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INTRODUÇÃO:

Uma questão que interpela o mundo em rede é o confronto local x global. As novas tecnologias de informação promovem a sua compressão, dando a sensação de vivermos numa realidade espaço-temporal única, o que nos torna concidadãos-globais. Todavia, será que essa realidade pode dispensar os símbolos culturais localmente significados, para socializar fenômenos globais? Parece haver um entendimento que admite a coexistência do global e do local, com relações dialeticamente estabelecidas, que ajudam a construir identidades culturais híbridas, a um só tempo cosmopolita e local. Esta questão é crucial para campos em que a comunicação é determinante, porque envolve possibilidades subjetivas de percepção e formulação de significados sobre informações veiculadas em escala global. Disso dependem os padrões de consumo dos produtos culturais mundiais, oferecidos como mercadorias. Por exemplo: eventos esportivos como os Jogos Olímpicos, produzidos e disponibilizados pela mídia em esfera global, são consumidos no âmbito local.

Em 2004, nos Jogos de Atenas, 15 mil jornalistas de todo o mundo levaram o evento global ao seu público local, utilizando-se de símbolos culturais por ele identificáveis. Este estudo parte das seguintes questões: i) como a mídia impressa catarinense "contou" os Jogos de Atenas para os seus leitores? ii) como os atletas catarinenses participantes dos Jogos serviram de mediação cultural identificatória para a mídia "falar" deste evento global ao local?


METODOLOGIA:

Este recorte de pesquisa coletiva desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Observatório da Mídia Esportiva (CDS/UFSC) tem como objetivo apresentar um levantamento descritivo-quantitativo da cobertura dos Jogos Olímpicos de Atenas-2004 nos dois principais jornais de circulação estadual em Santa Catarina: Diário Catarinense (DC), de Florianópolis; e A Notícia (AN), de Joinville. O campo de observação foram 58 edições diárias dos jornais em agosto de 2004, mês em que aconteceu o evento. A análise compreendeu uma leitura inicial dos exemplares, para identificar matérias relativas aos Jogos, seguida da observação se havia, nas matérias, referência a algum dos 19 atletas catarinenses que competiram em Atenas. Esse procedimento permitiu que eles fossem ranqueados a partir do número de matérias em que foram referidos, por jornal. A seguir, foi calculada a área total (em cm2) destinada a notícias sobre as Olimpíadas nas páginas de esporte e a área absoluta e relativa das matérias relacionadas aos catarinenses e aos quatro atletas mais referidos em cada um dos jornais (DC e AN), sendo considerado, para isso, textos, títulos e fotos, quando havia. A decisão de analisar os quatros atletas mais referidos em cada jornal deu-se pelo fato de que os três mais citados são comuns nos dois veículos e têm expressão nacional, enquanto que somente o quarto mais referido em cada um deles eram atletas cujo reconhecimento é mais circunscrito à cidade ou região em que são editados os jornais.


RESULTADOS:

Os dados foram agrupados conforme as 4 semanas de agosto. Primeira constatação é que o DC dedicou quase o dobro de espaço às Olimpíadas de Atenas/2004 (159.790 cm2) do que o AN (82.400 cm2), inclusive com caderno especial encartado em 16 edições.

Todavia, o percentual médio da área destinada aos atletas catarinenses é semelhante nos dois jornais (DC=15,26%; AN=17,90%). O percentual médio de área ocupada pelos 4 mais citados, em relação à área de divulgação dos catarinenses, é maior no AN (75,32%) do que no DC (61,88%), sendo que os atletas mais referidos são de esportes individuais: tênis, natação, remo, vela e marcha. No somatório das 4 semanas, nos 2 jornais, o tenista Gustavo Kuerten (Guga), um global, foi quem teve maior espaço (11.509,53 cm2) e maior porcentagem em relação à área total dedicada aos atletas catarinenses (34,80 %). Mas tanto no DC, com maior ênfase, quanto no AN, sua presença decresce à medida que é eliminado do torneio (1a semana: DC=34,48%; AN= 87,60%; 4a semana: DC=0,63%; AN=15,51%). Em compensação, um resultado acima das expectativas de um atleta local (o velejador André Fonseca, o Bochecha, de Florianópolis) proporcionou-lhe significativo aumento de espaço no DC: de 1,78% na 1a semana para 68,90% na 4a . A exposição da atleta local Alessandra Picagevicz, da região de Joinville, no AN, também cresceu no decorrer da cobertura, embora menos, talvez por não ter obtido resultado tão significativo: variou de 0,35% na 1a para 16,89% na 4a semana.


CONCLUSÕES:

Quantitativamente, a cobertura jornalística da mídia impressa catarinense aos Jogos de Atenas/2004 foi significativa, sendo maior no DC, que tem uma estrutura empresarial mais forte (grupo RBS) e mais distribuída geograficamente (do RS ao DF), o que lhe proporciona incipiente circulação nacional e faz com que o jornal seja menos local. No que se refere à divulgação dos atletas catarinenses, todavia, os jornais demonstram semelhanças, inclusive em relação à área relativa atribuída, destacando-se o alto percentual concentrado em alguns atletas, em relação ao espaço total dedicado aos demais catarineses olímpicos. O fato de os três atletas mais referidos serem os mesmos nos dois jornais parece ter justificativas diversas: os dois primeiros, Guga Kuerten e Xuxa Scherer, são destaques mundiais por suas conquistas anteriores; Fabiana Beltrame teve cobertura destacada por ser a primeira remadora olimpíca brasileira. No período que antescedeu a participação destes atletas, a presença deles foi maior, num duplo movimento jornalístico: de agendamento e de personificação do evento a ser divulgado - na mesma direção, parece estar o fato de atletas de esportes individuais, o que facilita o processo de individualização e identificação. Após suas eliminações, no entanto, o eixo da cobertura passou da formação de expectivas em relação a eles à veiculação de notícias, abrindo espaço para a divulgação dos resultados dos demais atletas locais, proporcional ao êxito obtido por cada um.