Integra

Durante muito tempo a carreira de jornalista ficou guardada no minha pasta de documentos, onde repousava meu diploma da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. A explicação é simples: a vida me levou. Estudei jornalismo para escrever sobre esporte. Queria unir profissão à paixão que nasceu ainda na minha infância, mas isso não era tão fácil assim.

Naquele tempo a Folha parecia um sonho irrealizável. O jornal de maior circulação do país. A sede das cabeças que davam voz a um clamor por democracia.

No início da década de 1980 o país vivia uma recessão brutal e conseguir um emprego era raridade. Ainda assim, foi possível conseguir uma vaga de trabalho em pequenos jornais até que fui fagocitada pela propaganda depois de cobrir as férias de uma profissional. Por quase 10 anos trabalhei em grandes e pequenas agências até que o Plano Collor fez disparar o chamado da alma. Larguei tudo, fui estudar psicologia e dali voltei ao esporte que continuava a produzir um chamamento como as sereias que levaram Ulisses a se prender ao mastro do navio para chegar a Ítaca.

O tempo passava e o vínculo com a Folha foi mantido na condição de assinante. Acostumei a tomar o café da manhã sentindo cheiro de tinta e sujando as mãos. Mesmo com o advento das telas folhear o jornal faz parte de um ritual que aponta para mais um dia.

A formação acumulada ao longo dos anos me fez voltar à universidade na condição de professora. Estou na carreira docente há mais de 25 anos e faz parte da minha função publicar textos a respeito do esporte, e, principalmente sobre a vida dos atletas. Os textos acadêmicos trazem reflexões que permitem transformar a sociedade, e o esporte como fenômeno social merece ser tratado com a mesma importância.

Em 2018 fui surpreendida com o convite para me tornar colunista do Caderno de Esporte desta Folha. Ali se apresentava um grande desafio que era proporcionar ao leitor a reflexão produzida nos textos acadêmicos com uma linguagem acessível e menos hermética. Já se vão quase 3 anos nessa produção semanal sobre as questões relacionadas ao esporte com um alcance que nenhum texto acadêmico teria.

E assim se cumpre uma das principais funções da universidade contemporânea: dialogar com a sociedade rompendo a endogenia.

Entre as funções acadêmicas que exerço posso destacar a orientação de dezenas de mestrandos e doutorandos, muitos deles originários de outras universidades que não a USP. De muitos deles ouvi e ouço sobre a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de estudar em uma instituição com tradição e nível de excelência. E essa marca é tão forte que muitos nem chegam a tentar fazer parte dela.

Sou grata à Folha por me permitir esse exercício dialógico com universitários que sonham poder escrever uma dissertação ou tese a partir do que leem nessa coluna. Gostaria inclusive de convidar colegas de outras áreas a fazerem o mesmo. A ciência, o conhecimento e o entendimento do que é a universidade ganham outra dimensão.

Desejo mais um centenário de vida a um veículo que atinge leitores de diferentes origens e extratos sociais. Espero continuar a fazer parte desse time que me leva a ser interpelada por leitores sobre aquilo que poderia ser apenas um objeto de pesquisa. Ganhei eu e ganharam os estudantes que trabalham comigo no Grupo de Estudos Olímpicos. Talvez isso os ajude a entender a importância de trazer a discussão douta para além dos muros da universidade.