Corporeidades Infantis em Contextos de Violência: escrevivências de um Professor de Escola Pública Periférica
Por Gabriel Ferreira da Silva Carvalho (Autor), Martha Lenora Queiroz Copolillo (Autor).
Em XX Congresso de Ciências do Desporto e de Educação Física dos Países de Língua Portuguesa
Resumo
Este estudo problematiza as corporeidades infantis em escolas públicas periféricas, discutindo como as crianças constroem suas subjetividades em realidades marcadas por violências. A pesquisa é realizada a partir de uma revisão narrativa da literatura e das escrivivências do pesquisador que, segundo Evaristo (2020), se aprofunda nas narrativas emergentes das vivências dentro de um contexto coletivo. O pesquisador, professor de Educação Física em uma escola pública periférica em São Gonçalo, para além dos diálogos com autores, mergulha no campo para ouvir, sentir e pensar com os sujeitos envolvidos nessa trama. Minayo (2014), Cervo, Bervian e Silva (2007), defendem a pesquisa qualitativa para explorar subjetividades e compreender os fenômenos, onde eles se manifestam. Dessa forma, partimos de concepções como as de Merleau-Ponty (2016), Le Breton (2007) e Kohan (2010), que provocam reflexões sobre as subjetividades das corporeidades infantis, tradicionalmente compreendidas como uma fase cronológica rumo à idade adulta. Essa perspectiva, porém, não é suficiente para captar que, além dos marcos do etarismo, estas representam o tatear de um mundo em descoberta que se inscreve nos próprios corpos. Para Kohan (2010), a curiosidade e a inquietude são expressões centrais do que significa ser infante. Em contextos periféricos, marcados por estruturas que produzem e reproduzem mecanismos de violências (Galtung, 2018), as corporeidades infantis tornam-se desafiadoras, pois são tensionadas por dinâmicas sociais, culturais e históricas que refletem o ambiente onde vivem. São Gonçalo - pela grande concentração de violência nas favelas - tem o segundo maior índice de violência do Estado do Rio de Janeiro (Instituto de Segurança Pública, 2023). Nesse cenário, a violência deixa de ser um acontecimento sazonal, configurando-se como um fenômeno que permeia as experiências cotidianas (Benjamin, 1987). Em contextos de periferia, a construção das subjetividades inclui as influências dessas dinâmicas de violência e poder. Como propõe Merleau-Ponty (2016), o corpo não é uma entidade alheia ao que ocorre no espaço-tempo onde está situado; ele é, sobretudo, experiencial e relacional, afetado pelas dinâmicas sociais, culturais e históricas de seu contexto. A violência nas favelas, identificada como estrutural, tem sua sociogênese atribuída aos processos históricos de desigualdade (Zaluar, 2004). A cultura produzida nesse contexto reflete essas realidades, a maneira como as crianças constroem seus modos de perceber, ser e estar no mundo. Na escola, é comum encontrar crianças que consumam músicas que exaltam armas como símbolo de poder ou mencionam conflitos entre “nós” e “eles”, trazendo para o cotidiano dessas corporeidades infantis uma familiaridade com narrativas de violências. Assim ocorre uma adaptação, na qual os sujeitos definem e redefinem o que é "normal". A escola pública periférica, ao lidar com as corporeidades infantis, deve configurar-se como um espaço que valorize as subjetividades das vivências e crie condições para o desenvolvimento de uma pedagogia que reconheça a potencialidade das infâncias, além de oferecer possibilidades de ressignificação e valorização de suas identidades.