Integra

Ilha do Mel, 27 de novembro de 2042

No início da década de vinte, recebi do meu amigo Ubiratan esta mensagem: 
“Seguimos na luta em busca de uma educação que realmente valorize o “Ser Criança”, com todas suas potencialidades únicas, que possam realmente valorizar e aprender com o meio onde vivem, fortalecendo suas identidades comunitárias. Continuo por aqui, na luta em juntar os frangalhos disciplinares em que o sistema transformou o conhecimento. Aéweté!”

Acompanhei líderes indígenas que, como o amigo Ubiratan e o Ailton, questionavam:
“O que as crianças aprendem ficando presas? A fugir”.

Estrangeiro já vacinado contra o etnocentrismo europeu, fui tomar um banho de humildade em comunidades xavante, pataxó, guarani, tupinambás, mapuches. Concluí que bastaria um ano de estágio em culturas prá-colombianas, para substituir muitas disciplinas da formação inicial dos professores do hemisfério sul.
Curado de vaidade e preconceito, fui aprender com quilombolas o modo como uma tribo inteira cuida de uma criança, nem necessidade de pacotes de formação em “habilidades sócioemocionais”.

Nascido num cortiço da margem norte do Atlântico, não me foi estranho o viver das favelas, que adentrei. Fui procurar entender como sobrevivia um povo, que “era poeta e se alimentava de tanta maré vazia, num mar que ele próprio inventava”.  Nos lugares onde moravam setenta e cinco por cento dos alunos brasileiros, concluí que ali morava a solidariedade e a autonomia, algo que escasseava na dita “escola pública”.

Há vinte anos imigrado no hemisfério sul, convivi com cidadãos de outras origens – italianos, alemães, japoneses... – e, enquanto português herdeiro de um peculiar cosmopolitismo horizontal, concluí ser o Brasil um caldo cultural rico de uma criatividade, que lhe permitiria dispensar a Escola que, a convite do Bolívar, o Lancaster trouxera para o sul. 

Da pauta da transição governamental de vinte e dois constava a  proteção das comunidades de povos originários. Mas quem as protegeria de uma escola estranha às suas culturas e necessidades? Aquilo que eu vi nessas comunidades foi a prática de um modelo educacional desumanizador, a que eram colados “projetos de inclusão social” e os inevitáveis paliativos instrucionistas.

Havia um “Dia da Consciência Negra”. Porém, nas escolas onde os negros e os brancos quase negros eram armazenados, o modelo educacional era aquele que os brancos tinham inventado no século XIX. Ainda que acrescentada de “disciplinas quilombolas” e enfeitadas com aquilo a que chamavam “pedagogia dos projetos”, essa escola não lograra libertar-se de práticas “escravocratas”, que lhe eram impostas.

Nas escolas das favelas sobravam os contra-turnos, as classes de reforço e outros sub-produtos e boas intenções. Uma BNCC espúria contaminava sub-culturas, aniquilava movimentos de emancipação. Mais tarde, um “novo” ensino médio, uma espécie de câncer pedagógico, viria a causar ainda maior exclusão social, facilitando o recrutamento de milícias e traficantes. 

Freire tinha razão, quando afirmou que deveríamos suliar e não nortear a nossa reflexão, e o Brasil tinha tudo o que era necessário para conceber uma nova prática – sobravam professores devotados, erm abundantes as teorizações. 

Mas, as teses se acumulavam nos arquivos das universidades, sucediam-se inúteis congressos e ações de formação, sistemas de ensino prosperavam, o sucateamento e a mercantilização da escola pública era um fato. E eu me perguntava: por onde andarão os pedagogos e os cientistas da educação, que não acodem ao descalabro?

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