Resumo
Durante o processo de escolarização ocorre uma cisão entre a construção do conhecimento e a construção da identidade pessoal. No caso da Matemática, é possível observar com maior nitidez a disjunção dos dois fenômenos em função do discutível caráter objetivo da disciplina. Ao contrário do que poderíamos pressupor, as dificuldades enfrentadas pela maior parte de nossos alunos não são de ordem técnica, mas de ordem afetiva: quando alguém se dispõe a aprender, os obstáculos, ainda que difíceis, podem ser superados. O que fazer, então, quando o aluno desistiu da Matemática? Como restabelecer essa relação? Como recuperar a pessoa que se perdeu diante da imparcialidade dos números e das fórmulas? Tendo essas questões no horizonte, o objetivo deste trabalho foi o de realizar uma investigação teórica para compreender adequadamente a construção da identidade pessoal e a construção do conhecimento. Nossa intenção é demonstrar que as narrativas têm o poder de articular os dois processos, uma vez que os significados, na perspectiva de Jerome Bruner, são negociados e estabelecidos narrativamente e que a concepção da identidade, na perspectiva de CharlesTaylor, requer uma compreensão narrativa da vida. Sintonizados com Paul Ricoeur e Julián Marías, investigamos as relações de interdependência existentes entre a identidade pessoal, a linguagem, a narrativa, a ação humana e a Ética. Verificamos, também, como ocorre a manutenção do si-mesmo, ao longo do tempo, nos planos biológicos e cultural, assim como o papel da ficção para a auto-compreensão. Quanto à construção do conhecimento, percorremos um caminho que se iniciou com a construção da realidade, passou pela questão dos conceitos e culminou no estudo da narrativa como forma de conhecimento; nesse caso, juntaram-se às nossas referências os pensamentos de Ortega y Gasset e de José Antônio Marina. Em se tratando da Matemática, constatamos que muitos dos seus conceitos se fundamentam em histórias de movimento e manipulação de objetos, além disso, as narrativas representam a possibilidade de inserir a disciplina no contexto das realizações humanas, dotando-a de um significado mais dramático. Com Kieran Egan, vimos como seria uma aula no formato de história. Finalmente, selecionamos algumas sugestões que podem ser um ponto de partida para o trabalho com as narrativas nas aulas de Matemática. Se educar significa construir significados para nossos conteúdos, compor tacitamente um cenário de valores e semear projetos, concluímos que as narrativas são imprescindíveis, pois, por meio delas, abarcamos essas três dimensões.