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Faleceu em Recife no dia 8 de dezembro, uma pessoa incomum, de altíssima qualidade humana. Sem ter fama nacional, que aliás, nunca buscou, Bruno Silveira foi um brasileiro cujo valor só pode ser devidamente apreciado pelos que acompanharam de perto a sua trajetória existencial, profissional e cívica.

Tendo tido o privilégio de conviver com ele, desde que nos conhecemos em 1986, em algumas das muitas causas patrióticas a que se dedicou nos últimos vinte anos, venho trazer um breve testemunho pessoal sobre as qualidades e a estatura desse brasileiro, cuja obra cidadã tem um grande valor pedagógico, e deve portanto ser divulgada, principalmente para conhecimento da nossa juventude.

Em geral é impossível separar a pessoa do homem público. Isso é mais certo ainda no caso do primogênito dos sete filhos do pernambucano, médico e político Breno da Silveira, já falecido (vereador e deputado federal socialista várias vezes pelo Rio de Janeiro, nas décadas de 40 a 60, tendo sido cassado pelo regime militar em 1970), e de Dona Cyra Silveira, mato-grossense, ex-militante social católica, que trabalhou com Dom Helder Câmara e hoje é escritora ("Às vezes penso que sou Noé", "Xô as dores" e "Tocando e fotografando a vida", este no prelo).

Bruno Silveira herdou dos pais as qualidades humanas que o tornavam cativante e admirado por todos, como, entre outras, a simpatia, a simplicidade, a jovialidade, a positividade, a solidariedade, a sinceridade, a criatividade, a bondade, a fidelidade aos amigos e a modéstia. Por sua inteligência, lucidez e espírito pioneiro, aliados à capacidade de apaixonar-se pelas causas que abraçava, ele irradiava e estimulava entusiasmo e confiança nos companheiros, líderes ou liderados, em todos os vários e diversificados empreendimentos cívicos a que se dedicou, desde os bancos escolares.

Formado em Direito no Rio de Janeiro em 1965, ao regressar ao Brasil após estudos de pós-graduação em Harvard, Bruno Silveira receberia do então Ministro Reis Veloso, do Planejamento, o desafio de pensar e criar uma instituição pioneira de apoio à pesquisa no país. Desse desafio, e do seu esforço pessoal, nasceu a atual FINEP.

Por outro lado, voltando-se para o plano comunitário, no desejo de contribuir para o desenvolvimento social e cultural de Pernambuco, onde nasceu, Bruno aceitaria o convite para ser secretário de turismo da Ilha de Itamaracá, onde realizou, em parceria com a Embaixada da Holanda, importante projeto de recuperação do seu histórico forte, que data da ocupação holandesa, e de mudança do perfil turístico e humano daquela atraente localidade nordestina.

No Rio de Janeiro, flamenguista apaixonado, Bruno Silveira integrou na época de ouro a diretoria do "mais querido", presidida por seu colega de colégio, Márcio Braga - paixão à qual voltaria a dedicar-se no final da vida, com a nova gestão de Márcio, inspirando a criação do projeto "novas gerações" do Flamengo. Com a redemocratização do país, Bruno Silveira, a convite do seu amigo Marco Maciel, então Ministro da Educação, foi Secretário de Esportes do MEC, desempenhando importante papel na modernização do olhar e do fazer das instituições e comunidades esportivas nacionais, enfatizando os jogos cooperativos e o esporte como instrumento de humanização e cidadania.

Em seguida, convidado e liderado por Norberto Odebrecht, Bruno Silveira tornou-se vice-presidente da Fundação Emílio Odebrecht, onde idealizou e liderou durante muitos anos, entre outros, vários projetos pioneiros de apoio cultural e eventos de todo tipo, comprometidos com o desenvolvimento de jovens cidadãos empreendedores. Bruno estimulou também a participação das organizações Odebrecht em campanhas nacionais a favor da educação pública de qualidade no Brasil.

Data desse período o eficiente envolvimento de Bruno Silveira com a grande causa nacional dos direitos da criança e do adolescente. Embora poucos o saibam, ele foi um dos grandes estrategistas e o mais importante apoiador e incentivador, embora extremamente discreto, dos esforços das centenas de pessoas que em todo o país lutavam ativamente pela mudança do panorama legal nessa área, alcançada com o art. 227 da Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990.

Homem de vanguarda, Bruno Silveira foi pioneiro na construção no Brasil do conceito de responsabilidade social do chamado terceiro setor. Ele sabia como ninguém identificar líderes e projetos portadores de futuro. Por isso colaborava com organizações como a Ashoka, financiadora de empreendedores sociais, e ajudou Viviane Senna, na década de 90, a montar o Instituto Ayrton Senna.

Na mesma linha, já nesta década, Bruno colaborou na criação do jovem Instituto Telemar, atuou em Porto Seguro, onde morou no final da década de 90 e começo deste século, na construção da Portopar, articulação de cidadãos pelo desenvolvimento humano integral daquela cidade, e finalmente foi conselheiro da AVINA, em parceria com a atual líder Neylar Vilar Lins, que fora sua liderada na Fundação Odebrecht.

Poucos dias antes de nos deixar, ao visitá-lo no hospital, em Recife, ouvi seu empolgado relato sobre as realizações no projeto que possibilitou a recuperação física e pedagógica, pela iniciativa privada, do tradicional Ginásio Pernambucano, então em ruínas, e a criação de outros onze ginásios experimentais de ensino médio do Estado, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação. Comoveu-me também a sua preocupação, devido à mudança do quadro político estadual após as eleições, com eventuais incompreensões e pressões políticas que pudessem desfigurar o projeto em sua essência transformadora, prejudicando os jovens de Pernambuco e do Brasil.

Esse o brasileiro que, por seu acendrado amor ao Brasil, antes mesmo de Darcy Ribeiro apresentar projeto nesse sentido no Senado, levantou a idéia da campanha BOTA AMOR NESSA BANDEIRA, para a qual mobilizou centenas de jovens na Região do Descobrimento, na Bahia, e sensibilizou muitas pessoas em todo o país a fim de que um dia o lema positivista - Amor, Ordem e Progresso - venha a ser corretamente incluído no pavilhão nacional...

Já se disse que os grandes homens não morrem, ficam encantados. Os grandes cidadãos-estadistas também. Por isso, estou certo de que o generoso coração de Bruno Silveira continuará pulsando em todo jovem brasileiro que não aceite como fatalidade o futuro sub-humano que o nosso atraso sócio-cultural lhe oferece como destino.

Nesse dia, estejamos certos, juntamente com Betinho e tantos brasileiros anônimos hoje atuantes por este Brasil afora nas mais diversas áreas de ação humanizante, Bruno Silveira será lembrado e reverenciado pelas novas gerações como precursor de um novo tipo de líder, o líder servidor, e de um novo e cada vez mais imprescindível tipo de cidadão - o cidadão-estadista.

*Deodato Rivera, 71 anos, formou-se em Filosofia no Brasil e pós-graduou-se em Ciência Política no Chile. Foi consultor da Fundação Emílio Odebrecht e do Instituto Ayrton Senna. Trabalha atualmente nos temas da liderança servidora e do desenvolvimento humano integral.

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