Resumo
Neste trabalho buscamos compreender o funcionamento da dança em cadeira de rodas, enquanto possibilidade de mudança corporal e social. Estabelecemos uma escuta do discurso verbal e não verbal para perceber o que estava sendo “dito” nos gestos corporais das pessoas com deficiência física, observando os sentidos postos e propostos pelos mesmos no movimento corporal atravessado pela dança. Para isso, registramos em vídeo os discursos mostrados nas coreografias apresentadas pelos diversos grupos de dança em cadeira de rodas de diferentes regiões do Brasil. Também realizamos entrevistas formais com dançarinos e coreógrafos destes mesmos grupos. E ainda, entrevistamos renomados professores de dança das grandes companhias do Brasil. Esta coleta de dados foi realizada no período de 2000 a 2002. Do ponto de vista teórico-metodológico, esta pesquisa se inscreve no quadro da Análise do Discurso de linha francesa a partir dos trabalhos de Michel Pêcheux e Eni Orlandi e da Teoria de Rudolf Laban para a Análise do movimento. A combinação destas duas metodologias, compatíveis em sua natureza, foi no sentido de permitir compreender a discursividade do corpo, dita pela linguagem não verbal, através da dança. A proposta da pesquisa é uma tentativa de mostrar que a dança, de um modo geral, tem toda uma ordem discursiva que se construiu historicamente, e que a proposta de dança em cadeira de rodas, mobiliza uma relação imaginária com o corpo do dançarino estabelecendo duas maneiras de significar esta dança, sendo: a primeira posta pela relação do dançarino consigo mesmo e a segunda posta pela relação com o público. No entanto, no processo de significação desta modalidade, estes sentidos não se constituem separados. A dança em cadeira de rodas se dá num movimento múltiplo entre duas entidades não fixas. De um lado têm-se a dança composta de sujeitos-dançarinos-deficientes e por outro têm-se a sociedade que reconhece a dança pelos sentidos postos historicamente. Portanto, esta modalidade de dança foi possível porque uma entidade não superou a outra, mas elas se interagiram entre si em outros significados que não são os da dança de um modo geral. Desta forma observamos que a dança permite o exercício da cidadania, sendo a dança um lugar em que o dançarino deficiente se subjetiva, se identifica. Têm-se aí uma tentativa de superação da ética individual posta pela dança para uma ética mais solidária. Assim, esta pesquisa lança como sinalização contribuições que a dança em cadeira de rodas proporciona à pessoa com deficiência física e, em retorno contribui para melhor compreensão do que é a própria dança.