Resumo
Recupera-se um dos mais emblemáticos documentos da História do Maranhão, em que se explica o significado do nome 'Maranhão", e os benefícios da vinda de padres para este estado colonial, conforme relata Rossini CORRÊA (1993)[1], em comentario de uma carta de João Tavares a um superior seu – seriam as “Breves descrições...” ? -, descrevendo a paisagem da Ilha de São Luís, ante a chegada possível de missionários europeus ao Maranhão. Afirma que aqueles religiosos deixariam as delícias da Itália, não pelos trabalhos, mas pelas recreações do Maranhão, conforme consta das “Breves descrições...”, tecendo os seguintes comentários: "Como na Ilha Grande foi decantada pelo espaço contrário aos trabalhos (os quais, no mínimo, resguardaria) antieticamente haveria de apresentar expressiva contenção de exercícios corporais, enquanto expressão de labuta, de fadiga e de descanso decorrentes de diligência em atividade física. Permitiria - na contrapartida da terra de gente excepcional - a alternativa das recreações para o cultivo e o requinte do espírito. Desdobrado da hipótese das recreações coletivas, o raciocínio desenclausurado outro não é, senão o de que, no Maranhão, seria comunitária a amizade pelas luzes, pela razão, pela sabedoria etc., considerada a educação do pensamento e do sentimento um fragmento indispensável das recreações. ." (40). “A afirmativa do padre João Tavares foi riquíssima, porque vaticinou uma permuta - as delícias (da Itália) pelas recreações (do Maranhão). Sociologicamente significativa, haja vista que, na substituição, as delícias européias não terminariam trocadas pelos trabalhos americanos. Ao contrário, o fundamento do intercâmbio seria a validade indicada como vantajosa - a das recreações maranhenses." (p. 39).
[1] CORRÊA, Rossini. FORMAÇÃO SOCIAL DO MARANHÃO: o presente de uma arqueologia. São Luís : SIOGE, 1993
Integra
SOBRE JOÃO TAVARES [1]
Clóvis Ramos (1986; 1992) [2] ao analisar o surgimento da imprensa no Maranhão, afirma ser jornalista o magnífico João Tavares com sua Informação das recreações do rio Munim do Maranhão. Em seu roteiro literário do Maranhão (2001) [3]·, refere-se a João Tavares como:
“... cronista, professor de humanidades e filosofia, missionário. Padre da Companhia de Jesus, nascido no Rio de Janeiro a 24 de setembro de 1679, chegado ao Maranhão, e catequizando índios, os tremembés, arrebanhou-os em aldeias, fundou a cidade de Tutóia. Faleceu no Maranhão em onze de julho de 1744. Deixou manuscritos valiosos, interessado em explicar, também, o nome Maranhão e o fenômeno das pororocas, que o fascinava. No Dicionário histórico e geográfico da província do Maranhão de César Marques, no verbete Maranhão, vem mostrado como um escritor original, de prosa poética. (RAMOS, 2001, p. 3-4).
Esse Autor, baseado em César Marques[4], e citando como bibliografia: Breve descrição das grandes recreações do rio Munim do Maranhão, 1724, passa a transcrever o que consta das páginas 454/455 daquele dicionário:
“AS POROROCAS DO MARANHAY
“Foi de indústria, por dar gosto a Vossa Revma. que, como tão perito na língua brasílica, folgará lhe diga o que por mim tenho alcançado acerca da etimologia desta palavra Maranhão, ponto em que tenho ouvido alternar por boca e por escritos antigos, sobre nunca assentarem em nada de quanto disseram nada tem fundamento no meu fraco entender. Veja os antigos manuscritos da missão.
“O padre Bartolomeu Leão, da Província do Brasil, reformador do catecismo da língua brasílica, me recomendou muito quando vim para o Maranhay, que me avistasse com o padre Ascenso Gago, o mais perito que por então reconhecíamos neste idioma brasílico, soubesse dele o que sentia nesse ponto. Ambos morreram ignorantes do que aqui quero dizer, e nunca o dissera sem ter visto com os meus olhos as pororocas do Maranhay. Pelo que digo que a palavra Maranhay se compõe de dois verbos e de um substantivo. Os verbos são maramonhangá, que significa brigar e anham que significa correr (até aqui atinava o dito Bartolomeu Leão) e o substantivo é a palavra ou letra que significa água, e ainda tirada de Maranhão por corrupção de palavra, assim como estão infinitos nomes da língua brasílica corrupta pela pronúncia dos portuguese.
“Nesta palavra não podia atinar o padre Leão sem ver ou lhe disserem o que passa pelo Maranha. Deram os naturais este principal nome a esta terra do que nela mais principalmente avultava que são as pororocas, cujo aspecto é uma briga das águas correndo. Tudo isto diz a palavra Maranhay – água que corre brigando. Perguntar-me-hão pois porque não se chama o Maranhay pororoca; respondo que pororoca é a palavra que explica o que se ouve; parece-me que se compõe da palavra opõe, que significa rebentar de estouro, como o ovo quando rebenta, e da palavra cororan, que significa roncar continuamente, como o mar; ou é palavra simples, feita pela freqüêntativa, tirada sempre do verbo opõe. De qualquer sorte que tomem a palavra pororoca, sempre significa estourar ou estalar, de onde do que se ouve se chama aquela fúria das águas – pororoca; e do que se vê se chama todo este Estado – Maranhão”. (RAMOS, 2001, p. 3-4; MARQUES, 1970, p. 437).
Realmente, César Marques àquelas páginas refere-se às pororocas do Rio Munim, mas a descrição é outra, como se observa:
“O Padre João Tavares na carta já alegada dá dêste fenômeno da pororoca uma tão poética descrição, que nos pareceu que sem ela não ficaria bem acabado êste maravilhoso quadro: - ‘Enquanto a maré vaza tudo vai em paz; em enchendo começam a pelejar em um lugar a enchente, que vem do oceano, com a vazante, que vem dos ditos rios (Mearim e Pindaré). O lugar desta peleja dista da barra dos dois rios como vinte léguas. Briga ali a enchente com a vazante, sem a maré passar daquele lugar para diante por espaço de tr6es horas. Nestas três horas toma a enchente fôrça, e nas águas vivas toma maior fôrça; forma grande pé atrás, alteia sobre a vazante à maneira de dois homens, que estivessem forcejando peito a peito, e um dêles vencendo levasse o outro abaixo de costas; assim vence a enchente, que naquele lugar só alterca por três horas, e no instante que cavalga sobre a vazante dá tal estouro, e continua com tal urrar, e corre com tal violência com três marés, ou três serras de águas, lançando para trás a modo de guedelha branca desgrenhada uns fios de água, acometendo a tudo quanto é baixo com tal fúria , que parece vai a ofender a seus contrários, ou a acudir a algum descuido da natureza, arrancando árvores, derrubando ribanceiras e cobre em três horas tudo quanto havia a cobrir nas seis ordinárias de uma maré. Daqui vem vazar a maré até onde se forma a pororoca nove horas, e daí para cima enche em três horas.” (MARQUES, 1970, p. 455).
Prossegue César Marques a descrição da pororoca - não encontrada no texto da “Breve descrição...” abaixo transcrita – como se fosse daquela carta. Como a cópia que tenho, em microfilme, é cópia de outra, conforme consta no final do texto[5]; é de se supor que no original do Padre Tavares houvesse as explicações citadas:
“Restava agora examinar a causa desta extraordinária vagância das águas, a qual vi, e repetidas vêzes tornei a ver, sem nunca chegar a perceber a sua verdadeira causa. Ocorria-me que o pêso das águas doces pugnando com as salgadas, depois de grandes pugnas, vinha a vencer a fôrça das águas do mar, e com fôrça do receio que tinha tido naquela pugna, rompia naquele extraordinário ímpeto. Porém contra isto está que em muitos, ou em todos os mais rios não faz êstes efeitos, e só são particulares no Estado do Maranhão, onde os há só aqui e nos rios Mearim e Pindaré perto da cidade de S. Luís do Maranhão; e também se diz há uma pequena pororoca no rio Guamá perto da cidade do Pará e nos mais rios nada, nem nos da Europa e outras partes, e só conta a mesma maravilha no Rio Ganges da Índia. Além do que observa-se no curso da dita pororoca que em muitas partes e rios largos sucede correr primeiro uma margem e depois descer pela outra por modo de redemoinho, correndo ao redor quantas canoas encontra, e acabando isto vai surgir mais acima, continuando o mesmo ímpeto com que principiara, de que se convence Ter outra causa êste movimento tão extravagante. Faz um grande estrondo o mar da pororoca, e se ouve em uma légua de distância; comove também os ares em forma que sempre a precede um grande vento comovido dos mares dela.
“Isto é o que observei; deixo a outros o discurso das suas verdadeiras causas”. (p. 455).
Ainda do que consta do Dicionário... de César Marques, no verbete História (p. 372-376), ao relacionar as obras disponíveis do Catálogo dos Manuscritos da Biblioteca Pública Eborence, onde foram colhidas notícias de diversos manuscritos sobre as coisas do Maranhão, encontrando-se entre aqueles uma:
“- Breve descrição das grandes recreações do rio Monim do Maranhão, pelo Padre João Tavares, da Companhia de Jesus, missionário do dito Estado – 7 fôlhas em quarto” (p. 375).
Às páginas 437/448, sob o verbete Maranhão, César Marques passa analisar a etimologia desse nome Maranhão, com base em textos disponíveis e explicações apresentadas. Afirma aquele autor que, para servir de contrapeso às hipóteses de algumas destas pretendidas etimologias [6]:
“... acrescentaremos outra opinião, que se não for a verdadeira terá ao menos o mérito de ser fundada em inéditas indagações sobre a língua brasílica. O Padre João Tavares não escreve na sua carta Maranhão, mas sim Maranhay, do que dá a seguinte satisfação - ...” (p. 437).
transcrevendo o que Clóvis Ramos (2001) trás como sendo das páginas 454/455 daquele Dicionário, acima já transcrito ... Ainda à página 438, e ainda referindo-se ao estado do Maranhão, traz que:
“O alegado Padre Tavares, para quem o país era tão familiar, escreveu na carta sobredita o seguinte: ’Dizerem os cronistas que há aqui um rio, que se chama Maranhão, do qual tomou a denominação todo o Estado, é para mim consideração pia, que eles fizeram. E, se não, digam-me: onde está esse rio ?’” [7].
Já o sociólogo Rossini CORRÊA (1993)[8], comenta uma carta de João Tavares a um superior seu – seriam as “Breves descrições...” ? -, descrevendo a paisagem da Ilha de São Luís, ante a chegada possível de missionários europeus ao Maranhão. Afirma que aqueles religiosos deixariam as delícias da Itália, não pelos trabalhos, mas pelas recreações do Maranhão, conforme consta das “Breves descrições...”, tecendo os seguintes comentários:
"Como na Ilha Grande foi decantada pelo espaço contrário aos trabalhos (os quais, no mínimo, resguardaria) antieticamente haveria de apresentar expressiva contenção de exercícios corporais, enquanto expressão de labuta, de fadiga e de descanso decorrentes de diligência em atividade física. Permitiria - na contrapartida da terra de gente excepcional - a alternativa das recreações para o cultivo e o requinte do espírito. Desdobrado da hipótese das recreações coletivas, o raciocínio desenclausurado outro não é, senão o de que, no Maranhão, seria comunitária a amizade pelas luzes, pela razão, pela sabedoria etc., considerada a educação do pensamento e do sentimento um fragmento indispensável das recreações. ." (40).
“A afirmativa do padre João Tavares foi riquíssima, porque vaticinou uma permuta - as delícias (da Itália) pelas recreações (do Maranhão). Sociologicamente significativa, haja vista que, na substituição, as delícias européias não terminariam trocadas pelos trabalhos americanos. Ao contrário, o fundamento do intercâmbio seria a validade indicada como vantajosa - a das recreações maranhenses." (p. 39).
O Padre jesuíta João Tavares é considerado o fundador da cidade de Tutóia - Ma; era natural do Rio de Janeiro, onde teria nascido a 24 de setembro de 1679. Viera para o Maranhão como mestre de Filosofia e Teologia, tendo ensinado também Gramática. Foi Vice-Reitor do Colégio[9]. Cumprida sua missão, deram-lhe opção de voltar ao Rio de Janeiro, não a aceitando, por amor aos Teremembés. Faleceu em São Luís, em 11 de julho de 1743 – (ou 44, segundo Ramos, 2001).
Os Teremembés dominavam vastas regiões do norte maranhense – região dos Lençóis e Delta do Parnaíba -; o governo manda uma expedição, em 1679, sob o comando de Vital Maciel Parente; encontrando um troço de índios, estes são dizimados – mais de 300. Somente em 1722, se efetuaria a redução desses índios, por obra do Pe. João Tavares, cognominado Apóstolo dos Teremembés. O próprio padre descreve os costumes daqueles índios marítimos, definindo-os como “peixes racionais”.
Em 1724, o missionário pediu, e obteve duas léguas de terra e a ilha dos Cajueiros. Teve problemas com fazendeiros – três irmãos e um primo, que a invadiram, para criação de gado – e, não conseguindo resolvê-lo com o Governador – que também tinha interesse na região, retirando índios para seu serviço -, recorreu a El-Rei, que deu ganho de causa ao missionário e exigiu que se cumprissem as condições do aldeamento: servir aos brancos nas pastagens de gado vacum e cavalar e garantir para a Coroa a vigilância daquela faixa marítima. O padre comprou os gados introduzidos irregularmente aos fazendeiros.
A missão chamou-se Nossa Senhora da Conceição. Em 1730, contava com 233 índios ainda pagãos, que aprendiam a doutrina.
João Tavares situou a aldeia nas praias dos Lençóis, onde faz barra principal um dos braços do Parnaíba, chamado Santa Rosa e também Canal de Tutóia.
César Marques (1970), no verbete Tutóia, de seu Dicionário..., informa serem os índios Trememés (sic), os mais bem figurados, valentes e prestimosos que tinha a Capitania, segundo o pensar do Governador Gonçalo Pereira Lobato e Sousa – 1753/1761. Esses índios tinham, em 1727, no tempo do Governador e Capitão-General João da Maia da Gama – 1722/1728 -, duas datas de seis léguas de terra, as quais foram medidas e demarcadas à custa dos mesmos índios. Prossegue:
“Pouco tempo era passado quando das bandas da Parnaíba vieram uns homens que foram situando aí fazendas de gado vacum e cavalar, e sucitando-se questões entre eles, os índios os expeliram, e um jesuíta, que lá vivia em muita intimidade, com o fim de terminar tais pendências, comprou aos seus legítimos donos o gado existente, e de então por diante ficaram os padres da Companhia possuindo como suas as terras destes índios.” (p. 622) (grifos meus).
César Marques não traz João Tavares como o fundador de Tutóia, nem o identifica como o jesuíta que vivia entre os Teremembés - embora fosse conhecido como o Apóstolo desses índios -, o mesmo ocorrendo com CARDOSO (2001)[10], que apresenta a descrição dos 217 municípios maranhenses. Às páginas 572-581 traz a descrição de Tutóia, basicamente transcrevendo do que consta no Dicionário de César Marques, não fazendo referência, também, a João Tavares...
João Tavares, padre da Companhia de Jesus, é o autor da “Breve descrição das recreações do Rio Muni do Maranhão, pelo João Tavares da Companhia de Jesus missionário, do dito estado. 1724”. A seguir, transcrição do manuscrito disponível no Arquivo Nacional, Divisão de Manuscritos 5, 3, 24 [11]:
“BREVE DESCRIÇÃO DAS GRANDES RECREAÇÕES DO RIO MUNI DO MARANHÃO, pelo Padre João Tavares, da Companhia de Jesus, missionário no dito Estado, ano 1724”. [12]
“São as águas deste Rio tão salutíferas que seis dias purgou com suavidade, a quantas por ele navegamos. Toda a margem deste Rio é de claras areias, em partes descampadas, em parte rendadas em aprazível selva, em partes cobertas de arvoredos copado, em partes cortados de água e lamenta, a que chamam os naturais igarapé, em partes com ribanceiras de altura de dez palmos, de cima das quais desfazem de quando em quando torrentes de frias águas da grossura de um homem encorpado com suave sussurro, a que chamam os naturais tororoma[13].
“Pelas costas das margens do Rio se levantam grossas árvores entremeadas em parte de vistosas palmeiras entremeadas com as celebres Baunilhas, droga hoje tão apreciada para sal do chocolate, e como rezam; pois é tal a sua graça que não há fera nem aves que a não procure.
“Entre tanto recreativo arvoredo se viu de espaço a espaço umas árvores a que chamam Visgueceyras estas se levantam sobre o mais arvoredo, como para serem vistas, com uma ástea branca, direta, sem algum outro ramo por toda a astea. Querendo armar a copa, cruza dois braços como fez Jacob, sobre eles forma toda a copa maneiras de uma meia laranja com 50 e tantas braças de circuito. Acima desta abóbada não se verá umas folhas mais altas que a outra; o mais curioso jardineiro não tosquiará uma muito mais esfericamente. Não brota fruta alguma pela rama, como o comum das árvores; toda a sua recreativa fruta, esta por baixo da copa, tão igual no comprimento toda pendente, que se pode pegar uma régua pelas extremidades sem que toque com alguma demora, cada fruta terá palmo e meio de comprimento tornando à maneira de bilros de fiar rendas, finíssima sobre o delgado no pé, em grosso proporcionalmente para o meio, torna a abaichar para fazer garganta, inha para fazer cabeça, e a cubra em ponto rombuda.
“O que mais eleva a atenção que depois de tanta coerência, e igualdades do sujeito, se veja tanta incoerência incidentais, por que em uma árvore se vê toda a fruta de verde claro: em outra a fruta cor de carmesim, em outra toda a fruta de verde escuro; em outra toda a fruta variada de verde claro, verde escuro e de cor escarlate. Tanto me arrebatava na vista destas árvores que em aparecendo alguma já me chamávamos Soldados para me darem a recreação de a ver em antecipada recompensa das vistas, que ao depois me deva para chorar.
“A largura deste Rio será como de vinte braças, por minha estimativa terá 200 léguas até a nascença. O peixe, as aves, a caça, e o mel, há em grande abundância. Enquanto navegamos, saiam a terra 10, 12, soldados pelas oito horas da manhã, pelas dez da mesma manhã os avistamos lavando-se a beira do Rio; tomávamos ali ponta, a bondade de meu Deus.
“Ali vi porcos monteses, veados de várias castas, antas de tamanho do maior capado, tamanduá uaçú, como uma vitela tatupeba vestido verdadeiramente de armas brancas; ali vi os pobres dos macacos, espretados tão sisudo, como defuntos. Voltei os olhos para as aves e ali vi o Nambyaçú, gênero como de Perdiz comum peito de carne com entrecascas, como cebola em tanta quantidade que debulhamos os entrecascas encheram um prato ordinário. É esta ave mui escassa por falhar, sura [14] vistosa bem armada, voa como a Perdiz, mas a grandeza, que chega a de uma Pavoa, faz que d6e grande baque quando pousa e que não se esconde quando pretende põem 12 ou 15 ovos de azul celeste do tamanho dos da Pavoa; chamo-lhe a gênero como da Perdiz, por ser o maior do qual tenho visto oito espécies de perdizes. Tem o 2º lugar macacauã, o qual canta infortunadamente como o galo, `meia noite formando silabas da maneira que o galo forma quatro. Tem o 3º lugar a perdiz verdadeira assim chamada por ser assim em tudo semelhante a da Europa.
“Segue-se o Namby por antonomasia, cujos ovos são da cor de rosa, impertinentes no falar, e aonde muito ao remedo. Segue o piscoapa que será como uma franga de quatro meses. Segue-se o Nambú pintado de branco, com friso, e pé encarnado. Segue-se uma espécie, que agora estando escrevendo falou junto a minha choupana. Fui a o ver, ele se escondeu a erva de sorte que o não cheguei a ver. Disseram-me estes Tapuias que era como uma franga. Segue-se a Tureirina que é como uma rola, a que canta às Avemarias, meia noite e ao amanhecer.
“Ali vi os Mutuns pouco menos de um peru, Huns de crista cor de coturno e penacho negro, e encrespado, outros de crista amarela e penacho; as fêmeas são pintadas de branco, e negro, com lavores como primaveras com penacho crespo, e pintado de branco e preto; metia compaixão ver essa ave morta, se bem que sabe bem de qualquer sorte guisado. Ali vi as Jacutingas pouco menores que os Mutuns. Ali vi os Jacumins tão estimados por serem as penas contra o ar, por se demesticarem bem, pela galanteria com que a todos de casa faz festas todas as manhãs pela comparação com que em vendo as galinhas com pintos os furta todas às Mães, e os cria com grande cuidado; no mato dá sinal às 8 horas da noite, a meia noite, e de madrugada. Ali vi o Turu, ave como um franganete, com crista de galo, anda em bandos, cantam juntos a tarde, e de madrugada. Foi o que vi de caças, e aves nesta vez, em outras vezes vi outras castas, perdoando os caçadores as vezes, e caças de menor grandeza, como as pacas, cantam juntos à tarde e de madrugada.
“_______ Pacas, quatis, Acutio, Araras e papagaios prombo, trocas, etc
“Sentei-me a ver aquela benção do Altíssimo, e me esqueci de quantos trabalhos tem esta miserável vida. Vendo-me os soldados absorto, a mim que tenho visto todo sertão desde o Rio de Janeiro até o Maranhão, disseram-me: mais se admirará R. Padre se por aqui viaje quando o Verão oferta mais e faltam águas pelo sertão, e vêm caça e que habitar a beira do Rio. Ferviam os caldeirões e fervia o peixe a comer os fragmentos da cozinha. Lançavam os Soldados uma tripa crua de porco montês dentro da água, e logo pularam e nele vinham e nela vinham pegadas as Piranhas, a duas e a quatro, de sorte que em vinte credos enchiam um cagete de peixe. São estas Piranhas do tamanho, cor e figuram de um panpasso pequeno. As deste rio são gostosas, brancas, de carne alva, e gordura cor de azeite. Chamaram-lhe os naturais piranha, que no seu idioma quer dizer tesouras por que são mui mordazes, e corta o seu dente de sorte que nada agüentará que não tema a piranha.
“Deixo de usufruir o delicioso Manduba, Mandim Açú, ______ leitões da água doce.
“Não é alheio dessa relação, nem de fim dela, dizer que tem esta Ilha do Maranhão a forma de uma cobra em arco, cuja cauda é a ponta de areia onde está até a Fortaleza da barra, e cuja cabeça é aquele negro boqueirão o qual está olhando para a cauda por entre cuja cauda e cabeça entram para o ventre desta Serpente, onde está situada a Cidade do Maranhão: serve de crista postiça a esta cobra a Ilha das Cobras, por entre a qual e o boqueirão tão medonhamente passamos a buscar a terra firme. Esta fazendo ponta em Itaculumin, dá um cerco a aquela cobra de trezentas e tantas léguas na minha estimação até a ponta do Mearim; Meari Itaculumin são duas pontas da grande meia lua que faz a terra firme para dentro deste meia-lua absorvem a cobra, ou Ilha do Maranhão para cujo efeito abre a terra firme set horrorosas bocas dos sete famosos Rios que deságuam ao redor da Ilha do Maranhão: para a parte da cabeça até as costas da cobra lança a terra firme os quatro maiores Rios, convém a saber: Pinaré que para Ter mais força deságua unido com o Meari, Itapecurú, Muni; destes quatro rios não sabemos a nascença ainda dos três primeiros; para a frente do meio da cobra, até a cauda, lança a terra firme três deliciosos rios; convém a saber Tutuaba, Anajatuba, Periá, destes três sabemos as nascenças, mas de nenhum dos sete sabemos os haveres dos seus incultos exteriores. Só sabemos serem habitados por homens, feras, ferozes; serem de terras pingues cercados para fora de amenas e férteis campinas sobremodo as quais = fluunt Lacte et mele = sem exageração; sertões frios, e por isso sadios.
“O quanto excedem estes sertões no saudável aos do Pará, assim foram seus habitadores mais um pouco macios. Quantas vezes navegando por estes Rios, dizia como magoa do meu coração: ahi! Senhor, não sois ainda servido de povoan estes Rios de missões, certos que se isto se chegasse a conseguir como se vai dispondo deixam os Religiosos as delícias da Itália, não pelos trabalhos, mas pelas recreações do Maranhay.
“Terá Vossa Reverendíssima reparado na ortografia com que escrevo a palavra – Maranhay – contra o comum. Foi de industrias por dar gosto a V.R. que como tão perito na língua Brasílica folgará lhe diga o que por mim tenho alcançado acerca da etimologia desta palavra Maranhão, ponto em que tenho ouvido alternar por bocas e por escritos antigos, e sobre nunca assentarem em nada, de quanto disseram, nada tem fundamento no meu fraco entender; Vejam-se os antigos manuscritos da missão. O Padre Bartolomeu Leão da Província do Brasil, reformador do Catecismo da língua Brasílica me recomendou muito quando vim para o Maranhay, que me avistasse com o Padre Ascenso Gago, o mais perito que por então reconhecíamos neste idioma Brasílico, soubesse dele o que sentia neste ponto; ambos morreram ignorantes de que aqui quero dizer, e nunca o disseram ser ter visto com os meus olhos as pororocas do Maranhãy: Pelo que digo que a palavra Maranhay se compõe de dois verbos, e de um substantivo, os verbos são MARAMONHANGÁ, que significa brigar; e anham que significa correr (até aqui atinavam desta padre Bartolomeu Leão) e o substantivo é a palavra, ou letra, que significa água, e ainda tirada da palavra Maranhan, por corrupção da palavra, assim como estão infinitos nomes, da língua Brasílica corruptos pela pronúncia dos Portugueses: nesta palavra não podia atinar o Padre Leão sem ver ou lhe dizerem o que passa pelo Maranhay; deram os naturais este principal nome a esta terra do que nela mais principalmente avultava, que são as pororocas; cujo efeito é uma briga das águas correndo. Tudo isto diz a palavra Maranhay, água que corre brigando. Perguntar-me-ão, pois por que não se chama Maranhay, pororoca: respondo que pororoca é palavra que explica o que descreve; parece-me que se compõem da palavra opõe que significa rebentar de estouro, como o ovo quando rebenta, e da palavra cororan que significa roncar continuamente, como o mar. Ou é palavra simples feita freqüentativa, tiradas sempre do verbo opõe. [15]
“De qualquer sorte que tomem a palavra pororoca, sempre significa estourar, ou estalo donde do que se ouve se chama aquela infernal fúria das águas pororoca e do que se vê se chama todo este Estado Maranhay. [16]
“Dizem os cronistas que há aqui um Rio que se chama Maranhon, do qual tomam a denominação todo o Estado é para mim consideração para que ele fizeram. E se não digam-me onde está este Rio ? [17]
“Já que entretive a Relação com estas curiosidades mais próprias para Crônica, quero dizer o que entendo da fundada da pororoca ou causa dela. É de saber que como estas terras são tão rasas visivelmente se se vê a terra abaixando do sertão para o mar, isto se vê sem embaraço de duvidas no Rio Itapecurú pelo qual quem vai navegando vê ao longe terra alta de uma a outra parte. Chega ao lugar em que mascara a terra alta e a vê a rasas como a de donde marcar a tem alta.
“Deste mesmo lugar já demarca outra tem alta, e chegando a dela terra tão baixa ao parecer como o de donde demarcara terra alta, e assim todo o Rio até onde chamam as areias.
“Donde a vir descendo a terra para o Mar de quatro centos e mais léguas. Faz que venham as águas com peso. Para mais peso sobre o Rio Pinaré e Rio Meari; por uma mesma faz, unidos estes dois grandes pesos d’água, acham o mar em que deságuam encanado com meia légua de largura. Por esta meia légua de mar, saírem estes dois Rios Pinaré e Meari, até chegarem e faz, que se forme entre a Ilha dos Caranguejos, e a terra firme. Em quanto a maré vaza tudo vai em paz em a maré enchendo começam a pelejar em um lugar a enchente que vem do Oceano com a vazante que vem dos ditos Rios, o lugar desta peleja dista da barra dos dois rios com vinte léguas; brigam ali a enchente com a vazante sem a maré passar daquele lugar para diante por esforço de três horas. Nestas três horas torna a enchente força e nas águas vivas torna maior força; Forma grande pé atrás alteia sobre a vazante, a maneira de dois homens que estiveram forcejando peito a peito e um deles vencendo levasse o outro a largo de costas, assim vence a enchente, que naquele lugar só alterca por três horas e no instante que cavalga sobre a vazante dá tal esturro, e continua com tal urrar, e corre com tal violência com três marés ou três serras d’água lançando para trás a modo de gadelha branca desgrenhada uns fios de água, acometendo a tudo o que há com tal fúria a que parece vai a ofender a seus caminhos, ou a acudir a algum da Natureza, arrancando árvores, derrubando ribanceiras, e cobrem em três horas tudo quanto havia cobrir nas seis ordinárias de uma maré.
“Daqui vem vazar a maré até onde se forma a pororoca nove horas e daí para cima enche em três horas. Deixada aqui estas notícias, e continuando minha navegação pelo Rio Muni acima. [18]
“Esta Relação foi tirada de uma carta que o Padre da Companhia João Tavares, Missionário no Maranhão escreveu ao seu Visitador Geral o Padre Jacinto de Carvalho no ano de 1724.
“Biblioteca Pública Eborence
“Códice CV 1 = 7 = a folha 165
“Nota: neste doc. Vem sempre escrita “Maranhay” em vez de Maranhão.”
[1] SOUZA, José Coelho de. OS JESUÍTAS NO MARANHÃO. São Luís : Fundação Cultural do Maranhão, 1977, p. 56-57
[2] RAMOS, Clóvis. OS PRIMEIROS JORNAIS DO MARANHÃO – 1821 - 1830. São Luís : SIOGE, 1986;
RAMOS, Clóvis. OPINIÃO PÚBLICA MARANHENSE (1831 a 1861). São Luís : SIOGE, 1992.
[3] RAMOS, Clóvis. ROTEIRO LITERÁRIO DO MARANHÃO – Neoclássicos e Românticos. Niterói : (s.e.), 2001
[4] MARQUES, César Augusto. DICIONÁRIO HISTÓRICO – GEOGRÁFICO DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO. 3ª ed. São Luís : (s.e.), 1970.
[5] “Esta Relação foi tirada de uma carta que o Padre da Companhia João Tavares, Missionário no Maranhão escreveu ao seu Visitador Geral o Padre Jacinto de Carvalho no ano de 1724. - “Biblioteca Pública Eborence - “Códice CV 1 = 7 = a folha 165”.
[6] Estas são comentários de João Francisco Lisboa, em seus Apontamentos para a história do Maranhão; de um jornal português, Panorama vol. 3, 1939, retirado da obra Maranhão conquistado a Jesus Cristo e à Coroa de Portugal pelos religiosos da Companhia de Jesus; do livro do padre Manoel Rodrigues, Marañon y Amazonas, dentro outros, que reproduzem estes textos (MARQUES, 1970, p. 437)
[7] Alguns autores trazem esse rio como sendo o Mearim
[8] CORRÊA, Rossini. FORMAÇÃO SOCIAL DO MARANHÃO: o presente de uma arqueologia. São Luís : SIOGE, 1993
[9] O Colégio de Nossa Senhora da Luz, em curto espaço de tempo, tornou-se excepcional centro de estudos filosóficos e teológicos da ordem no Estado (universitate de artes liberais). Era o que melhores condições de estudos oferecia. Já em 1709, o Colégio do Maranhão era Colégio Máximo, nomenclatura usada pelos discípulos de Loyola para seus estabelecimentos normais de estudos superiores. Nesse colégio funcionavam as faculdades próprias dos antigos colégio da Companhia: Humanidades, Filosofia e Teologia, e, mais tarde, com graus acadêmicos, no chamado curso de Artes. Os estudos filosóficos compreendiam: no 1º ano, Lógica; no 2º, Física; no 3º, Matemática.
O Colégio Máximo do Maranhão outorgava graus de Bacharel, Licenciado, Mestre e Doutor, como se praticava em Portugal e na Sicília, segundo os privilégios de Pio IV e Gregório XIII. Dentre os estabelecimentos de ensino dos jesuítas, as Escolas Gerais ocuparam um lugar de destaque, pelo fato de terem tornado o ensino popular ao alcance de todos. (CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL – 1622 – 1759. São Luís : SIOGE, 1990, p. 36).
[10] CARDOSO, Manoel Frazão. Tutóia. In O MARANHÃO POR DENTRO. São Luís : Lithograf, 2001, p. 572-582.
[11] Os Autores tomaram conhecimento desse texto de João Tavares quando da elaboração de artigo intitulado “’Pernas para o ar que ninguém é de ferro’- as recreações em São Luís do Maranhão, no período imperial”, estudo segundo colocado do Prêmio “Antônio Lopes” de Pesquisa Histórica, do Concurso Literário e Artístico “Cidade de São Luís”, 1995, quando se referiam aos jornais que se dedicavam ao lazer, instrução, literatura e artes, editados nos primórdios da imprensa maranhense. A primeira referência encontrada foi em Rossini Corrêa, logo depois em Clóvis Ramos; após cerca de 10 (dez) anos de buscas – Biblioteca Pública Benedito Leite, Arquivo Público do Estado do Maranhão, Biblioteca Nacional e no próprio Arquivo Nacional - quando tomou conhecimento da conclusão do levantamento dos manuscritos disponíveis – junho de 2003 – fez nova consulta, dando-se-lhe conta de que havia uma cópia dentre aqueles documentos. Mandaram buscar, então, cópia; adquirida através de suporte em microfilmagem (custo: R$ 40,00), fotocopiada na Biblioteca Pública Benedito Leite (custo: R$ 78,00 !).
[12] A transcrição do documento foi feita pelos Autores, e revista por Jairo Ives de Oliveira Pontes, professor de História do CEFET-MA; e Heitor Ferreira Carvalho, professor de História, técnico do Arquivo Público do Maranhão, a quem os Autores agradecem.
[13] Tororoma – do Tupi, corrente fluvial forte e ruidosa (Jairo Ives de Oliveira Pontes, comunicação pessoal)
[14] do Tupi, panturrilha (Jairo Ives de Oliveira Pontes, comunicação pessoal)
[15] Comparar este trecho com a descrição em Ramos, Clóvis, 2001, acima.
[16] Comparar este trecho com a descrição em Ramos, Clóvis, 2001, acima.
[17] Comparar este trecho com a descrição em Marques, César, 1970, acima.
[18] Comparar este trecho com a descrição em Marques, César, 1970, acima.