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A história da educação vem registrando, ao longo das últimas décadas, as preocupações da humanidade relativas à educação das classes populares, mais especificamente naquilo que se refere à aquisição do conhecimento sistematizado. O paradigma dominante entre os educadores do terceiro mundo aponta para algumas prioridades, dentre elas, a de que a educação das classes populares seja estruturada a partir de currículos que tragam, em seu bojo, a produção local fruto de distintas realidades.

Apesar disso e de termos clareza de que as iniciativas para o avanço da educação popular sempre trouxeram propostas muito próximas do que preconiza os tais paradigmas, nem sempre, podemos comemorar o sucesso dos resultados, principalmente, quando a discussão gira em torno de sua eficácia. Uma boa proposta escrita nem sempre se traduz em bons resultados e quase sempre são incapazes de despertar a curiosidade ou o interesse de alunos para a pesquisa ou à busca de novas descobertas.

No Brasil, um dos responsáveis pelos sucessivos fracassos no que se refere à aplicação de novos programas é o poder público. Tal constatação deve-se ao fato de a educação vir ao longo da história política nacional recebendo, pelo menos no discurso, um tratamento prioritário, mas não precisamos de muito tempo para perceber o quanto é falaciosa esta preocupação. Basta que olhemos para o número de professores leigos que ainda atuam na periferia das grandes cidades e para a falta de bancos escolares para todos.

Por essas razões é fácil entender as falsas preocupações do poder para com a Instituição. A política nunca abandonou a educação.

Os interesses dos dirigentes políticos fizeram da política educacional um motivo para aprovar projetos questionáveis em relação às necessidades populares de uma região em situação de exclusão.

Nos últimos anos percebemos que a educação física tem recebido contribuição de diversas áreas, com seus diversos saberes. O que tem nos chamado atenção é o leque de atuação para os profissionais, em relação ao mercado de trabalho, que se abre em relação à crise social e conjuntural estabelecida no país.

A educação física tem por característica estabelecer e ampliar relações entre jovens, crianças, adultos; pobres, ricos; homens, mulheres; povos distintos de todas as raças. Nem a diferença de idiomas pode impedir o desenvolvimento das ramificações das culturas corporais que são sugeridas pela educação física.

Em 1997 começamos a desenvolver as atividades circenses como forma de promover a cultura corporal de jovens do CIEP Pres João Goulart, em Ipanema, precisamente no Morro do Cantagalo. Esta atividade era mantida por uma organização não governamental denominada Grupo Cultural Afro Reggae. Em seguida, esta experiência foi levada a duas escolas da prefeitura de Angra dos Reis: Prefeito Toscano de Brito e Benedito dos Santos Barbosa.

As atividades circenses surgiram com propostas de sistematizar uma metodologia de intervenção educativa e artística, utilizando-as como ferramenta sócio-educativa a fim de encurtar a distância entre a favela e o asfalto, diminuir a prostituição infantil, o recrutamento do narcotráfico e, fundamentalmente, oferecer aos jovens uma alternativa de atividade física além dos esportes com bola. Apesar da ludicidade e da plasticidade do circo, conseguimos quebrar a concepção de que a educação física trabalha apenas como desporto ou preparação física.

Percebemos que a educação física assume, através da cultura corporal, uma função mais fundamental na formação holística dos jovens. Nas relações socio-esportivas e culturais, que sustentam as atividades circenses, apresentadas em nossa sociedade, não pode haver humanização na exata proporção em que se despreza a realidade da formação sócio-econômica de uma classe dominante em relação às causas determinantes da desumanização de um segmento da sociedade que cresce a cada dia: as favelas, a população de rua, as classes populares (lotadas nas escolas públicas), que precisam ser reinseridas na sociedade através das artes, da atividade física, da cidadania, da cultura e de tantas outras quão forem necessárias.

Ao desenvolvermos esta prática junto aos jovens destas comunidades escolares, percebemos que a educação física manteve seu cerne, mas também abriu possibilidades para uma ação interdisciplinar e criou uma perspectiva para o mercado de trabalho para esses jovens no futuro. Assim conseguimos criar uma cultura disciplinar motivando a reflexão da importância da educação física, pois neste momento fazia-se necessário conhecer mais e melhor sobre o assunto para fazer as diversas apresentações no trapézio, malabarismo, acrobacia de solo e aéreas, equilibrismo, perna de pau, monociclos e contorção.

Ao conceber esta atividade, os jovens passaram a perceber a pertinência das valências físicas na aplicabilidade do cotidiano.

Obviamente, a motivação girava em torno da solidariedade e da democracia. Esta se fazia porque a atividade é um elemento agregador, pois todos podem se encontrar em alguma modalidade e aquela mostra que ninguém é capaz de elaborar, preparar e executar seu número sozinho.

Há algum tempo a educação física era área de domínio militar em que os jovens eram desenvolvidos cartesianamente, estabelecendo os limites corporais, enfatizando a profilaxia e valorizando o moral dentro de um positivismo clássico.

Nós percebemos que as atividades circenses, dentro de um programa de educação física, podem romper com este positivismo e fazer com que nossos jovens tenham uma ascensão social. Por este motivo, estamos na contra-mão do chavão: é preciso por limites. Acreditamos que os jovens precisam ter seus limites ampliados, precisam ser conscientizados de suas responsabilidades pessoais no grupo que fazem parte.

Em um artigo da FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) Iza Locatelli disse que "desenvolvemos a pedagogia do prazer". Isto é muito parecido com o que Paulo Freire dizia em relação ao amor creditado à educação. Então, começamos a sistematizar nosso trabalho aproveitando a visão da fenomenologia do materialismo histórico e a contribuição de autores modernos da educação mundial a fim de prover os jovens de análise de informações, experiências vividas e sensibilidade para tomada de decisões conscientes. Conseguimos desenvolver nossas ações metodológicas dentro de um corte epistemológico em que contamos com a experiência de: Piaget para explicar a relação do ser humano com o meio onde vive e oferecer aos jovens o melhor

exercício/atividade de acordo com o seu desenvolvimento; Vygotsky que, com a visão de interatividade, nos orienta na formação dos jovens apoiado nas relações interpessoais e nas experiências para o desenvolvimento potencial; Paulo Freire - ideais políticos através do diálogo; e Frienet - aulas passeios e consideração do cotidiano dos jovens que envolvem o ambiente onde vivem e convivem com familiares.

A aplicação desta metodologia na educação física escolar nos remete a uma abordagem construtivista-interacionista que propõe uma integração entre os jovens e o meio ambiente com o objetivo de formular e resolver problemas. Segundo Rubem Alves a mente só registra o conhecimento se houver prazer ou se puder ser usado como instrumento operacional, Anísio Teixeira concorda e completa: "só se aprende o que sucede ou o que satisfaz". Por isso criamos diversas situações simuladas de resolução de problemas que envolvem tráfico de drogas, saneamento básico, prostituição infantil e cidadania.

A educação física continua com muito crédito na sociedade, seja como uma grande atração desportiva, seja como lazer. Porém é na escola que precisamos melhorar a credibilidade, pois a LDB determina que não há mais uma carga horária definida. Neste caso, os professores desenvolverão suas atividades dentro de um projeto pedagógico elaborado pela escola. Conseqüentemente cabe aos professores de educação física defender e argumentar as suas atividades.

A educação física, em última análise, precisa apresentar argumentos fortes e inovadores - com a finalidade de desenvolver as potencialidades pré-existentes nos jovens alunos - por parte dos professores, e para isso é necessário um investimento pessoal para criar, adaptar, executar e defender a importância da disciplina na escola junto à direção, aos pais e aos alunos.

O autor, Sérgio Henrique Cardoso da Silva é professor do Colégio Estadual Prof Murilo Braga


Referências bibliográficas

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