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A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. O número global de infectados confirmados já ultrapassa a marca de seis milhões, com 387 mil mortes, enquanto no Brasil os casos confirmados, com reconhecida subnotificação, passam dos 640 mil com um total de 35 mil óbitos.

A rápida aceleração da curva de transmissão do novo coronavírus desafia os governantes e autoridades sanitárias a encontrarem medidas de saúde pública que evitem o colapso dos sistemas de saúde e reduzam os óbitos. No entanto, desde a confirmação do primeiro caso da Covid-19 no país, em março de 2020, alguns gestores públicos se colocam na contramão das recomendações das autoridades médicas e científicas, além de realizarem ataques à ciência em meio a um cenário de cortes de bolsas de pesquisa, defasagem tecnológica dos laboratórios e desmoralização dos professores e pesquisadores, ademais a flagrante interferência na autonomia das universidades públicas.

Apesar de todo o empenho da comunidade científica para encontrar uma vacina ou um medicamento que possa minimizar os efeitos da pandemia, a posição negacionista assumida por algumas autoridades públicas, mais as manifestações e pronunciamentos contra as medidas de distanciamento social, adotadas com base nas orientações científicas da OMS, para tentar conter a progressão do contágio e evitar o colapso dos hospitais, colocam em risco a vida daqueles que vivem no Brasil, especialmente dos mais vulneráveis, e sobrecarregam o trabalho dos profissionais que estão na linha de frente ao combate do vírus no país. No Brasil, em vista de um quadro alarmante e complexo que está em crescimento em todas as cinco regiões do país e abrange desde capitais e cidades do interior, as ações mais contundentes foram deflagradas, principalmente, na ausência de uma liderança central, pelos governos estaduais e municipais, especialmente, buscando reduzir a circulação de pessoas e favorecendo o distanciamento social, no sentido de minimizar o número de transmissões comunitárias e também as demandas no sistema público de saúde, como nas unidades de saúde e hospitais de todas essas regiões.

Por outro lado, à medida que o número de casos e mortes cresciam, as publicações, pelo Governo Federal, dos Decretos No 10.282, No 10.329 e No 10.344, respectivamente, em 20 de março, 28 de abril e 8 de maio de 2020, foram definindo o que seriam considerados serviços essenciais. Cabe ressaltar que, concomitantemente com as referidas datas, o número de mortes por Covid-19 no Brasil, segundo a OMS, evoluiu de quatro, para 4.205 e, posteriormente, para 8.536.

Nesse sentido, ao longo deste período, algumas entidades e/ou profissionais têm manifestado a defesa pela reabertura de academias de ginástica e clubes esportivos, especialmente, fundamentado nas possíveis relações entre as práticas corporais e atividades físicas e a saúde, em distintas perspectivas (ex. promoção da saúde, prevenção de doenças). Além disto, a possível pressão, de fundo econômico, realizada por dirigentes de espaços comerciais, que oferecem serviços relacionados aos exercícios físicos, esportes e atividades similares, inclusive, direta ou indiretamente, apoiada por entidades de representação profissional, talvez esteja motivando os gestores públicos a autorizar o seu funcionamento. Além do processo de contaminação de uma pandemia, a progressão dos casos e óbitos da Covid-19 confirmados no Brasil está associada aos aspectos socioeconômicos, trazendo à tona uma taxa de mortalidade muito elevada e com influência das desigualdades de acesso às ações de prevenção e tratamento.

Assim, torna-se essencial considerar os grupos atingidos e o maior risco de morte pela Covid-19, dentre estes: idosos; pessoas com deficiência; pessoas com comorbidades associadas; pessoas em condição de vulnerabilidade socioeconômica, que em sua maioria são negros e pardos. Além disso, o Brasil é um país que tem registrado um grande número de contaminação e mortes de profissionais de saúde que atuam diretamente no enfrentamento da pandemia, mais a convivência com condições precárias de trabalho intensificadas pelo aumento das horas trabalhadas, esgotamento físico e mental, medo do contágio de si e de seus familiares, e falta de equipamentos de proteção individual. Neste cenário, cabe também nossa preocupação em relação aos trabalhadores que desempenham atividades em locais fechados, como, por exemplo, os Professores de Educação Física que atuarão em academias e clubes desportivos. No dia 11 de maio foi publicado o Decreto Nº 10.344, que insere as “academias de esporte de todas as modalidades” no rol de atividades essenciais, cabendo aos estados e municípios a fixação de regras próprias para sua reabertura. Contudo, à parte das medidas de segurança que serão tomadas para o funcionamento destes espaços, a referida medida deve ser ponderada por dois fatores relevantes considerando o momento em que a presente carta é escrita: a dinâmica da transmissão da Covid-19 ainda é crescente no país e a ausência de um maior debate que levasse em conta tanto o conhecimento disponível, quanto as recomendações maiores da OMS.

Além destes, há também a questão da influência social, uma vez que, para muitos, a liberação do funcionamento destas academias pode reforçar a percepção de que a vida segue normalmente, em evidente negligência aos indicadores de casos e óbitos por Covid-19 no Brasil. Da mesma forma, cabe mencionar que a influência social pode contribuir para o afrouxamento das medidas de distanciamento social e restrição de circulação, que no momento se configuram como as estratégias mais eficazes para o controle da Covid-19 e reorganização do sistema de saúde.

É comum, na história da humanidade, que as cidades respondam a eventos naturais, culturais, sociais, políticos e econômicos com uma reorganização do ambiente social, como ocorreu em outras pandemias e guerras que já enfrentamos. O enfrentamento da pandemia da Covid-19 poderá repercutir em profundas modificações na organização das cidades, destacando inclusive a importância das práticas corporais e atividades físicas.

A experiência internacional em países nos quais a transmissão da Covid-19 está estabilizada sugere alternativas como a gradual regulação das práticas corporais e atividades físicas ao ar livre e incentivos financeiros para ampliação de calçadas e da malha cicloviária, contando também com bicicletários, paraciclos e oferta de bicicletas públicas, contribuindo-se, assim, para a redução da circulação de carros em centros urbanos. Dessa forma, acreditamos que as cidades brasileiras, a partir da experiência pós-Covid-19, deveriam adotar medidas concretas também em prol do transporte ativo, colocando em prática os Planos já entregues, bem como, os seus Planos de Mobilidade e que deverão ser entregues até 12 de abril de 2023 (Lei nº 14.000/2020), priorizando o deslocamento seguro de bicicleta e a pé, conectados aos transporte público coletivo.

Dessa forma, tomando como base o presente cenário de excepcionalidade e, inclusive a não reabertura dos programas presenciais de práticas corporais e atividades físicas no contexto do Sistema Único de Saúde, a posição deste coletivo é contrária à reabertura das academias e clubes desportivos que oferecem serviços relacionados aos exercícios físicos, esportes e atividades similares, independente das medidas de segurança que possam ser tomadas para controle do risco biológico do contágio, uma vez que tal liberação decorre mais das pressões de caráter econômico do que pela defesa da saúde. Por fim, em reconhecimento do papel das práticas corporais e atividades físicas no desenvolvimento humano, recomendamos a sua realização em casa, considerando gostos, preferências, possibilidades, estrutura dos ambientes e aspectos de segurança.

Atenciosamente,

Associação Brasileira de Atividade Motora Adaptada

Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte

Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde

Sociedade Brasileira de Biomecânica