Integra

INTRODUÇÃO:

A capoeira vem se afirmando como complexo temático no processo de formação humana. Trata-se de composição entre jogo, luta e dança. Esse trabalho apresenta resultados da pesquisa-ação desenvolvida em 2004, na Escola Estadual Januária da Rocha, Florianópolis-SC. Permitiu um contato direto dos coordenadores com o cotidiano, a pobreza e a riqueza de uma comunidade ainda permeada de carências. Os serviços públicos são precários e, com exceção da praia, as crianças e os adolescentes não contam com espaços públicos para se encontrarem e brincarem. O objetivo principal desta pesquisa foi investigar limites e possibilidades de re-significação da capoeira. A cantiga interativa e o lúdico rebelde constituíram categorias empíricas de análise. Conhecimentos foram experimentados, problematizados, teorizados e reconstruídos numa perspectiva de autogestão e autodeterminação. Os resultados suscitaram reflexões acerca da possibilidade de se tratar a capoeira como atividade humana fomentadora do lúdico e da interatividade.


 METODOLOGIA:


A pesquisa integrou o projeto "As Práticas Corporais no Contexto Contemporâneo: Explorando Limites e Possibilidades" e foi desenvolvida com vinte e quatro sujeitos na perspectiva de investigar a capoeira a partir do enfoque da pesquisa-ação, considerando a polissemia dessa manifestação cultural e a necessária articulação de aportes teóricos vinculados à filosofia, história, sociologia e pedagogia. Através das atividades desenvolvidas, objetivamos investigar limites e possibilidades de re-significação da capoeira na contemporaneidade, suas múltiplas expressões e experiências. Foram realizadas cinqüenta e duas aulas-encontro. Estas aconteciam regularmente terças e quintas-feiras, das 18:00 h às 19:00 h, de acordo com a disponibilidade do espaço físico e o interesse dos participantes. O levantamento de dados foi realizado a partir de entrevistas, questionários, observações participantes e diários de campo.


RESULTADOS:

O espaço físico da escola apresentava-se com várias limitações estruturais para o desenvolvimento pleno de atividades sócio-pedagógicas e culturais. Não tinha biblioteca, acesso à internet, nem play ground. Possuía apenas um computador e uma impressora antigos. Suas instalações eram precárias e as atividades de capoeira aconteciam no pátio que também servia como refeitório. Esse espaço era aberto nas laterais, portanto, vulnerável às intempéries do tempo. O piso era áspero e tinha pilastra no meio que atrapalhava a movimentação dos participantes. No início ou no final de cada aula-encontro procurávamos valorizar as experiências compartilhadas, simbolizadas através de aperto de mãos e nas conversas (papoeiras) em roda. Eram tematizadas expectativas, frustrações e possibilidades para os novos encontros. Muitas atividades em dupla foram desenvolvidas, além dos próprios jogos de capoeira na roda. Esta idéia de diálogo permeou toda a construção do conhecimento nesta pesquisa. Por diversas vezes, o grupo recebeu visitas de outros capoeiras que trocavam experiências com as crianças e tentavam colaborar de alguma forma. Alguns encontros tematizaram a celebração da vida, ocasiões em que o grupo realizava atividades que finalizavam com uma mesa de frutas, que eram partilhadas no final.


 CONCLUSÕES:


A Escola Januária reflete importante parcela da realidade educacional brasileira e expressa o descaso do poder público com a educação institucionalizada daqueles que mais precisam dela. Esta experiência nos remeteu à possibilidade de tratar a capoeira como uma atividade humana plena, suficiente em si, desprovida da necessidade de outras modalidades de brincar para sua realização ou seu aprendizado. Ela já é seu próprio estímulo. Ao contrário do que fazem alguns professores quando propõem seu aprendizado através de modelos prontos de brincadeiras e jogos preconcebidos, a capoeira pode ser tratada como uma brincadeira em si e para si. Ou seja, a roda de capoeira constitui-se numa densa e expressiva atividade que os capoeiras dão para si mesmos. Não se trata de um conceito ou uma idéia intelectualizada, ela precisa ser executada para ser vivida. O gesto e o canto materializam composições sempre originais que dificilmente se repetirão. Entretanto, convém observar que, embora eles possam ser exercitados numa dimensão lúdica, que flui em si mesma, que não pretende provar nada, que não quer parecer nada, esses passos e cantos que os capoeiras encenam e entoam na roda, além de expressarem a explosão da vida, são também reflexos de outros passos e cantos vividos em outros contextos. Os passos da capoeira são passos da vida.