Capitão América e as Modificações dos Padrões Corporais: do Humano Ao Pós-humano
Em XV Congresso de História do Esporte, Lazer e Educação Física - CHELEF
Resumo
Os corpos são produto de mentalidades e a dimensão corporal, assim como advogava Foucault (1999), está enredada em complexas e variadas relações de poder. Portanto, pensar o corpo é reflexioná-lo em constantes metamorfoses e a partir de discursos que se estabelecem em diferentes épocas. Logo, existe uma possibilidade profícua de analisar as Histórias em Quadrinhos (HQs) de acordo com o período em que as mesmas foram escritas e publicadas. Nesse sentido, pode-se fazer uma relação de como o personagem Capitão América e os atletas ganham seus contornos corporais ao longo dos anos. Na criação do herói se enaltecia a simetria, a proporção e a aparência jovem (RUSSO, 2005). Ao acompanhar essa lógica, pode-se observar nas primeiras edições de Capitão América e nos atletas do período um modelo corporal bastante simétrico e sem o contorno de músculos visíveis. Os mesmos traços aparecem até meados dos anos 1960, pois nesse período se iniciou a chamada “cultura do narcisismo”, que difundia a ideia da beleza pelo cuidado com o corpo, além da intensificação das propagandas midiáticas, que passaram a determinar o padrão de beleza a ser seguido (RAGO, 2007). As HQs também seguiram essa lógica e acabaram por transparecer os interesses comerciais, passando a propagar ideais de comportamento, beleza e consumo. No final do século XX iniciou-se o juízo de moldar o corpo de maneira a mostrar que possui um completo domínio sobre ele (FRAGA, 2011). Nesse sentido, conforme salienta Perera (2017), o que se vê é a glorificação do sofrimento, na qual as academias e os esportes passam a ser os seus centros de celebração e a ideia de corpo malhado torna-se o ideal a ser seguido. A partir do fim da década de 1980, ocorreu nas HQs um aumento das proporções musculares e principalmente na exaltação da definição (FRAGA, 2011). O mesmo ocorre com o corpo dos atletas, com músculos cada vez maiores e com maior definição. Nesse período, a dimensão corporal ganhou uma conotação de pós-humano, pois diferenciava da condição orgânica “natural” e tornava-se melhorado pelos avanços tecnológicos (SIBILIA, 2002). Ao observar as HQs, há uma maior evidência muscular nas constituições corporais dos personagens. A disparidade é comprovada principalmente na comparação entre as primeiras edições da década de 1930 e os fascículos publicados a partir dos anos 1990. Torna-se clara a discrepância na ilustração dos músculos, passando de um sujeito comum a um com uma musculatura e definição avantajadas, um indivíduo pós-orgânico, melhorado pela técnica. Após essa análise, fica evidente a relação entre atletas e super-heróis, porém, ainda não está claro se são os super-heróis que “determinam” a axiologia dos atletas ou se a axiologia dos atletas que serve de base para a criação dos super-heróis.
Referências
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
FRAGA, Alex Branco. Anatomias Emergentes e o Bug Muscular: Pedagogias do corpo no limiar do século XXI. In: SOARES, Carmen Lúcia (org.). Corpo e História. 4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
PERERA, Éric. Emprise de poids: Initiation au body-building. Paris: L’Harmattan, 2017.
RAGO, Margareth. Cultura do Narcisismo, Política e Cuidado de Si. In: SOARES, Carmen (org.). Pesquisas sobre o corpo ciências humanas e educação. Campinas, SP: Autores Associados; São Paulo: FAPESP, 2007.
RUSSO, Renata. Imagem corporal: construção através da cultura do belo. Movimento & Percepção, v. 5, n. 6, p. 80-90, 2005.
SIBILIA, Paula. O homem pós-orgânico: corpo, subjetividade e tecnologias digitais. In: Conexões. Relume Dumará, 2002.
Fonte de financiamento - CAPES.