF. Nesse cenário, a BNCC ressalta que, para que a vivência da prática corporal seja significativa, “é preciso problematizar, desnaturalizar e evidenciar a multiplicidade de sentidos e significados que os grupos sociais conferem às diferentes manifestações da cultura corporal de movimento” (Brasil, 2018, p. 214). Adicionalmente, ao apresentar a Educação Física, a define como um “componente curricular que tematiza as práticas corporais em suas diversas formas de codificação e significação social, entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais no decorrer da história” (Brasil, 2018, p. 213). Tendo isso em vista, buscamos apontar possibilidades de utilização do conceito de “brasilidade”, do historiador Luiz Antônio Simas, como chave conceitual capaz de abrir espaços para trabalhar, nas aulas de Educação Física, com manifestações não hegemônicas associadas a diferentes práticas corporais. Para tanto, damos ênfase a vivências constituídas em experiências cotidianas de lazer, devido ao potencial que possuem de construir, reconstruir e fortalecer vínculos comunitários. Compreendendo a brasilidade como uma reação às violências e discriminações impostas pelo Brasil colonial, as quais ainda hoje reverberam em nossa sociedade, Simas nos provoca a lançar um olhar para as manifestações vividas nas ruas, nos terreiros, nos bares, nas rodas de samba, no futebol e em diversos outros contextos da vida cotidiana.  “Não gosto do Brasil; é mais honesto dizer. Eu gosto é da brasilidade, essa comunidade de sentidos, afetos, sonoridades, rasuras, contradições, naufrágios, ilhas fugidias, identidades inviáveis, subversões cotidianas, voo de arara e picada de marimbondo, sarava e samba” (Simas, 2020, p. 177). Nesse sentido, entendemos que tal compreensão pode colaborar tanto para estimular a presença de diferentes manifestações das práticas corporais nas aulas, quanto no modo como os conteúdos já presentes são compreendidos e desenvolvidos. Exemplos disso podem ser vistos nos modos como Simas compreende o samba e o futebol, que são hoje elementos destacados da cultura e do divertimento dos brasileiros. Segundo o autor, o samba, “manifestação oriunda das culturas subalternizadas” (Simas, 2020, p. 112), foi reelaborado no território brasileiro após a experiência da diáspora africana e se cruzou com outras experiências culturais, expandindo seu alcance às outras classes sociais. O futebol, no caminho inverso, “introduzido aqui como lazer dos jovens das camadas dominantes e imigrantes ingleses, foi macumbado pelos corpos lanhados por chibatas e ganhou múltiplos significados” (Idem, 2020, p. 112). Ambas as expressões são acompanhadas por outras “sapiências das ruas”, que seriam espaços nos quais emergem sabedorias, tornando possível a produção e a vivência da brasilidade. Brasilidade essa que, acreditamos, deve estar presente no âmbito da EF na escola.

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