Integra
Para Adoniran Barbosa
O ‘desfile dos personagens’ é um evento que acontece anualmente na escola do meu filho e das minhas filhas, no inicio da primavera, para celebrar a semana do livro. Todas as crianças se fantasiam de personagens de livros e fazem um desfile em uma passarela improvisada na quadra da escola. A criatividade impera, aparece cada coisa com a qual a gente nunca sonhou. Personagens de quadrinhos, de historias malucas, Harry Potters estilizados, espiões, bruxas, fadas, figuras novas e antigas. Gente e bichos dos quais nunca ouvimos falar. Todos e todas desfilando ao som de uma musiquinha sem graça.
A professora-bibliotecária (quase toda a escola tem uma dessas, é uma especialização que pode ser feita por quem se forma como professor (a), muito interessante os recursos que estes professores apresentam para as crianças) faz uma leitura dramatizada de um texto com uma turminha de crianças mais velhas, em geral os monitores da biblioteca – que no dia a dia ajudam as crianças menores a acharem livros, leem para elas, e fazem serviços gerais na biblioteca da escola. Os professores fecham a farra também se fantasiando de modo bem divertido, e fazendo uma peça bem legal. Até eu e minha comparsa já entramos na dança, e fizemos uma pontinha inesperada em uma apresentação dos mestres. A criançada urra.
Neste ano, entretanto, minhas crianças com a mamãe prepararam algo diferente. Já estava tudo combinado faz tempo. Para a próxima ‘book parade’ todas iriam desfilar sorridentes a sua identidade nacional. Portando bandeiras da nação brasileira, usando chapelões verde-amarelos enviados pelos avós, e claro, a camisa da Seleção com mais uma estrela cintilante, atravessariam a escola exuberantes, enquanto todos aplaudiriam o melhor futebol do mundo. Com muito orgulho.
Pois é. Furou. Culpa de quem? Do técnico, dos dirigentes? Das emissoras de TV? Dos sanguessugas do futebol brasileiro que há anos chupinham nossos gramados não tão verdes assim? Do centroavante? Do reserva do centroavante? Do bigode do centroavante? (Alias, quando ele apareceu assim, achei que ia vestir a camisa do México…será que o Murtosa deu umas dicas para aparar, tratar, etc?). Da falta de meio de campo? De muito meio de campo? Do Buzz Ligthyear?
Deixarei as analises tático-sociológicas-comportamentais para as entendidas em todos os assuntos. Eu apenas vou assumir a minha culpa. Afinal, quando os holandeses celebram a sua identidade nacional em alguma festa tradicional, todo mundo sabe que eles se vestem com aquelas roupinhas com tamanco; os alemães, com aqueles trajes tipo ‘Oktoberfest’; os escoceses, com saias (nossa, que escândalo!); os japoneses eu não faço ideia. Agora, a brazucada aqui, que mora no exterior, quando vai para alguma festa ,celebração publica, etc, sabe que não tem jeito melhor de se vestir de brasileiro do que colocar a camisa canarinho. Mas obviamente que, dadas as atuais condições de temperatura e pressão, esta difícil de vesti-la. E olhem que por aqui a Copa já acabou faz tempo, o velho rugby e o Australian Football Rules já voltaram a dominar o noticiário (se é que algum dia deixaram de fazê-lo) cotidiano.
Então, como ia dizendo, eu assumo a minha culpa. Dobro a minha antiga camisa da CBD, coloco ela no fundo do armário, olho no espelho, e pergunto a minha alma nacional machucada: é apenas isso? Não, claro que não. Temos muito mais. Somos muito mais. Queremos muito mais. Puxo o pandeiro, e começo a celebrar, com muita admiracao:
Paulo Freire. Zanetti. Bossa Nova. Carnaval do Recife. Pantanal. Marta. Hortência. Samba. Paula. Joaquim Cruz. Zequinha Barbosa. Programa de prevenção a AIDS. Universidades publicas entre as melhores do mundo (apesar de tudo). Língua Portuguesa. Zumbi dos Palmares. Vinicius. Elis. Chico. Science. Dani Piedade. Formiga. Biocombustível. Mobilização social. Brazucas espalhados pelo mundo afora, bombando. Mangue Beat. Projetos educativos inovadores. Machado. Era do Gelo. Guimaraes Rosa. Garotada que ganhou a Olimpíada internacional de Matemática e Física há alguns anos (Gustavo Haddad Braga, Maria Clara Mendes da Silva, Deborah Alves). Cesar Lattes. Afro Reggae. Olodum. Meninos do Morumbi. Gol de Letra. Judocas. Comissão da Verdade. Conceição Silva de Porto de Galinhas, seus irmãos, pais, irmãs e família, representando milhões de anônimos e anônimas honestos, sorridentes, miscigenados, espalhados trabalhando por esta terra afora.
A lista de orgulhos é longa. Desculpem as omissões.
O que não da mais é para ficar esperando as decisões quadrienais dos ladroes de medalha.
Eles não vão mudar tampouco se reformar. Devem ser extintos.
Enquanto isso, preciso urgentemente achar outro traje nacional para meus filhos usarem na escola. Com muito orgulho. Com muito amor.
Por Jorge Knijnik
em 13-07-2014, às 11:46
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Comentários
JK, essa escola dos seus filhos aí na Austrália dá até raiva. Espalhei o ótimo artigo. Laercio
Por laercio
em 13-07-2014, às 14:59.
Raiva da escola porque, Laercio? Voce e’ contra escola publica? Eu tambem discordo de varias coisas nela, mas de longe e’ ate bacana…:-). Comunidade neles~
Por Jorge Knijnik
em 13-07-2014, às 15:05.
Excelente Artigo!Concordo contigo – SOMOS MUITO MAIS!
Por Paulo Falcão
em 14-07-2014, às 2:52.
Principalmente na pesca! E olha que nem falei do Guga, da Cora Coralina, Julio, Cocorico’, Emilia, Pedrinho e Narizinho…
Por Jorge Knijnik
em 14-07-2014, às 2:56.
Você deveria mandar seu artigo para os limitados “pensadores” da CBF – ou quem quer que tenha planejado as festas de abertura da Copa e de outros eventos: eles não conseguem raciocinar além de capoeira, mulatas, música baiana – e lógico, contratar os eternos protegidos de sempre (amiguinhos do governo): Ivete Sangalo, Carlinhos Brown (genro do Chico, amigo do Fidel). Você abriu um leque muito grande de possibilidades. O Brasil é bem mais do que costumam mostrar.
Por Julio E. Bahr
em 14-07-2014, às 14:37.
Tinham tambem que mostrar
as peripecias anarquicas
– de Julio Bahr
Por Jorge Knijnik
em 14-07-2014, às 14:40.
Jota, voce respondeu a sua propria pergunta – manda a turma do Sitio do Pica Pau Amarelo para o desfile!!!
Por Luzia
em 14-07-2014, às 17:59.
Há muitos motivos de orgulho sim, mas quase todos os que vc listou são relativos. Em uma postagem facebookiana, uma determinada pessoa chamou Chico Buarque de algo como canastrão pq apareceu um texto atribuído a ele defendendo o PT. Para esse dito cujo, a obra perdeu o sentido por uma, talvez, posição política. Já o futebol não. É fonte de grande (e verdadeiro)orgulho e de uma unidade nacional que, me parece, só a língua é também capaz de gerar. Nossa história nos mostra o tanto de vezes que p país poderia ter sido fracionado. Esse sentimento até hoje existe, por exemplo, na região sul. O futebol, porém, nos une de uma tal forma que mesmo na tristeza ou, como andam dizendo, na vergonha, sentimo-nos como uma nação que tem grandes possibilidades. Políticas à parte, viva a camisa canarinho!
Por Jarbas
em 14-07-2014, às 18:41.
Genial, Jorge!
It`s just a game.
Somos muito mais, como você bem apontou.
E precisamos pensar bem no que fazer em outubro nas eleições, para que a gente possa fazer muito mais pela cultura, educação, justiça social, esporte… e também pelo futebol.
Acredito que ainda temos um belo futebol (seleção, campeonato nacional), mas é preciso reconhecer que o futebol no mundo evoluiu muito. Pudemos ver isto nesta Copa do Mundo, com belíssimas jogadas, boa média de gols e, alguns, maravilhosos!
Por Osvaldo
em 14-07-2014, às 21:28.
LuMara, querida – o problema e’ que ninguem quer ser o Rabico’ nem o Visconde de Espigosa!! Vou ter que ir junto, e adivinha para qual personagem meu ‘physique du role’ se ajusta mais?
Por Jorge Knijnik
em 15-07-2014, às 3:00.
Wagner apoiava o nazismo…Felipao falou bem do Pinochet…eu mesmo torci pra Argentina…os genios sao contraditorios, meu raro Remonte :-)
Por Jorge Knijnik
em 15-07-2014, às 3:02.
Pra voce ver, Nezinho das candongas, o Tim Cahil, centroavante da Australia, fez um dos top-10 gols da Copa (um sem pulo de esquerda) exatamente contra a Holanda! Alias, a Australia apertou contra a Holanda, enquanto a Selecao…so’ me faltava essa agora, os caras ganharem da gente…vou fugir pra Argentina…e nosso livro de futebol, sera que sai? Pra re-ensinar o povo a jogar?
Por Jorge Knijnik
em 15-07-2014, às 3:04.